Ficou-nos um país
mais pobre, com mais medo, atarantado com as alternativas
Ana Sá Lopes –
jornal i
Fez ontem três anos
que Teixeira dos Santos chamou a troika através de uma declaração ao
"Jornal de Negócios" depois do chumbo do famoso PEC-IV. Ouvir o
discurso de Pedro Passos Coelho nesse particular momento vale a pena - é um
bocadinho como ouvir os discursos socialistas do PSD em 1976 ou Durão Barroso,
nos tempos do maoísmo, numa reunião geral de alunos.
Faz parte do
conhecimento geral que o PSD se preparava para dar luz verde ao PEC-IV
(independentemente de, no meio da crise que abalava a Europa, ser praticamente
impossível evitar o resgate). Nessa manhã, Miguel Relvas dá uma conferência de
imprensa na sede nacional do PSD onde abre a porta à aprovação do documento.
Para Relvas, "tudo o que seja reforçar" a possibilidade de Portugal
atingir os objectivos orçamentais "é sempre positivo". Depois, Passos
Coelho é avisado de que "ou há eleições no país, ou há eleições do
PSD". A seguir ao aviso, decide chumbar o PEC porque o governo está
"a atacar os alicerces do Estado social" e tem "o despudor de
transferir para os portugueses os custos dos seus sucessivos erros" e
ainda porque volta com "exigências adicionais sobre aqueles que são sempre
sacrificados".
Pouco depois, diria
à imprensa internacional - Reuters e Wall Street Journal precisamente o
contrário. Tinha chumbado o PEC-IV porque as medidas eram "de menos".
A partir daí nasce o Memorando da troika benzido pelo PS, PSD e CDS e
fotografado por Eduardo Catroga, que reclamou como seu boa parte do articulado.
Depois, desencadeia-se o mecanismo da produção de culpa, inspirado pelos
deputados de direita alemães e de outros países do Norte. É a fase do
"vivemos acima das nossas possibilidades", um mantra que se
transforma num sucesso. É repetido à exaustão por boa parte da opinião pública,
incluindo muitos dos afectados pelas medidas, e consegue manter o governo de
Passos num misterioso estado de graça nos primeiros tempos. É fácil engendrar a
culpa nos portugueses - Salazar não fez outra coisa em 40 e tal anos, com um
incrível sucesso em termos de durabilidade. Absorvida a "culpa" e os
cortes - hoje festeja-se que os cortes sejam definitivos e não vão ainda mais
além - ficou-nos um país muito mais pobre, com ainda mais medo de tudo, atarantado
com as possíveis alternativas e debaixo de uma ditadura de instituições
europeias não eleitas. Para comemorar os 40 anos do 25 de Abril, é o pior dos
retratos.
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