A coalizão
conservadora-liberal democrata, que governa o Reino Unido desde 2010,
reivindica plenamente a austeridade como estratégia eleitoral.
Marcelo Justo –
Carta Maior
“Less bread, more
taxes” (“menos pão, mais impostos”). Com esta consigna de uma manifestação
popular dirigida ao ministro de finanças, Lewis Carroll começava sua novela “Sylvia
and Bruno”. O criador de “Alice no País das Maravilhas” não podia imaginar que
um ministro de finanças do século XXI, o conservador George Osborne,
converteria esta consigna em seu cavalo de batalha eleitoral durante a
apresentação do orçamento de 2014.
O Reino Unido funciona como a maioria das democracias modernas. A campanha
eleitoral começa com um ano e meio de antecedência e até se pode dizer que todo
o mandato de um governo é marcado pelas votações que sancionarão o beneplácito
do eleitorado com o governo. A diferença é que a coalizão conservadora-liberal
democrata, que governa o Reino Unido desde 2010, reivindica plenamente a
austeridade como estratégia eleitoral.
As eleições de maio de 2015 vêm sendo disputadas a todo vapor desde setembro do
ano passado. No último round desta luta, nesta quarta-feira, George Osborne
anunciou no Parlamento que o eixo do orçamento para este ano é a redução do
déficit fiscal. “O país ainda está pedindo muito dinheiro emprestado. Esse
orçamento quer construir uma economia duradoura”, indicou. A coalizão, que
anunciou em 2010 cortes de 30 bilhões de dólares anuais durante cinco anos,
planeja seguir cortando o gasto público e quer ser reeleita com base nesta
promessa.
Não resta dúvida que o irônico “less bread, more taxes” de um governo
do século XXI é muito mais complexo do que imaginava Lewis Carrol. Osborne
aumentou 24 vezes os impostos e promoveu a maior queda do nível de vida dos
britânicos desde o pós-guerra, mas é um mestre em dar com uma mão e tomar com a
outra, para concentrar dádivas em determinados setores e regiões (empresários,
sul do país, eleitores conservadores), enquanto maltrata outros setores
(desempregados, jovens, o norte do país, eleitores trabalhistas). O alvo é o
amplo voto flutuante que cresceu muito desde a queda do muro de Berlim e do
chamado “fim das ideologias” e que hoje inclui vastos setores da classe
trabalhadora e a classe média que decide seu voto a partir de uma visão
apolítica apegada ao bolso, à percepção e aos prejuízos.
Osborne vem falando a este setor desde 2010, fazendo uma divisão entre
“preguiçosos” e “trabalhadores”, “aproveitadores de subsídios estatais” e
“honestos”, os capazes de adotar as “decisões difíceis” (conservadores) e os
populistas (oposição trabalhista). Estas poderosas imagens colocam o
trabalhismo como aliados dos que ajudam a desonestos desempregados que vivem de
planos sociais e penalizam a silenciosa maioria que respeita a lei e busca
progredir com o suor do próprio rosto.
Desde o final do ano passado, o ministro tem um apoio essencial a esta
estratégia: depois de três anos e meio de estagnação, a economia voltou a
crescer. Não grande coisa. No último trimestre subiu um por cento, o suficiente
para que Osborne anunciasse no parlamento que a economia cresceria 2,7% em
2014, “a mais alta porcentagem das economias desenvolvidas”, prova de que os
sacrifícios dos anos precedentes estariam rendendo frutos.
Esta fixação ao estoicismo britânico tão fixado na psique coletiva com a
Segunda Guerra Mundial, ao seu ceticismo apolítico e ao seu pragmatismo
econômico tem seu correlato nas pesquisas de opinião. Ainda que a oposição
trabalhista lidere as pesquisas – com uma margem reduzida desde a “recuperação
econômica” -, os britânicos confiam mais na perícia econômica dos conservadores.
É uma estratégia não isenta de riscos. Os cortes atingiram com a força amplos
setores da sociedade e essa joia da coroa que é o estatal Serviço Nacional de
Saúde, cujo diretor que saiu, Sir David Nicholson, advertiu que está à beira do
precipício.
No primeiro parágrafo da novela de Lewis Carrol, o grito inicial da multidão “less
bread, more taxes” começa a se confundir quando alguns indivíduos vão
invertendo acidentalmente a ordem até que já não se sabe se as pessoas estão
pedindo “more bread and less taxes” ou“more taxes and less bread”. A
massa de eleitores é muito grande e muito heterogênea em suas demandas e
percepções. Os conservadores copiaram a estratégia de Obama que, nas últimas
eleições, pediu aos eleitores que lhe dessem um segundo mandato para “terminar
o trabalho” (finish the job) da recuperação. Os trabalhistas buscam concentrar
o olhar na virulenta queda dos níveis de vida.
O caminho até maio de 2015 será longo e cheio de obstáculos. A maioria dos
analistas calcula que ninguém obterá uma maioria e que haverá um novo governo
de coalizão. O enigma político é se será como o atual, conservador-liberal
democrata ou, ao contrário, será trabalhista-liberal democrata. O enigma
econômico e social é se alguma destas duas fórmulas servirá para algo.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Créditos da foto:
Arquivo
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