Correio do Brasil,
com BBC - São Paulo
De um lado, um país
tentando se consolidar como uma democracia influente em debates internacionais
sobre questões de direitos humanos. De outro, uma nação que, ano após ano, não
consegue lidar com problemas domésticos como tortura, violência policial, prisões
superlotadas e impunidade. Esse é o balanço do capítulo sobre o Brasil do relatório
anual da ONG Observatório de Direitos Humanos (HRW, na sigla em inglês),
divulgado nesta terça-feira, com os avanços e retrocessos em questões ligadas
ao segmento em todo o mundo. No documento deste ano, as críticas ao Brasil –
especialmente no que diz respeito à segurança – são bastante semelhantes às de
2013.
– Além de não ter
melhorado nesses quesitos, problemas como conduta policial e a situação
carcerária foram potencializados por eventos do ano passado, como a ação
violenta da polícia nos protestos, a morte do Amarildo e a matança no Maranhão.
Ficou ainda mais claro o mau preparo da polícia para lidar com multidões.
Durante os protestos, pudemos ver que o padrão de conduta dos policiais não
mudou e, em muitos casos, usaram a força de forma desproporcional contra os
manifestantes – disse a jornalistas Maria Laura Canineu, diretora da ONG para o
país.
A Secretaria de
Direitos Humanos disse que comentaria o relatório da HRW após sua divulgação,
nas próximas horas.
‘Notável exceção’
Para Maria Laura,
houve avanços pontuais na questão da segurança, mas os problemas sistemáticos
não foram resolvidos.
– Não vemos a
punição dos responsáveis. Isso é gravíssimo. Nos protestos, por exemplo,
policiais foram, sim, processados, mas não vemos uma conclusão dos casos –
observa.
Como “notável
exceção”, o documento cita a condenação de 48 policiais pelo homicídio dos
detentos mortos na prisão do Carandiru, ocorrida em São Paulo em 1992. Segundo
o relatório, há outros problemas sistemáticos que persistem, como as condições
desumanas e degradantes em delegacias e prisões.
– O Brasil ainda
tem que fazer muito mais para se consolidar como democracia influente no mundo
– afirmou Maria Laura.
Entre iniciativas
positivas na área, a diretora da ONG cita a implementação da lei estadual em
São Paulo que proíbe policiais de socorrerem vítimas de tiroteios, sendo
obrigados a esperar pelo resgate para transportá-los para o hospital – uma
medida que reduziu em 34% o número de mortes decorrentes de ações policiais.
‘Papel de
liderança’
A diretora também
elogiou “o papel de liderança” do Brasil na luta pelo direito à privacidade,
afirmando na ONU que nenhum governo pode violar a privacidades de governos ou
de indivíduos”. Mas disse que a Human Rigths Watch espera que essa liderança
seja replicada em outras áreas da diplomacia.
– O Brasil falhou,
por exemplo, ao se omitir na votação da ONU sobre a guerra na Síria. Quando o
Brasil fala, como no caso da invasão de privacidade, dá repercussão. Mas quando
o Brasil se omite, isso também causa uma reação, e ela é bastante negativa para
o país no cenário mundial – disse.
Fora da esfera da
segurança pública e da diplomacia brasileira, a ONG também tratou da liberdade
de expressão e acesso à informação no país, lembrando que seis jornalistas
foram mortos no país entre janeiro e novembro de 2013, além de profissionais
feridos ou detidos durante os protestos. O relatório faz um elogio a um avanço
importante na área de direitos trabalhistas, com a aprovação da emenda
constitucional (que ficou conhecida como PEC das domésticas) que garante a
cerca de 6,5 milhões de trabalhadores dessa áreas a receberem direitos como
pagamento de hora extra e aposentadoria.
Atrocidades na
Síria
Neste ano, o
principal foco do Relatório Mundial de Direitos Humanos foi a guerra na Síria e
como as potências mundiais não estão tomando ações suficientes para barrar as
atrocidades e a morte em massa de civis. Segundo o documento, “a estratégia do
governo sírio de travar uma guerra por meio de ataques a civis, bem como o aumento
de abusos por grupos rebeldes, causaram horror em 2013, mas não houve
pressão suficiente por parte de líderes mundiais para cessar as atrocidades e
responsabilizar os criminosos”.
O relatório destaca
que o fato de a Rússia e a China terem impedindo o Conselho de Segurança da ONU
de agir permitiu o assassinato de civis sírios por ambos os lados. A ONG também
cita as divulgações feitas por um ex-espião da NSA (agência de inteligência do
governo norte-americano) Edward Snowden, criticando a vigilância em massa feita
pelo governo dos EUA. Mas ressaltou que a indignação mundial perante esse
“menosprezo ao direito à privacidade” traz uma perspectiva de mudança.
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