Expresso
das Ilhas, editorial
O
Primeiro-Ministro, Dr. José Maria Neves, anunciou em artigo de jornal na semana
passada que nos próximos tempos “vai haver uma recomposição populacional e da
sociedade cabo-verdiana” em consequência da “forte imigração para Cabo Verde”.
Prevê ainda que eventualmente em 2030 “metade da população residente será
população imigrante”. Não explica o como e o porquê dessa evolução e se será de
geração espontânea ou se resultará de políticas activas de atracção de
imigrantes.
Muito
menos se fica a saber qual a origem e a motivação previsíveis dos imigrantes a
procurar as ilhas. Se será mão-de-obra a responder a um crescimento rápido em
sectores como construção civil e indústrias de exportação. Se irá tratar-se de
técnicos em várias áreas a dar corpo a clusters especializados como as TIC e
Praça Financeira. Ou se serão reformados à procura de tranquilidade nos
trópicos ou de investidores a sentar arraiais nas ilhas.
Em
geral, os países cuidam para não se transformarem em destinos passivos de
imigração espontânea. Desenvolvem políticas específicas de imigração que se
ajustam às suas necessidades. Podem precisar de mão-de-obra barata em momentos
de rápido crescimento como aconteceu na Europa nos anos sessenta. Nas actuais
economias maduras impulsionadas pela inovação, como é o caso dos Estados
Unidos, o objectivo é atrair imigrantes extremamente qualificados para sítios
como Silicon Valley. Noutros países com população relativamente pequena como
Canadá e Austrália ou onde a população está decrescer e a envelhecer, a exemplo
do Japão, incentiva-se a imigração mas sempre de forma controlada e com
requisitos muito claros em termos de perfil e formação dos candidatos. Estranha
pois a aparente passividade das autoridades cabo-verdianas em relação a fluxos
migratórios em direcção às ilhas e a ausência de políticas em dar-lhes forma e
propósito e em os adequar às características de um país
arquipélago.
Justificam
as dificuldades em traçar políticas e estratégias em matéria de imigração com o
acordo que garante mobilidade de pessoas e bens no espaço da CEDEAO. De facto,
contrariamente ao que se passou com outros projectos de integração económica,
designadamente da União Europeia, em que a questão da mobilidade de pessoas
colocou-se depois de se ter construído o mercado comum e a comunidade europeia,
na CEDEAO veio em primeiro lugar, criando problemas vários. Países grandes,
populosos e continentais, nomeadamente Senegal, Gana e Costa de Marfim tiveram
que fazer ajustes fortes para minimamente lidar com a situação criada. Devia
ser óbvio que num país arquipélago e de população exígua como Cabo Verde os
potenciais problemas que poderiam surgir da mobilidade livre num espaço global
de 300 milhões de pessoas seriam sempre maiores.
O
facto de Cabo Verde não se ter acautelado com políticas de imigração claras
dever-se -á provavelmente ao hábito conhecido de, nestas matérias, o país
argumentar contra si próprio. Como tem emigrantes noutros países, sente-se
obrigado a receber. Esquece a diferença abismal entre o seu número de
habitantes e os dos países hóspedes da sua diáspora. Absorver milhares numa
população de muitos milhões não é a mesma coisa que os receber no seio de uma
população pequena e dispersa pelas ilhas. A dispersão agrava ainda mais o efeito
da presença de estrangeiros ficando a população autóctone extremamente
vulnerável em vários aspectos, designadamente na sua capacidade de conservar as
suas especificidades culturais.
Países
insulares como as Maurícias, as Seychelles sempre dedicaram especial atenção às
suas políticas de imigração. Deram prazos maiores de estadia e de casamento e
estabeleceram requisitos especiais seja para cartão de residência, seja para
aquisição de cidadania. Fizeram o mesmo para as exigências em montante de
investimento que poderia ser acompanhado do benefício de cidadania ou de
compra de residência que se traduzisse no mesmo. Esses dois países africanos
insulares até conseguiram melhorar o pacote a potenciais imigrantes com a
oferta da possibilidade de circulação na União Europeia. Em 2009 assinaram um
acordo com a EU que permite que os seus nacionais viajem para os respectivos
espaços sem visto e tenham estadias no máximo de três meses. Tudo é feito numa
perspectiva de atrair investimento para esses países, de melhorar a qualidade
da mão-de-obra nacional com integração de quadros altamente preparados e até de
fazer dinamizar a economia local com a fixação de reformados abastados de
outros países.
O
desafio que se coloca neste momento a Cabo Verde é saber que política de
imigração deve ter na actual conjuntura caracterizada pelo crescimento anémico,
pelo elevado desemprego, pela dívida pública pesada e pela quebra na ajuda
externa. E também questionar que papel terão eventuais imigrantes numa
estratégia de desenvolvimento para os próximos anos. Facto é que que não se
pode continuar com posturas omissas ou de semi-passividade quanto a pressões
migratórias vindas de fora. Insistir nessa direcção significa que os ganhos
serão poucos mas os custos poderão ser muitos pesados, em particular sobre os
vários serviços sociais. Há que agir de forma consequente e não se quedar
simplesmente por previsões, no mínimo preocupantes, de se ter metade da
população imigrante nestas ilhas no horizonte de 2030.
Sem comentários:
Enviar um comentário