Depois
de 96 dias detidos sem qualquer despacho de acusação, as detenções tornaram-se
ilegais. Em protesto, oito activistas iniciaram uma greve de fome.
Dia
20 de Junho de 2015, uma acusação de tentativa de golpe de Estado emitida pela
Procuradoria Geral da República (PGR) levou à detenção de quinze activistas.
Noventa dias de prisão preventiva é o prazo máximo estipulado pela Lei. Hoje,
dia 24 de Setembro, chega o 96º dia de isolamento em quinze celas individuais
de cinco unidades prisionais distribuídas pela província de Luanda. Uma hora de
sol diária e três entregas semanais de comida. Ainda não foi apresentado
qualquer despacho de acusação. Iniciaram-se oito greves de fome.
Alguns
deles associados ao designado Movimento Revolucionário, os 15 detidos alegam
que se encontravam regularmente para discutir intervenção política e cívica,
por vezes em acções de formação, como a que decorria na altura de parte das
detenções: uma conversa sobre o livro “Da Ditadura à Democracia”, de Gene
Sharp. Outros estavam em casa. Foram detidos pela Direcção Nacional de
Investigação Criminal (DNIC) e pela Polícia Nacional, que apreendeu também o
material electrónico, computadores, material fotográfico, agendas, revistas,
documentos e cartões de crédito da residência de cada um.
Os
detidos: Henrique Luaty Beirão, Manuel Nito Alves, Afonso Matias
“Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessia Chiconda “Samussuku”, Inocêncio
António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo-Bingo,
Fernando António Tomás “Nicola”, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante
Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Domingos José da Cruz e
Osvaldo Caholo. Os activistas foram distribuídos por estabelecimentos
prisionais na Comarca de Luanda (um), São Paulo (quatro), Hospital Psiquiátrico
(um), Calomboloca (seis) e Kakila (três).
No
dia 7 de Agosto, o vice-procurador-geral da República, o general Hélder Pita
Grós, prestou
declarações afirmando que o processo se encontrava em fase final de
investigação, e que a mesma deveria ficar concluída “em poucos dias”.
Cerca
de três semanas depois, a 31 de Agosto, Laurinda Gouveia e Rosa Conde, também
elas activistas, foram constituídas arguidas não-detidas, respondendo pelo
mesmo processo.
O Rede
Angola falou com familiares dos detidos, com um representante dos Serviços
Prisionais, com um dos representantes da defesa e com algumas associações. Para
os telefonemas e pedidos de esclarecimentos e entrevista remetidos à PGR nunca
houve resposta. Não existe qualquer informação sobre o processo, já que o mesmo
se encontra em segredo de justiça. Mas apesar de sigilo característico a este
tipo de processos, um prazo legal foi ultrapassado, e o que poderá isso
significar? Como estão os presos políticos e o que pode garantir a Justiça?
Greve
de Fome
Desde
segunda-feira, dia 21, os reclusos Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Sedrick de
Carvalho e Inocêncio de Brito (Calomboloca) e Hitler Jessia Chiconda
“Samussuku” Arante Kivuvu Lopes, Afonso Matias “Mbanza-Hamza” e Benedito
Jeremias (São Paulo) pediram aos familiares para não voltarem a levar-lhes
refeições, apenas soro. A alimentação dos detidos tem vindo a ser garantida
pelos seus familiares porque os mesmos se recusam a comer o que é servido nas
unidades penitenciárias por receio de conter substâncias que possam afectar a
sua saúde.
Fontes
médicas próximas ao Rede Angola disseram que, depois de 96 dias
detidos e isolados, com apenas uma hora de sol diária, uma greve de fome pode
ter consequências extremamente graves.
Os
familiares referiram que alguns deles já se encontram muito debilitados,
apresentando algumas dificuldades em se expressar.
O
que muda ao fim de 90 dias?
Os
15 activistas são representados por um grupo de advogados do escritório Luís
Nascimento e Associados, do qual o advogado Walter Tondela tem sido o principal
representante.
Após
o Tribunal Supremo considerar improcedente, no dia 16 de Setembro, o pedido de habeas
corpus entregue a 22 de Julho pela defesa dos activistas, Walter Tondela
explica que enviou um requerimento à Procuradoria a solicitar a libertação
destes jovens, alegando “excesso de prisão preventiva”, além de outro ao
Tribunal Constitucional.
“A
Constituição defende a presunção da inocência, por isso pedimos ao Tribunal
Constitucional que concedesse o direito à liberdade provisória. Nesta fase já
estamos no excesso de prisão preventiva, e quando há excesso, a Lei 18-A/92,
que regula a prisão preventiva, determina que os arguidos devem ser colocados
em liberdade mediante pagamento de uma caução ou termo de identidade e
residência”, explica.
O
Capítulo V da Lei Nº18 -A/92 faz referência aos prazos iniciais da prisão
preventiva da seguinte forma:
(…)
CAPÍTULO
V
Dos Prazos de Prisão Preventiva
Artigo 25º
(Dos Prazos iniciais)
1.
Desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou até ao
pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público, os prazos de prisão
preventiva não podem exceder:
pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público, os prazos de prisão
preventiva não podem exceder:
a)
trinta dias por crimes dolosos a que caibam penas de prisão até 2 anos;
b) quarenta e cinco dias por crimes a que caibam penas de prisão maior;
c) noventa dias por crimes contra a segurança do Estado.
b) quarenta e cinco dias por crimes a que caibam penas de prisão maior;
c) noventa dias por crimes contra a segurança do Estado.
2. Para
efeitos de cumprimento do disposto no número anterior, o processo
será concluso ao Ministério Público quatro dias antes de terminar o prazo previsto
na alínea a), e seis dias, quanto ao prazo previsto nas alíneas b) e c).
será concluso ao Ministério Público quatro dias antes de terminar o prazo previsto
na alínea a), e seis dias, quanto ao prazo previsto nas alíneas b) e c).
(…)
(As
alterações recentes à Lei – vide Lei
sobre Medidas Cautelares no Processo Penal – não são consideradas para
processos em andamento antes da aprovação da mesma. Este caso é regido pela Lei
Nº18-A/92).
O
advogado esclarece ainda que a PGR poderia ter prolongado para 135 dias o prazo
da prisão preventiva (os noventa dias iniciais aos quais se acrescentaria uma
prorrogação de 45 dias – prevista na Lei “se for inadmissível a liberdade
provisória”), mas que para isso teria que ter notificado a defesa, o que acabou
por não acontecer. Assim, nos termos da Lei e com a informação disponível sobre
o processo, a prisão é considerada ilegal.
“No
caso de uma prorrogação, nós tínhamos que ser notificados seis dias antes dos
noventa dias da prisão preventiva terminarem, mas não fomos. Já passou assim o
prazo para o pedido de prorrogação. As detenções já eram ilícitas porque não
foram apresentadas provas, mas agora são ilegais a todos os títulos”.
Tondela
adianta que neste momento está à espera de uma resposta aos requerimentos acima
mencionados, mas o procurador que dirige a instrução do processo “terá
viajado”.
“Temos
que ver quem está a deferir para instruir o processo. Do ponto de vista legal a
única resposta é a liberdade provisória, mas de acordo com o que temos visto
neste processo, nada está a ser cumprido e tudo é possível”.
A
confirmação da greve de fome chega também através do advogado, que se posiciona
contra a decisão dos activistas, embora apresente o seu respeito.
“Eles
até estão em greve de fome, o que é muito preocupante. Não concordo com isso,
mas é o caminho que eles escolheram porque estão já desanimados. Ontem falei
com eles e o estado deles inspira cuidados, mesmo os que estão na
prisão-enfermaria”, alertou o advogado.
O
caso tem sido fortemente condenado pela comunidade e organizações
internacionais, que classificam estes jovens como presos políticos. Em
declarações ao RA, o director da Open Society Angola, Elias Isaac, cuja
organização tem “por vocação a promoção e protecção dos direitos humanos no
país”, disse que parte dos custos com a defesa dos activistas tem sido
financiada pela ONG que dirige, sem acrescentar mais detalhes.
Tondela
diz que para custear as despesas da defesa, “os familiares se uniram e, de
certa forma, fizeram alguma contribuição”, reforçando no entanto que o
objectivo é a prática da justiça e ainda não foram acertadas outras situações,
sem adiantar qualquer pormenor, ou confirmar, o apoio da Open Society.
A
resposta dos Serviços Prisionais
O Rede
Angola conversou com o porta-voz dos Serviços Prisionais, Menezes Kassoma,
que disse ter sido divulgado, sobretudo nas redes sociais, que o estado de
saúde de Arante Kivuvu Lopes, Albano Evaristo e Domingos da Cruz eram graves,
mas segundo o responsável houve um pouco de “exagero” na divulgação das
informações.
“Os
rumores nas redes sociais que indicavam que eles não estavam bem foram um pouco
exagerados. Os Serviços Prisionais tiveram contacto directo com aqueles que se
diziam doentes. O Arante e o Albano foram levados ao hospital-prisão de São
Paulo e estão lá a ser assistidos. No que toca à saúde física e mental dos
outros detidos, estamos a fazer o que é possível”, afirma.
Menezes
Kassoma garantiu que Arante Kivuvu Lopes e Albano Evaristo estão a ser
“devidamente tratados” e o mesmo só não está a ocorrer com Domingos da Cruz,
outro activista que se queixou de mal-estar, porque, segundo o porta-voz,
recusou-se a fornecer informações do seu estado aos serviços prisionais.
“Eram
três que se queixavam de dores e dois foram transferidos. Ao Arante serão
feitos muitos exames, que depois serão apresentados à família, de modo que não
haja esse ‘dito pelo não dito’. O terceiro foi o Domingos da Cruz, que se
escusou a falar daquilo que lhe afligia. Não tínhamos como agir porque ele
decidiu não se pronunciar sobre o que sentia”, declarou.
A
recusa foi confirmada pela esposa de Domingos da Cruz, Esperança Gonga, que
afirma que os serviços prisionais se dirigiram ao seu marido com câmaras e
microfones.
“Então
alguém que quer saber como o detido se sente vai lá com câmaras e microfones
para quê? Se sabe que alguém está doente pega no material de primeiros-socorros
e, se for o caso de encaminhar para um hospital, que se encaminhe. Não foi isso
que fizeram. Ele não quer que explorem a sua imagem, ele quer ser solto”,
afirmou Esperança.
Segundo
Menezes Kassoma, o objectivo dos Serviços Prisionais é primar por um “sistema
cada vez mais humanizado, com rigor e disciplina”, e no que diz respeito aos
jovens, a organização tem-se comprometido em fornecer-lhes o “necessário”.
“Cada
um tem direito a um alojamento, a cela de habitação, tendo em conta as regras
de tratamento estabelecidas pela ONU. Eles recebem visitas apenas de
familiares, até porque rezam as normas que as pessoas que podem visitá-los
devem ter um grau de parentesco , é necessário saber quem os visita e qual
influência podem ter”, expôs.
O
Executivo
A
propósito deste caso, o presidente da República, José Eduardo dos Santos,
afirmou em Julho que “não se deve permitir” que o povo “seja submetido a mais
uma situação dramática como a que viveu em 27 de Maio de 1977”, aludindo à
morte de milhares de pessoas numa alegada tentativa de golpe de Estado.
“Quem
quer alcançar o cargo de Presidente da República e formar Governo, que crie, se
não tiver, o seu partido político, nos termos da Constituição e da Lei, e se
candidate às eleições. Quem escolhe a via da força para tomar o poder ou usa
meios para tal anti-constitucionais não é democrata. É tirano ou ditador”,
acusou José Eduardo dos Santos.
O
que pensam os familiares
“Essa
viagem é de quase 200 quilómetros. Quem vai, perde o dia todo. No que diz
respeito às condições, eles estão fechados numa solitária com apenas uma hora
por dia de banho de sol, o que é completamente impensável. O processo não tem
sido fácil”. - Pedro
Beirão, irmão de Luaty Beirão (Calomboloca)
Neste
momento estamos desgastados. Havia uma esperança de que eles saíssem depois dos
90 dias. Já se passou o prazo, não estão a dizer-nos nada. A minha mãe está
desesperada, o meu irmão lá detido está deprimido, está mesmo mal. Então, agora
está a fazer essa greve de fome para ver se reagem porque estão mesmo
desgastados. Até porque estão lá injustamente. Se tivessem alguma culpa, as
pessoas estariam conformadas, mas não estão porque são inocentes. - Marcelina
de Brito, irmã de Inocêncio de Brito (Calomboloca)
Já
estamos insatisfeitos, a nossa paciência já chegou ao limite. Queremos a
liberdade dos nossos filhos, nossos irmãos. Esse governo não apresentou razões
para os deterem até ao momento. Estamos à espera que nos digam alguma coisa. O
meu irmão aparenta estar normal, mas emocionalmente, interiormente, está
desgastado. Nós como familiares também estamos nessa linha de desgaste, não tem
sido fácil. Só queremos liberdade já e agora. - Gertrudes
Piedade Dala, irmã do Álvaro Dala (Kakila)
Todos
os dias acordamos sem forças porque até agora não entendemos porque eles
continuam detidos. No princípio, disseram que era em flagrante delito, mas se
fosse isso já era para terem uma acusação feita e serem julgados, mas até agora
não dizem nada. Ele tem dois filhos e as crianças estão desestabilizadas. A
menina teve que parar de estudar porque ele é o homem da casa. Estamos com as
mãos atadas, e às vezes é muito difícil para ter a comida do dia. - Henriqueta
Diogo, esposa do Benedito Jeremias (São Paulo)
Sabemos
que eles não cometeram nenhum erro. Foram acusados de golpe de Estado sem
nenhuma prova. A saúde dele está mais ou menos só. Ele tem uma inflamação no
umbigo e será realizada uma consulta para avaliar o quadro. Estamos à espera
que possam fazer os exames e a medicação. Pedimos que eles se arrependam e
soltem os nossos irmãos. - Lídia
Lopes, irmã do Arante Kivuvu (São Paulo)
Ele
é que trabalhava, pagava a minha escola e a escola dele. A nossa casa é
alugada. Praticamente vivemos de doações, esmolas. Ele está debilitado, tanto
psicológica como fisicamente. Gasto cerca de oito horas para ir e voltar. O que
mais quero é a liberdade imediata dele. - Neusa
de Carvalho, esposa do Sedrick de Carvalho (Calomboloca)
Já
foi excedido o tempo da prisão preventiva e ainda assim as instâncias
superiores não se pronunciaram, nem sequer se dignaram a chegar a público para
reconhecer que prenderam pessoas e que elas devem ter assegurados os seus
direitos mais fundamentais. Até agora eles estão lá descontentes e decidiram
manifestar o seu descontentamento de uma forma mais radical, com a greve de
fome. - Esperança
Gonga, esposa do Domingos da Cruz (Calomboloca)
Ninguém
ficaria satisfeito se tivesse o seu parente detido por mais de 90 dias sem uma
causa, sem nenhuma culpa e sem que o processo pelo menos seja julgado.
Sentimo-nos abalados física, financeira e espiritualmente. É assim que queremos
construir a nossa sociedade? Aqueles que vêm falando, estudando livros, merecem
então um tal castigo de estarem na cadeia e serem acusados de tentativa de
golpe de Estado? Então que se fechem as universidades, que os intelectuais
sejam apenas eles que governam e que tenham a terra como herança perpétua de
Angola porque nós já não somos os donos da terra. Não pedimos para nascer aqui,
mas nascemos e enquanto formos desta terra dêem-nos a liberdade de circular e
falar. - Matias,
irmão do Afonso Matias “Mbanza-Hamza” (São Paulo)
Queria
pedir ao governo que está a dirigir o destino desse mesmo povo que lhe votou,
que tenha o verdadeiro sentido de Estado que o povo lhe confiou e tenha mais
honestidade em relação a tudo o que é relacionado com esse povo que lhe colocou
no poder. - Gedeão
dos Santos, pai do Hitler Jessy Chivonde (São Paulo)
Encontro-me
muito triste por os nossos filhos estarem detidos. A acusação que lhes foi
feita de atentado à segurança de Estado é muito forte. São jovens, nunca foram
militares. Simplesmente estavam a ler um livro; o livro não é uma arma de
combate. O SINSE precipitou-se muito quando disse isso. Tinha que haver provas,
não houve. Penso que foi uma injustiça. - Fernando
Baptista, pai do Manuel Nito Alves (Calomboloca)
Rede
Angola – com fotos no original
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