Ana
Sá Lopes – jornal i, opinião
Pela
primeira vez em 40 anos, a esquerda tomou uns comprimidos de pragmatismo que
sempre tinha rejeitado em nome de uma fé cega na pureza ideológica. Para o
Bloco e o PCP, até há pouco tempo, o PS era de “direita”. O PS, por seu turno,
também se sentiu sempre mais à vontade a negociar com aquela espécie de “gémeo
diferente” que sempre foi o PSD. Ontem, tudo isto acabou: evidentemente que se
os últimos quatro anos não tivessem sido tão duros, dificilmente o milagre do
entendimento à esquerda se produziria. Mas é um facto que quase ninguém
acreditou, até ao fim, que o acordo fosse assinado. Em tese, porque o que nunca
aconteceu não pode acontecer e romper uma barreira de 40 anos parece uma missão
impossível. Não foi. PS, Bloco, PCP e Verdes deram ontem um passo de gigante
sobre o que podem significar, a partir de hoje, governações à esquerda.
Agora,
chegou o tempo de Cavaco Silva. Em 1999, o agora Presidente da República apoiou
a moção de rejeição ao programa do governo Guterres – que tinha ganho pela
segunda vez as eleições sem maioria absoluta – apresentada pelo então líder do
PSD, Durão Barroso. Em 1999, Barroso considerava “democraticamente inaceitável”
o facto de Guterres “transferir para a oposição a responsabilidade pela sua
manutenção”. Cavaco aplaudiu. E perante um PSD dividido sobre a questão
(Marques Mendes e Pedro Pinto estiveram contra), Cavaco defendeu que Durão
Barroso tomou a “decisão certa” e atacou os críticos: “Quem no PSD não entende
que é assim que o partido pode regressar às vitórias, das duas uma: ou tem
pouca visão de futuro ou já absorveu a linguagem de pretensa responsabilidade
que o PS quer impor à oposição.”
Mas
tudo isto se passou em 1999. Em 2015, Cavaco irá resistir até ao fim a dar
posse a um governo saído de uma moção de rejeição. Será uma dor de coração para
Cavaco terminar a carreira política a empossar um governo com o apoio do PCP.
Os próximos tempos são de suspense.
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