Vem de encerrar em
Bruxelas a Cimeira UE-África 2014 celebrada entre 2 e 3 de abril, vestida de
solidariedade, de preocupação pola crise na República Centroafricana, de
brindes pola recuperação económica e de chamados à universalização dos direitos
humanos. A realidade, porém, não tem nada a ver, e a trajectória europeia na
África também não convida a pensar de outra maneira.
Mais um tratado de
livre comércio
Convém estabelecer
uma premissa de partida, bem simples, mas bem certa: os interesses da UE na
África não passam por estabelecer relações simétricas. Nunca passaram, e com
este sistema nunca passarão, por mais que as declarações de Herman van Rompuy
queiram oferecer outra visão da realidade.
Para mostra estão
aí as colónias africanas que há só cinquenta anos eram administradas ainda por
Estados europeus, para os quais “administrar” tinha significados
verdadeiramente elásticos, e também as estruturas de controlo que continuaram
vigorando após as independências formais, como a Commonwealth britânica, a União
Francófona ou a Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Mais bem parece que
o crescente jogo geopolítico da China no continente africano, do que já é a
principal prestamista, tenha aguilhoado a deficiente diplomacia da UE e
acordado a cobiça das velhas possessões.
Daí a cimeira ter
um único objetivo real, além do cinismo dos oligopólios: assinar um protocolo
de livre comércio. Livre para a Europa mandar seus produtos e basear a
recuperação de suas empresas nas exportações, e livre para a África abrir as
alfândegas alegremente para o novo maremoto de produtos e de fábricas
deslocadas desde as novas velhas metrópoles para as mais baratas comunidades da
África.
A conservação das
estruturas coloniais e as manobras diplomáticas e militares vocacionadas para
impedir que os países africanos fossem ganhando em soberania e desprendendo-se
precisamente dessas estruturas permitem hoje à UE usufruir as melhores
condições para recuperar o seu controlo económico total sobre o continente
africano e, de passada, deter o avanço imenso da China. Daí outros acordos já
assinados com a África, como o que há apenas dous meses a UE combinava com os
países da África ocidental, por valor de 42.000 milhões de euros/ano.
A UE no cerne da
situação africana
Mas, a diferença do
que costuma acontecer neste tipo de cimeiras, nesta ocasião o protocolo não
impediu que Michel Sata, presidente da Zâmbia, acusasse a UE de estar por trás
das guerras na África e do comércio de fuzis e outras armas de mão que custam milheiros
de euros, mas que terminam em mãos de crianças soldado por todo o continente.
A acusação de Sata
não se ouvia na sofisticada Europa desde que as agências de inteligência se
foram encarregando de matar ou desaparecer sistematicamente os líderes
históricos do pan-africanismo e do anti-colonialismo, de Nkrumah a Sankara, de
de Lumumba a Ben Barka, de Cabral a Gaddafi.
Mas não é só a
venda de armamento, nem dos diamantes de sangue. Porque não há muito éramos
informados dadispersão de tropas francesas pelo Mali e o Azawad, e pouco
antes a UE resultava ser um dos atores principais da invasão da Líbia à procura
do petróleo da Jamairia.
Essa mesma Europa
que agora quer um partenariado de livre comércio, de igual a igual — diz — com
quem durante décadas explorou impunemente e com a lucrativa bençãodo resto do mundo rico.
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