sábado, 3 de janeiro de 2015

Portugal: O EPITÁFIO DE UM CAVACO SEM OUVINTES



Isabel Moreira – Expresso, opinião

Nada mais consentâneo com o ano novo do que um discurso fúnebre. Cavaco quer uma democracia "clara e mais esclarecedora". "Transparente", como ele.

Cavaco recusa o populismo, faz pedagogia através da "força do exemplo", como o dele, que preferiu a reforma ao salário de presidente.

Diz que há que ser cuidadoso com as promessas feitas. Rejeita facilidades. Recorda a disciplina orçamental. Não quer regredir a 2011 - imagina-se que está feliz com 2014 - e, sem demagogia, incita "o combate à corrupção".

Recorda coisas ótimas como a "diminuição do desemprego", existente na cabeça dele e, mais importante, quer "consenso". Interpela os agentes políticos a construírem apenas soluções estáveis.

Eis um democrata.

O homem que governou em minoria e com duas maiorias absolutas; o homem que foi presidente com um governo minoritário relativamente ao qual fomentou a instabilidade política rasca, com episódios inesquecíveis como a inventona de belém; e o homem que foi presidente de um governo maioritário pós-eleitoral, que apadrinhou, mesmo contra a Constituição.

A grande novidade de mais um discurso neutro foi precisamente apelar a um compromisso custe o que custar.

Pergunta-se então: por que raio, estão, não convocou eleições antecipadas? Porque Cavaco não é autêntico, nunca foi.

Cavaco está no seu último discurso em plenitude de funções. E com a fraqueza da sua legitimidade esmaga a vontade popular e atreve-se a indicar coligações pré-eleitorais ou pós-eleitorais.

O povo é que decide quem governa, coisa difícil de explicar a um Cavaco que acha por bem explicar como deve ser o próximo governo.

Cavaco, felizmente, não se substitui ao povo. Menos ainda quando depois das eleições terá a sua legitimidade formal e substancial restringida.

E não venha Cavaco rejeitar a discussão acerca das eleições antecipadas. Foi ele que introduziu o tema, e estamos recordados disso.

E o que é o consenso? Havendo um Partido com maioria absoluta que consenso quer Cavaco?

Havendo um Governo de minoria, qual é exatamente o drama?

Cavaco, no seu discurso, espelha a falta da sua própria exemplaridade.

Eu recordo-me de um prefácio de Cavaco em que os constrangimentos não eram suficientes para nos travar.

Aqui, Cavaco apresenta-se derrotado, um homem a dar um conselho: resignem-se.

Eis o PR com menos popularidade da nossa história.

Não o seguiremos.

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