Adelino
Cardoso Cassandra – Téla Nón, opinião
O
MLSTP/PSD acabou de escolher o seu novo líder decorrente de um processo
eleitoral intrigante. Não é normal um ato eleitoral, tido como um sinal de
abertura do partido à sociedade, através de eleições diretas, transformar-se
num processo com efeitos exatamente contrários aos pretendidos. É exatamente
isto que o MLSTP/PSD conseguiu fazer, com este ato eleitoral para a presidência
do referido partido.
O
protocandidato Osvaldo Abreu desistiu da sua candidatura argumentando num longo
texto, direta ou indiretamente, que o enquistamento político, organizativo e
processual do partido em causa, autoflagelador e antidemocrático, impediu ou
limitou as possibilidades de apresentação da sua candidatura ao cargo de
presidente do referido partido.
A
candidata Elsa Pinto, desistiu da sua candidatura argumentando, entre outras
coisas, que o referido processo eleitoral era tudo menos transparente,
democrático, sério e livre. Tivemos, por isso, um ato eleitoral que indiciava,
inicialmente, a abertura do partido à sociedade mas que acabou com um único
candidato como, aliás, acontece em partidos com tiques totalitários.
Quando
tomei conhecimento, através de registos e fontes informativas diversas, sobre
as peripécias e factos relacionados com todo o processo eleitoral que levou o
senhor Aurélio Martins ao cargo do presidente do MLSTP/PSD lembrei-me de um
episódio que aconteceu na minha adolescência em S.Tomé.
Eu
tinha na altura, provavelmente, 13 ou 14 anos de idade. Estudava no liceu
nacional e vivia na Quinta de Santo António, juntamente com uma grande
quantidade de outros estudantes da ilha do Príncipe e de Angolares, zona Sul de
S.Tomé.
No
liceu, nas aulas de Língua Portuguesa, estávamos naquele contexto temporal
concreto, a estudar as estruturas de um texto narrativo, o papel das
personagens e, sobretudo, a caracterização das personagens através dos seus
retratos físico e psicológico. Já vão ficar a saber, a razão da referência a
este facto, mais abaixo.
Por
coincidência, naquele mesmo contexto temporal, o MLSTP, sem o PSD, realizava
uma autêntica reunião nacional, por todos os bairros, vilas e cidades do país,
num processo que designaram, se não me engano, por “Processo de Ratificação” e
que tinha como propósito a escolha de membros de todas as circunscrições, então
criadas no país, para representação do referido partido. Exigia-se, entretanto,
que as referidas pessoas, identificadas em primeiro lugar e posteriormente
escolhidas nestas autênticas assembleias gerais, fossem idóneas, responsáveis,
trabalhadoras e autênticos exemplos moral, cívico e político de representação
partidária nos respetivos bairros, vilas e cidades, de todo o país, num
processo de responsabilidade vertical de militância que garantisse a expressão
e manifestação de um verdadeiro centralismo democrático sob princípios de
uniformidade disciplinar, programática e organizacional.
Uma
destas Assembleias foi realizada num terraço, perto de Água Arroz e da Quinta
de Santo António, de que já não me recordo o nome, dirigido por um alto membro
do referido partido, que também já não me recordo do nome, mas, que sei,
desapareceu de cena política nas últimas duas décadas.
Por
indicação partidária superior, a mobilização para a referida Assembleia, em
todos os locais, foi total e precedida de invocação radiofónica, em forma de
convocação ou apelos musicais repetitivos para a grandeza do momento. Era
proibido faltar, com todas as consequências que isto poderia acarretar do ponto
de vista pessoal ou mesmo familiar. Por isso mesmo, o Diretor do Lar de
Estudantes obrigou-nos a participar na referida Assembleia.
Com
o terraço completamente cheio, as pessoas, sob coordenação deste autêntico guru
partidário, eram aconselhadas a se oferecem para a tarefa em causa, expondo-se,
de forma isolada, num palco improvisado, às críticas e elogios da plateia, num
autêntico processo penoso de tiro ao alvo, para no final da Assembleia ficarem
a saber, sob patrocínio político popular da audiência, se estavam habilitadas
para a tarefa de representação do partido no referido bairro ou circunscrição.
Foi
neste contexto que um grande amigo e familiar meu, infelizmente já falecido,
Maurício Gumba, (alcunha carinhosa como era conhecido entre nós) levantou a mão
e, de forma humilde, pertinente e, até, inocente, questionou de forma educada
ao guru partidário da referida Assembleia, de que forma poderíamos contribuir,
individual e coletivamente, para o recrutamento de representantes partidário da
respetiva zona se, de acordo com o modelo de organização adotado, não
conhecíamos as “características psicológicas” das pessoas que se predispunham,
voluntariamente, para o eventual exercício da referida causa, em Assembleia que
se realizava naquele momento, de acordo, aliás, com as exigências políticas,
morais e cívicas referenciadas.
Creio
que, na altura, ele utilizou exatamente a expressão “características
psicológicas” tendo em conta os conteúdos programáticos relacionados com a
disciplina de Língua Portuguesa que, entretanto, nos era lecionado naquele
contexto temporal concreto no liceu nacional, de que fiz referência
anteriormente.
Para
espanto meu e dos meus colegas, o guru do partido em causa, estrebuchou-se na
cadeira, cerrou os dentes e, em tom ameaçador, desancou no meu amigo e em todos
nós que fazíamos parte do grupo de supostos marginais, segundo as suas próprias
palavras, referindo-se, posteriormente, em tom apaziguador para a referida
Assembleia, que nós não sabíamos nada que estávamos a dizer, pois, para se
conhecer as “características psicológicas” das pessoas eram necessários
aparelhos sofisticados e outros meios de que o país, naquele momento, não tinha
possibilidades para comprar.
Com
13 ou 14 anos de idade, achei incrédulo tudo aquilo, duvidei, por instantes,
daquilo que me ensinavam na Escola e até hoje, tenho dúvidas se aquele gesto
refletia a manifestação de pura ignorância ou era um expediente político
desprezável para afirmação de autoridade perante uma Assembleia partidária e
hostilização pública de miúdos ingénuos que foram obrigados a participar na
mesma juntando-se-lhe um ato político deliberado de dividir para reinar. Este
episódio marcou-me, ao ponto de nunca mais ter-me esquecido dele, já lá vão
algumas décadas.
Infelizmente,
depois de ter lido a longa dissertação do militante do MLSTP/PSD, Osvaldo
Abreu, depois deste ter desistido de participar no referido ato eleitoral e
ter, posteriormente, ouvido a declaração da militante do referido partido,
Elsa
Pinto, discordando, ambos os protagonistas políticos, de toda a organização
política e metodológica, vícios, fraudes e banho associado ao processo em
causa, tive a sensação de que estávamos, neste momento, em presença de um
regresso ao passado do MLSTP/PSD, com todas as consequências que isto pode
acarretar ao referido partido. E isto ficou claro para mim porque, a própria
Comissão Política do referido partido, ao caucionar o processo de realização do
referido ato eleitoral, sem qualquer processo de averiguação profunda de
irregularidades, reservas e acusações públicas proferidas por estes dois
distintos militantes do referido partido, estava a contribuir para a
legitimação deste regresso ao passado.
De
facto, as declarações de Elsa Pinto e do Osvaldo Abreu, relacionadas com o
recente ato eleitoral para a presidência do referido partido refletem, de forma
impiedosa, tudo o que de mau eu presenciei naquela Assembleia partidária quando
tinha os meus 13 ou 14 anos de idade, indiciando, de forma clara, um regresso
do MLSTP/PSD ao facciosismo exacerbado, dissimulação, humilhação,
autoritarismo, manipulação e divisão para reinar não falando, pois, em fraudes
e banho.
Como
é que o atual MLSTP, agora sem o PSD, sob a liderança de Aurélio Martins, pode
criticar o ADI, a partir de agora, por questões relacionadas com o banho e
fraude eleitoral, se destacados militantes do referido partido, criticaram a
atual liderança, por práticas de vícios semelhantes ou piores, num contexto
eleitoral interno, tendo como resposta a banalização de tais críticas por parte
da própria Comissão Política do referido partido?
Não
creio que nada de bom deva acontecer a este MLSTP nos próximos tempos, após a
assunção deste regresso ao passado. O partido empobreceu programaticamente,
reativou práticas e ações anacrónicas, típicas de um modelo de organização
consagrado aos princípios de centralismo democrático que humilha, persegue e
marginaliza aqueles que têm opiniões diferentes no seu seio e, ainda por cima,
a liderança atual revela tiques denunciadores de uma conduta que já vi noutras
paragens e não creio que no MLSTP/PSD faça algum sentido.
Aurélio
Martins manifesta alguns tiques de intervenção política, discursiva e até
metodológica, muito parecidos com a conduta de Patrice Trovoada. Creio mesmo,
que são duas personagens muito parecidas, politicamente falando.
Tratando-se
de algum mimetismo para colher os mesmo dividendos políticos que o Patrice
Trovoada, aparentemente, colheu nos últimos tempos, presumo que a ousadia terá contornos
de uma autêntica desgraça política para o Aurélio Martins e para o próprio
MLSTP/PSD.
Em
primeiro lugar, porque a cópia é sempre pior do que o original, o Aurélio
Martins, com condições políticas diferentes, no MLSTP/PSD, fará sempre pior que
o Patrice Trovoada no ADI. E não acredito que ele tenha condições, políticas ou
pessoais, para moldar o partido em causa à sua imagem e ambições pessoais no
silêncio dos seus mais ativos militantes.
Em
segundo lugar, o MLSTP/PSD não é o ADI, nem de longe nem de perto. Se no ADI,
Patrice Trovoada pode dar-se ao luxo de fazer o que faz, expondo o partido ao
ridículo de quase ser confundido com a sua propriedade privada, sem qualquer
clima, por pequeno que seja, de confrontação política, Aurélio Martins encontrará
sempre resistência no MLSTP/PSD quando tentar dirigir o partido rumo a este
paternalismo autofágico.
Também
devo reconhecer que a personalização em excesso decorre, quase sempre, do
colapso da estrutura organizativa de um partido quando lhe falta um conteúdo
coletivo. E o MLSTP/PSD já manifesta este sintoma de colapso organizativo há
algum tempo. Basta ver o espetáculo degradante, sem qualquer brilho
programático, reflexão interna e debate de ideias que se transformou este seu
último congresso.
Quem
deve estar a rir desalmadamente é o Patrice Trovoada porque, nesta situação,
ele terá todas as condições para permanecer como primeiro-ministro e,
posteriormente, presidente da república, durante muito tempo, mesmo sem ter
criado ainda as condições mínimas para a construção do seu Dubai. Disto não
tenho dúvidas nenhumas, a não ser que qualquer coisa, vinda de dentro e de fora
do MLSTP/PSD o possa transformar num verdadeiro partido alternativo ao atual
ADI.
Nunca
o país precisou, como agora, de reformas estruturais e escolha de um caminho
responsável para o seu desenvolvimento e com agentes políticos bem preparados e
capazes de responder as exigências deste propósito. Todavia, este é o momento
que, contra todas as expetativas, nos oferecem banalidades e mediocridade. Ou
seja, o sistema partidário, como eu sempre diagnosticara várias vezes, não está
a cumprir convenientemente as suas obrigações e funções.
É
difícil estarmos a adiar, sucessivamente, a criação de condições para a
viabilidade material e social do país em detrimento da defesa de interesses
pessoais de meia dúzia de pessoas. Basta ler o conteúdo do relatório deste ano
da conferência nas Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento, sobre os
países menos avançados, onde estamos incluídos, aparentemente como membros
vitalícios, para se constatar os níveis de pobreza absoluta existente no país.
Se isto continuar durante muito mais tempo, acredito que será o próprio regime
democrático que estará em causa empurrando-nos para a busca de caminhos ou
soluções não democráticas ou com custos irreparáveis para a coesão social e
própria soberania nacional.
A
escolha do país, já há algum tempo, por determinados agentes de crime
internacional, como exemplo ideal para a sua transformação num hipotético
centro de desenvolvimento de uma rede de tráfico de drogas e de outras manifestações
de criminalidade começa a dar os seus frutos ao mesmo tempo que a
vulnerabilidade do Estado aumenta todos os dias ao ritmo da degradação do
sistema político-partidário. Nunca se apanhou tanta droga no aeroporto
internacional de S.Tomé e Príncipe como nos últimos tempos nem nunca o país, no
passado, se tinha confrontado com casos de criminalidade envolvendo armamento
militar tão sofisticado.
Não
é preciso nenhum outro ato político desencorajador para atração de
investimentos estrangeiros no país como a multiplicação destas notícias nos
últimos tempos e a resposta encontrada pelo Estado para diminuir a sua
manifestação.
Perante
um país a arder todos os dias, temos um governo que realiza festas em Londres;
uma oposição que se reúne em congresso partidário para entoar “Vivas” ao MLSTP
e ao MPLA e um povo que, nos intervalos destas festas, lambuza-se na pobreza
extrema até a realização da próxima festa. De festa em festa estaremos
reduzidos, no médio ou longo prazos, em fumo, cinzas e destruição.
Sem comentários:
Enviar um comentário