domingo, 14 de junho de 2015

HSBC VAI ENCERRAR ATIVIDADES NO BRASIL - Charge do Latuff




Instituição financeira anunciou na terça novo plano estratégico que inclui abandono de mercados no Brasil e reestruturação de 10% de sua equipe no mundo

Carlos Latuff, Porto Alegre - Opera Mundi

O cartunista e ativista Carlos Latuff é colaborador de Opera Mundi. Seu trabalho, que já foi divulgado em diversos países, é conhecido por se dedicar a diversas causas políticas e sociais, tanto no Brasil quanto no exterior. Para encontrar outras charges do autor, clique aqui.

TARSO GENRO: OS CIDADÃOS SERVOS E O CONGRESSO DO PT




Se o fascismo financeiro não for brecado, fará desaparecer as liberdades políticas democráticas e todo o sistema de direitos individuais e coletivos.

Tarso Genro – Carta Maior

Depois de um formidável massacre a que foi submetido nos últimos anos, tanto por motivos justos como injustos, tanto pela direita conservadora como pelo néo-udenismo renovado, massacre este que transitou de maneira sistêmica pela grande mídia, toda ela, como se sabe, boa pagadora de impostos e isenta de qualquer mácula moral ou interesses subalternos  -depois de ser tratado, por mais de dez anos, como inventor da corrupção no Brasil - o Congresso do Partido dos Trabalhadores em Salvador, se é verdade que não resolveu nenhuma das questões de fundo, que o PT ainda precisa encarar, também demonstrou que o Partido tem uma capacidade de resistência extraordinária, uma militância séria e dedicada e quadros dirigentes, em todas as correntes de opinião, dispostos a reinventar a utopia e a não se entregar para as fatalidades burocráticas e para espontaneidade do cansaço.

A minha análise parte de alguns pressuposto que certamente não são majoritários no PT e isso ficou refletido na aprovação das teses da maioria e na rejeição das principais emendas do bloco minoritário, interno ao Partido, composto pela Mensagem e outros grupos internos do PT.  Primeiro, entendo que o Partido deveria recuperar a sua posição clara de sujeito político dirigente e proponente, e não apenas manter-se como "partido-suporte" do Governo, mero "ordenador" de custos políticos,  sem deixar de dar sustentação para que o Governo governe com estabilidade.

Segundo, entendo que o partido deveria lançar-se numa política de reconstrução, que não é apenas de "retomar" relações com os "movimentos sociais", mas é estabelecer relações com a nova inteligência política do país, restabelecer relações com a academia, com os centro de produção cultural-científica e artística, com os novos setores do mundo trabalho, emergentes das revoluções tecnológicas em curso, o que só poderia ser feito com o arejamento do grupo dirigente atual, formando um novo grupo de direção, que incorporasse novos quadros, sem deixar de aproveitar a experiência e a qualidade dos quadros dirigentes atuais, bem como com um novo sistema de eleição das suas direções.

Terceiro, o Congresso deveria tratar da "nova questão do Estado", que ainda não foi abordada de maneira convincente e profunda pelas gerações atuais da esquerda mundial e que, aqui no Brasil, estando ainda o PT  no governo, é um tema que poderia avançar de maneira significativa, com os nossos acertos e erros, ao longo desta década, que resultaram em extraordinários avanços na inclusão social e na redução da miséria, que hoje estão sendo colocados em xeque.

Esta terceira questão é a mais importante de todas. Ela remete para as duas anteriores e também porque traduz uma questão concreta, na política imediata, que tem uma enorme consequência estratégica. Ela parte de um pressuposto, que, se estiver correto, inverte a lógica da ação política da esquerda, para fortalecer o Estado e para responder à crise da democracia e a quase inocuidade dos processos eleitorais. Seu resumo é o seguinte: o Estado, em geral, e particularmente os estados sufocados pela dívida pública, foram capturados pelo capital financeiro - ordenado pelas agências privadas de risco e agências estatais dos países ricos, dos quais os bancos são intermediários - captura, esta, que determina que estes estados só se tornem "determinantes da vida social", para responder às necessidades do capital financeiro. Tornam-se os Estados, assim, cada vez mais ineptos e insensíveis, politicamente, para responder até mesmo aos chamados direitos naturais do Século XVIII, sem falar nas respostas econômicas e sociais decorrentes das lutas por mais igualdade.

As políticas que estes Estados precisam realizar, independentemente de quem está no Governo, passam a ser destinadas fundamentalmente a responder aos pagamentos da dívida pública, parte dela legítima e responsavelmente assumida pelos governos precedentes e grande parte dela decorrente do jogo especulativo do mercado financeiros mundial, que financia as políticas dos ricos nos países ricos, os investimentos bélicos de caráter colonial--imperial, sem falar na vida luxuosa de uma pequena elite, interna e externa ao país,  ligada aos grandes negócios globais.

Os estados, submetidos à chantagem permanente da dívida -vejam a Grécia-  não só tem dificuldades de desenvolver políticas alternativas para o seu projeto nacional de caráter democrático e social, como também transformam a sua cidadania numa cidadania "sem direitos", uma cidadania mais próxima da condição de servos, reforçando o "estatismo" só naquilo que lhe torna apto para a aplicação de políticas financeiras determinadas de "fora para dentro". Assim, ao mesmo tempo que se enfraquece o papel regulatório e social do Estado, se fortalece - como sua força principal para subordinar a política e os governos - seus Bancos Centrais, que se tornam mais fortes que os parlamentos e os partidos.

A força normativa do Estado e suas principais decisões que moldam a vida política, vem das determinações que ele, Estado, ordena na vida social, através dos Bancos Centrais. E isso não se faz sem autoritarismo e sem corrupção, que se espalha como uma gigantesca metástase no Estado e na sociedade civil: as reformas neoliberais, que agridem os direitos da cidadania não se fazem sem alianças fisiológicas e sem uma boa dose de corrupção na estrutura estatal, porque a "dinheirização" passa ser o elemento central da política, em substituição a programas de governo capazes de atrair e mobilizar os cidadãos.

Independentemente da honestidade da maioria dos políticos de todos os partidos, dos Presidentes, dos Ministros de Estado, dos servidores públicos, a política que se fortalece, vinga, e que  tem o apoio dos setores mais privilegiados no país e da ampla maioria da mídia tradicional é esta: a política que substitui as decisões políticas de Estado, para imprimir um projeto econômico e social, é transformada em decisões de gestão financeira da dívida, como política de Estado mais "universal" e fatalmente obrigatória.

Ao recusar a fazer um exame profundo do "ajuste" e das suas consequências para o conjunto da sociedade, o Congresso deixou a militância e a nossa base social desarmada, para enfrentar um debate sobre o futuro. Sequer se tratava de  exigir da Presidenta uma mudança de rumo agora, porque as escolhas que foram feitas pelo Governo, supostamente "para sair da crise", neste momento são irrevogáveis. Não só  porque quaisquer outras exigiriam um grau de mobilização social e uma unidade política, baseada em determinados princípios (que parte do nosso Partido e  os nosso aliados atuais não estão em condições de absorver), mas também porque não teriam maioria parlamentar para serem aplicadas. Mas é do profundo exame crítico do "ajuste" e da  crítica  à forma despolitizada e tecnicista com  que ele foi  proposto e está sendo aplicado, é que o PT recuperaria a credibilidade para dizer a natureza da política econômica do futuro, para um novo ciclo de governos progressistas  no Brasil.

A absorção, pela maioria, da necessidade de uma Frente orgânica, à esquerda, para o futuro, e o reconhecimento, ainda que formal, da necessidade de uma nova política econômica desenvolvimentista e social, dentro do atual governo, foram sinalizações positivas do Congresso. Mas seu elemento político mais importante,  do ponto de vista da minoria que eu integro, foi o manifesto unitário da maioria dos parlamentares do PT, senadores e deputados, (que gerou ao final a "Carta do Rio Vermelho" da minoria), que exigia que mudanças mais profundas fossem pautadas pelo Congresso. Na verdade não se trata, como quer a grande mídia, de sermos  "mais" ou "menos" radicais. Trata-se de sermos apenas mais consequentes com a nossa história, não só não aceitando que não existem outras alternativas, mas propondo-as de forma clara, mesmo "contra a corrente", formada por uma opinião pública manipulada pela grande mídia.

Togliatti, em 1935, num texto ("A propósito do fascismo"), em  que criticava  o tipo de aparato estatal proposto pelo fascismo,  "no qual o cidadão não tem direitos (...) diante do Estado, porque a origem de cada direito está no próprio Estado" , também, de forma profética, adiantava uma crítica do Estado "bancocentralizado" dos tempos atuais. É o estado necessário ao capital financeiro,  para controlar a sociedade: o Estado dos "cidadãos-servos", que não tem direito nem de discutir nem propor "ajustes", para saírem de uma crise porque, afinal, "não tem alternativas".

Este fascismo financeiro,  que toma conta do mundo e agora se prepara para esmagar a Grécia, se não for brecado em países mais fortes, como é o nosso,  fará desaparecer não só as liberdades políticas democráticas, porque tornará irrelevantes os partidos e os governos, mas também  fará desaparecer, como disse Togliatti,  "todo o sistema de direitos individuais e coletivos". A questão democrática em curso, hoje, integra de maneira incontornável, a crise da democracia, com a crise financeira do Estado. Isso o nosso Congresso não respondeu e é nosso dever compartilhar com os demais setores da esquerda e com o centro progressista e democrático a busca de saídas fora das alternativas da ortodoxia.

Créditos da foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

RETRATO DO BRASIL: “O MACHO ADULTO BRANCO SEMPRE NO COMANDO”



Afropress - Editorial

Embora constituam 50,7% da população brasileira, de acordo com os dados do Censo do IBGE 2010, os negros correspondem a apenas 18% das elites profissionais do país. Ou dito de outro modo: a elite branca, herdeira da Casa Grande, responde por 82% dos acadêmicos, atores, deputados, governadores, médicos, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) músicos eruditos, presidentes de empresas e senadores.

Essas foram as categorias adotadas pelo jornal Folha de S. Paulo para fazer a radiografia mais recente e devastadora da subrepresentação negra (e da superrepresentação branca), publicada na edição desta segunda-feira (08/09). Veja matéria em Afropress - http://www.afropress.com/post.asp?id=18259

Em algumas áreas, como o Judiciário, a presença branca é quase absoluta: 100% dos ministros do STF são brancos autodeclarados. Entre os executivos das empresas do Brasil, segundo o ranking Valor 1.000 2014, 95% se autodeclaram brancos, 5% são pardos. Não há pretos. Tampouco há indígenas.

Mesmo no mundo político – governadores, deputados e senadores – a supremacia branca nunca é inferior a 70% (74% no caso dos governadores, 75,3% entre os senadores, 79,9% entre os deputados federais), o que dá uma ideia do tamanho da crise de representação que, dia sim, outro também, aparece de variáveis formas, em especial, a partir da explosão das manifestações de junho de 2013.

Eis aí exposta com todas as tintas, a mãe de todas as crises: a crise de uma República que já nasceu velha, já nasceu com “donos”, o que corresponde, portanto, a própria negação da palavra “res publica” – coisa pública.

A crise da democracia representativa e de governança é mundial, como se sabe, mas no caso brasileiro apresenta peculiaridades óbvias. Aqui o que chamamos de República, não se traduz em valores republicanos; e o Estado Democrático de Direito, mesmo esse que é, inegavelmente, fruto das lutas democráticas contra uma ditadura militar que durou 21 anos, pode até ser de Direito (afinal, temos uma ordem jurídica, instituições funcionando, ritos processuais etc.), mas passa longe de merecer o atributo de democrático, por qualquer critério que se analise.

Como é possível chamar de democrático um sistema em que uma elite branca herdeira da herança do escravismo, mantém-se no controle quase absoluto nos postos de mando e comando de empresas, do Judiciário, do sistema político, das universidades e até das artes? 

E o que é pior: por meio de um sistema econômico concentrador de renda  mantém em condições miseráveis de vida a maioria da população; e se autoprotege por intermédio de um sistema penal que lança em prisões medievais (o termo foi usado pelo próprio ministro da Justiça), negros, indígenas e brancos pobres, que constituem cerca de dois terços da população carcerária – a terceira maior população carcerária do mundo.

Chamem do que quiserem, mas democracia isso não é. Mesmo pelos critérios ocidentais surgidos na velha Grécia que definem democracia como governo do povo, para o povo e pelo povo.

A República no Brasil já nasce como coisa privada. Sua base social não é outra senão os fazendeiros escravocratas, que, contrariados e sem poder evitar a Abolição, mudaram de lado e passaram a apoiá-la. Abolição, registre-se, incompleta, jamais concluída, e que significou a liberdade formal, mas jamais se traduziu em direitos para a massa negra jogada na rua da amargura a partir do 14 de maio. São os "donos" - antes de escravos negros e hoje do capital - os pais das atuais elites políticas que permanecem onde sempre estiveram; "o macho adulto branco sempre no comando", como canta Caetano na música "O estrangeiro".

Não há dúvida que a contradição fundamental no sistema em que vivemos – o capitalismo - é de classe: explorados de todas as cores versus exploradores, invariavelmente da mesma cor dos herdeiros da Casa Grande. Porém, só por por ignorância ou má fé – ou então pelos manuais de uma esquerda caolha, que não atualizou suas leituras de Marx -, é possível ignorar que o Brasil continuará expondo os índices obscenos de desigualdade, enquanto não ajustar contas com a herança maldita de quase quatro séculos de escravidão.

E é mais do que óbvio também que isso não acontecerá enquanto o povo brasileiro – negros, brancos pobres e indígenas – a maioria explorada, não romper com as amarras seculares que a mantém nessa espécie de cativeiro tardio e assumir uma posição protagonista no debate público e político.

A luta contra o racismo e a desigualdade de oportunidades (que do racismo se origina), é, portanto, parte da luta mais geral por uma República e por uma democracia verdadeiramente dignas desse nome.

Sem isso, continuaremos vendo - e sofrendo - os efeitos dessa radiografia perversa que "mostra o macho adulto branco sempre no comando".


A NOVA GEOPOLÍITICA DO PETRÓLEO




Os conselheiros de Obama partem de um princípio claro: um único planeta, uma única superpotência.

Ignacio Ramonet – Carta Maior 

Em que contexto está sendo desenhada a nova geopolítica do petróleo? O país hegemônico, os Estados Unidos, considera que a China é a única potência contemporânea capaz, a médio prazo (na segunda metade do século XXI), de rivalizar com ele e ameaçar sua hegemonia solitária à escala planetária. Por isso Washington instaurou secretamente, desde os inícios de 2000, uma desconfiança estratégica em relação a Pequim.

O presidente Barack Obama decidiu reorientar a política externa dos EUA tendo este parâmetro como critério principal. Washington não quer ver-se de novo na humilhante situação da Guerra Fria (1948-1989), quando teve de compartilhar a sua hegemonia mundial com outra superpotência, a União Soviética. Os conselheiros de Obama formulam esta teoria da seguinte maneira: um único planeta, uma única superpotência.

Em consequência, Washington continua a aumentar as suas forças e as suas bases militares na Ásia oriental, com o intuito de conter a China. Pequim constata já o bloqueio da sua capacidade de expansão marítima devido aos múltiplos conflitos em torno de ilhotas com a Coreia do Sul, Taiwan, Japão, Vietnã, Filipinas... e pela poderosa presença da sétima frota dos Estados Unidos.

Paralelamente, a diplomacia de Washington reforça as suas relações com todos os Estados que têm fronteiras terrestres com a China (exceto a Rússia). O que explica a recente e espetacular aproximação de Washington com o Vietnã e a Birmânia.

Esta política prioritária de atenção ao Extremo Oriente e de contenção da China só é possível se os Estados Unidos conseguirem afastar-se do Oriente Médio. Neste palco estratégico, a Casa Branca intervém tradicionalmente em três campos. Primeiro, no militar: Washington está implicado em vários conflitos, especialmente no Afeganistão contra os talibans e no Iraque-Síria contra a organização Estado Islâmico.

Segundo, no diplomático, em particular com a República Islâmica do Irã, com o objetivo de limitar a sua expansão ideológica e impedir o acesso de Teerã à força nuclear.
Terceiro, o da solidariedade, especialmente a respeito de Israel, para o qual os Estados Unidos continuam a ser uma espécie de anjo da guarda.

Este grande envolvimento direto de Washington na região (particularmente após a guerra do Golfo, em 1991) mostrou os limites da potência americana, que não pôde realmente ganhar nenhum dos conflitos nos quais se envolveu fortemente (Iraque, Afeganistão). Conflitos que tiveram, para os seus cofres, um custo astronômico com consequências desastrosas até para o sistema financeiro internacional.

Atualmente Washington sabe que os Estados Unidos não podem realizar simultaneamente duas grandes guerras de alcance planetário. Portanto, a alternativa é a seguinte: ou continuam mergulhados no pantanal do Oriente Médio, em conflitos típicos do século XIX, ou concentram-se na urgente contenção da China, cujo impulso fulgurante poderia anunciar a decadência dos Estados Unidos a médio prazo.

A decisão de Obama é óbvia: tem de enfrentar o segundo desafio, pois este será decisivo para o futuro dos Estados Unidos no século XXI. Em consequência, tem de retirar-se progressivamente – mas imperativamente – do Oriente Médio.

Aqui coloca-se uma questão: por que, desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos se envolveram tanto no Oriente Médio, ao ponto de descuidarem o resto do mundo? Para esta pergunta, a resposta pode limitar-se a uma palavra: petróleo.

Desde que os Estados Unidos deixaram de ser autossuficientes em petróleo, no final dos anos 40, o controle das principais zonas de produção de hidrocarbonetos converteu-se numa obsessão estratégica. Isso explica parcialmente a diplomacia dos golpes de Estado de Washington, especialmente no Médio Oriente e na América Latina.

No Oriente Médio, nos anos 50, à medida em que o velho império britânico se retirava e ficava reduzido ao seu arquipélago inicial, o império norte-americano substituía-o, colocando os seus homens à frente dos países dessas regiões. Sobretudo na Arábia Saudita e no Irã, principais produtores de petróleo do mundo, junto com a Venezuela, já sob controle dos EUA à época.

Até há pouco, a dependência de Washington do petróleo e do gás do Oriente Médio impediu-o de considerar a possibilidade de retirar-se da região. Que mudou então para que os Estados Unidos pensem agora em sair do Oriente Médio? O petróleo e o gás de xisto, cuja produção pelo método chamado fracking aumentou significativamente em começos dos anos 2000. Isto modificou todos os parâmetros. A exploração desse tipo de hidrocarbonetos (cujo custo é mais elevado que o do petróleo tradicional) foi favorecida pelo importante aumento do preço dos hidrocarbonetos, que em média superaram 100 dólares por barril entre 2010 e 2013.

Atualmente, os Estados Unidos recuperaram a autossuficiência energética e estão convertendo-se outra vez num importante exportador de hidrocarbonetos. Portanto, podem agora por fim considerar a possibilidade de se retirarem do Oriente Médio. Com a condição de sarar rapidamente várias feridas que por vezes datam de mais de um século.

Por essa razão, Obama retirou a quase a totalidade das suas tropas do Iraque e do Afeganistão. Os Estados Unidos participaram muito discretamente nos bombardeios da Líbia.

E recusaram-se a intervir contra as autoridades de Damasco, na Síria. Por outro lado, Washington procura em ritmo forçado um acordo com Teerã sobre a questão nuclear. E pressiona Israel para que o seu governo progrida urgentemente em direção a um acordo com os palestinos. Em todos estes temas, percebe-se o desejo de Washington de fechar as frentes do Oriente Médio para passar a outra questão (China) e esquecer os pesadelos do Oriente Médio.

Todo este cenário desenvolveu-se perfeitamente enquanto os preços do petróleo continuavam altos, ao redor de 100 dólares por barril. O preço de exploração do barril de petróleo de xisto é de aproximadamente 60 dólares, o que deixa aos produtores uma margem considerável (entre 30 e 40 dólares por barril).

Foi aqui que a Arábia Saudita decidiu intervir. Riad opõe-se a que os Estados Unidos se retirem do Oriente Médio, sobretudo se antes Washington estabelecer um acordo sobre a questão nuclear com Teerã. Acordo que os sauditas consideram demasiado favorável ao Irão e que, segundo a monarquia wahabita, exporia os sauditas, e mais em geral os sunitas, a converterem-se em vítimas do que chamam de expansionismo xiita. Há que ter presente de que as principais jazidas de hidrocarbonetos sauditas se encontram em zonas de população xiita.

Considerando que dispõe das segundas reservas mundiais de petróleo, a Arábia Saudita decidiu usar o crude para sabotar a estratégia dos Estados Unidos. Opondo-se às orientações da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep), Riad decidiu, contra toda a lógica comercial aparente, aumentar consideravelmente a sua produção e fazer, desse modo, baixar os preços, inundando o mercado de petróleo barato. A estratégia deu resultado rapidamente. Em pouco tempo os preços do petróleo baixaram 50 por cento. O preço do barril desceu para 40 dólares (antes de subir ligeiramente, até aproximadamente 55-60 dólares atualmente).

Esta política desferiu um duro golpe ao fracking. A maioria dos grandes produtores norte-americanos de gás de xisto estão atualmente em crise, endividados e correm o risco de falir (o que implica uma ameaça para o sistema bancário dos EUA, que tinha generosamente oferecido abundantes créditos aos neopetrolíferos). A 40 dólares o barril, o xisto já não é rentável. Nem as perfurações profundas off shore. Muitas companhias petrolíferas importantes já anunciaram que interrompem as suas explorações em alto mar por não serem rentáveis, provocando a perda de dezenas de milhares de empregos.

Uma vez mais, o petróleo é menos abundante. E os preços sobem ligeiramente. Mas as reservas da Arábia Saudita são suficientemente importantes para que Riad regule o fluxo e ajuste a sua produção de maneira a permitir um ligeiro aumento de preço (até 60 dólares aproximadamente). Mas sem superar os limites que permitiriam ao fracking e às jazidas marítimas de grande profundidade recomeçarem a produção. Deste modo, Riad converteu-se no árbitro absoluto em matéria de preço do petróleo (parâmetro decisivo para as economias de dezenas de países, entre os quais figuram a Rússia, a Argélia, a Venezuela, a Nigéria, o México, a Indonésia, etc).

Estas novas circunstâncias obrigam Barack Obama a reconsiderar os seus planos. A crise dofracking poderia representar o fim da auto-suficiência de energia fóssil nos Estados Unidos e, portanto, o regresso à dependência do Oriente Médio (também da Venezuela, por exemplo). Por agora, Riad parece ter ganho a aposta. Até quando?

Tradução originalmente publicada em esquerda.net. – Foto Esquerda.net

Ucrânia. POROSHENKO NÃO TEM CHANCES DE PERMANECER NO PODER - analistas




Os analistas ucranianos opinam que o presidente Pyotr Poroshenko deve realizar a modernização real da Ucrânia e acham que ele só continuará no poder até ao fim do mandato caso pare com as manipulações de informação e comece ações reais.

O conflito militar no leste do país, descentralização e reformas económicas são os principais problemas dos quais depende o futuro político de Poroshenko, opinaram cientistas políticos ao site ucraniano 112ua.

Dmitry Korchyncky, o líder do partido ucraniano Bratstvo (Irmandade) disse:

“Eu sou um dos aliados mais próximos do presidente e quero que ele fique no poder pelo menos por dois termos. Mas, a tendência recente é que [Leonid] Kuchma (o segundo presidente da Ucrânia, 1994-2005) ficou no poder por dois termos, [Viktor] Yushchenko (o terceiro presidente da Ucrânia, 2005-2010) — um termo, [Viktor] Yanukovych (o quarto presidente da Ucrânia, 2010 — fevereiro 2014) — metade de um termo, e Poroshenko, provavelmente, ficará por um quarto do prazo. Este é o estado de espírito na sociedade."

"Dentro de seis meses eu serei o seu único aliado. Ele nos enganou a todos, à sociedade, sobre tudo o que ele prometeu, ele não correspondeu às expectativas".

Outro analista político, Andrei Zolotarev, é de opinião que está na hora de o presidente começar a levar a cabo ações sérias.

"Se o presidente tirar conclusões do seu primeiro termo e começar ações sérias em vez de manipulações de informação, em outras palavras, se ele parar com as mentiras e realmente começar a modernização do país, ele terá alguma chance para o futuro", disse.

A pesquisa realizada pela agência Research & Branding Group, mostrou que 58% dos ucranianos desaprovam a política do presidente e quase 19% votariam nele mais uma vez, mas 30% (quase um terço dos entrevistados) votariam 'contra todos' ou ficariam em casa nas eleições.

Outra pesquisa realizada no país em 19-29 de maio pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) mostrou que, se as eleições presidenciais fossem hoje na Ucrânia, o atual presidente obteria 13,6% dos votos, em vez dos 54,7% que obteve em pesquisa idêntica em maio do ano passado.

AFP 2015/ SERGEI SUPINSKY - Sputnik

AVIÕES DA OTAN VOAM COM TRANSPONDERS DESLIGADOS - mídia




Enquanto OTAN acusa Moscou de violar as regras de voos militares, jornalistas alemães descobriram que a Força Aérea da organização internacional realiza missões de combate incorrendo nas mesmas violações.

A revista alemã Der Spiegel constatou que aviões da OTAN estão voando com os transponders desligados.

"O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, criticou várias vezes Moscou por os aviões russos se aproximarem as fronteiras da aliança com os transponders desligados, criando uma ameaça aos aviões civis. E agora confirma-se que os aviões militares da OTAN fazem o mesmo – mas, só ‘em casos especiais durante os exercícios e nunca no leste da Europa", escreveu a publicação alemã.

O transponder é um dispositivo de rádio que está na cabine do piloto e que permite comunicar através do radar no solo com os controladores de tráfego aéreo. Entre outras coisas, ele recebe e transmite a identificação da aeronave, a sua velocidade, a altitude e posição. Se o transponder estiver desligado, o equipamento irá desaparecer do radar secundário, permanecendo visível apenas no radar primário.

AP Photo/ ROLF RUPPENTHAL - Sputnik

A PREVISIVEL DERROTA DA FRANÇA



Thierry Meyssan*

Quando a assinatura do acordo entre Washington e Teerão se aproxima, Thierry Meyssan redesenha e analisa a política de François Hollande no Próximo-Oriente de apoio ás monarquias do Golfo e ao apartheid israelita. De modo incontestável, ele mostra que esta política, contrária aos valores da República e aos interesses da Nação, serve exclusivamente as ambições pessoais de alguns indivíduos e do grupo social que eles representam.

Eleito em maio de 2012 Presidente da República francês, François Hollande impôs ao seu país uma orientação de política externa inteiramente nova. O facto de ele se ter apresentado como um homem de esquerda mascarou, aos olhos dos seus concidadãos, que este alto funcionário virava as costas aos interesses da nação, à sua história e à sua cultura, e colocava o Estado ao serviço de um grupúsculo de grande burgueses neo-conservadores.

A mudança da primavera de 2012

- Enquanto durante a sua campanha eleitoral ele parecia aberto a todas as análises, rodeando-se de vários grupos de reflexão concorrentes, assim que assumiu o cargo, a 15 de maio, deitou abaixo a sua máscara. Então, colocou o seu mandato sob os auspícios de Jules Ferry. Com subtileza(sutileza-br), ele afirmou homenagear o fundador da escola laica e obrigatória, e não o teórico socialista da colonização. No entanto, o secularismo Ferry não visou garantir a liberdade de consciência, mas, sim, a sacar as crianças das mãos da Igreja Católica e a formá-las sob a autoridade dos «hussardos negros», para fazer delas a carne de canhão das suas expedições coloniais.

- A 6 de julho, reuniu em Paris uma coligação de Estados auto-proclamados «Amigos da Síria», para sabotar o acordo de Genebra e relançar a guerra contra a Síria. Simbolicamente, saudou os «democratas» (sic) do Conselho Nacional Sírio, uma organização fantoche montada pelo Catar, com o apoio da sociedade secreta dos Irmãos Muçulmanos. Ele pavoneou-se ao lado criminoso de guerra Abu Saleh, que havia dirigido o Emirado Islâmico de Baba Amr e feito decapitar mais de 150 dos seus compatriotas. Ele pronunciou, então, um discurso, escrito em Inglês pelos seus mentores, e depois traduzido para o francês.

- Nesta onda, a 22 de julho, afirmou solenemente que a França era responsável pelos crimes cometidos pelo governo ilegítimo de Philippe Pétain contra os cidadãos judaicos. Por outras palavras, o alto funcionário Hollande colocou o Estado em superioridade sobre a República.

Eu escrevi então que François Hollande, assumindo a herança de Philippe Pétain, tinha oferecido a França aos poderosos do momento, e renovava com a política colonial [1]. Considerando que o meu exílio político me tinha feito perder o sentido das proporções, muitos decidiram não ligar ao que eles viam como uma bizarria.

Mas, eu também fiquei tranquilizado ao ler o último livro do demógrafo Emmanuel Todd, Qui est Charlie ? («Quem é Charlie?» -ndT), em que ele se dedica a analisar como e porquê o eleitorado actual do Partido Socialista é o herdeiro dos «Marechalistas» [2]. Sempre senti uma forte admiração por este intelectual, que conseguiu mostrar o impacto inconsciente dos sistemas familiares sobre a história. Enquanto estudante de ciência política, eu tinha devorado a sua tese mostrando que a divisão do mundo durante a Guerra Fria, na verdade, correspondia às estruturas familiares das nações. Com mapas na mão ele observa que, actualmente, o eleitorado do Partido Socialista, largamente descristianizado, perdeu as suas referências e se enquista sobre si mesmo. Ele já havia analisado a união da classe dirigente em volta do culto do euro, ou seja, da lei do mais forte no espaço europeu. Ele conclui que o Partido Socialista vendeu o país ao estrangeiro com a aprovação de um eleitorado de proprietários.

A equipe de François Hollande

A mudança de política externa desejada pelo Presidente da República baseia-se numa análise simples: os Estados Unidos tendo menor necessidade de petróleo do Golfo anunciaram a sua intenção de fazer bascular o seu dispositivo militar em direcção ao Extremo-Oriente. Apoiando Washington no cenário internacional, ao estilo de um Tony Blair, F. Hollande poderia tomar o lugar que eles deixam vago no Golfo e obter dinheiro fácil.

Foi nesta lógica que o Catar— quer dizer a Exxon-Mobil, a sociedade dos Rockefeller— financiou largamente a campanha de François Hollande [3]. Tendo este financiamento, ilegal à luz da lei francesa, sido negociado por Laurent Fabius, Hollande, uma vez eleito designou-o ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar da sua velha rivalidade.

A corte efectuada por François Hollande junto dos seus generosos mecenas do Golfo acompanha-se por um apoio firme ao Estado de Israel. Lembramos que o presidente Charles De Gaulle havia rompido com este Estado colonial, em 1967, afirmando que a França, que com ele se tinha aliado para controlar o Canal do Suez e lutar contra a independência da Argélia, não poderia continuar a fazê-lo uma vez tendo renunciado ao seu Império. O Presidente Hollande escolhe, pelo contrário, declarar em hebraico, aquando da sua chegada ao aeroporto de Telavive, em novembro de 2013: «Tamid écha-èr ravèr chèl Israel, eu sou vosso amigo e sempre o serei» [4].

Para pôr a sua viragem em acção, o presidente constituiu uma equipa em volta de duas personalidades de extrema-direita : o seu chefe de estado-maior privado, o general Benoît Puga, e o seu conselheiro diplomático Jacques Audibert.

O general Benoît Puga é um antigo da «colonial» (infantaria da Marinha). Cristão lefebvrista, ele não guarda segredo da sua admiração pelo antigo arcebispo de Dakar e do seu desprezo pela Revolução Francesa. Entre duas missas em Saint Nicolas du Chardonnet, dirigiu as Operações especiais e a Inteligência militar. Ele tinha sido nomeado para o Eliseu pelo presidente Nicolas Sarkozy e, facto sem precedentes para esta função, foi incorporado pelo sucessor no seu gabinete.

Jacques Audibert é, muitas vezes, qualificado pelos seus antigos colaboradores de «americano com passaporte francês», já que a sua devoção ao imperialismo norte-americano e ao colonialismo israelita é muito maior que o seu respeito pela República Francesa. Ele assumiu um papel central no bloqueio durante os anos de negociações 5+1 com o Irão. Ele pensava ser nomeado representante permanente da França na Onu, mas, finalmente, juntou-se ao presidente Hollande no Eliseu.

Quando era diretor de Assuntos Políticos no Quai d’Orsay, Jacques Audibert eliminou sistematicamente os diplomatas arabistas, começando pelos mais competentes. Os mais prestigiados foram exilados na América Latina. Tratava-se, é claro, de eliminar qualquer apoio aos Palestinos para satisfazer os colonos israelitas, mas, também, e sobretudo, de acabar assim com séculos de «política árabe da França», a fim de deixar cair os aliados tradicionais e de se aproximar dos bilionários do Golfo, apesar das suas ditaduras e do seu fanatismo religioso.

Esta evolução, por muito surpreendente que pareça, corresponde ao que F. Hollande havia anunciado, há já vários anos. Recebido, a 30 de novembro de 2005, pelo Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (CRIF), declarou então, segundo a acta da reunião: «Há uma tendência que vem de longe, aquilo que se chama a política árabe da França, e não é admissível que uma administração tenha uma ideologia. Há um problema de recrutamento no Quai d’Orsay e na ENA(Escola Nacional de Administração- ndT) e este recrutamento deveria ser reorganizado» [5].

O fundo do pensamento de Hollande

Francois Hollande ao exprimir o seu pensamento mais profundo evocou nele a Resistência. Ele definiu esse conceito, aquando da ida para o Panteão de quatro grandes figuras da Resistência Francesa, a 27 de maio, excluindo os comunistas do seu tributo.

Ora a Resistência Francesa inspirou os Estados e as milícias que, hoje em dia, dizem não à ocupação de suas terras e à submissão a um regime de apartheid. Em homenagem aos seus antecessores franceses eles definiram a sua aliança como o «Eixo da Resistência».

Mas, aos Palestinos, Francois Hollande negou o direito de resistir e, em linha recta com o pressuposto do armistício 1940, ordenou-lhes que «negociassem» (sic). Ele conseguiu levar a União Europeia a qualificar o Hezbolla de «terrorista», como Philippe Pétain quis condenar Charles De Gaulle à morte por «terrorismo» [6]. Ele lançou a guerra aos Sírios e impôs um cerco económico aos Iranianos.

François Hollande e os ditadores do Golfo

Nos três últimos anos, a França tem gozado do apoio de Hillary Clinton e do general David Petraeus pela parte norte-americana, da Exxon-Mobil e do seu estado privado o Catar, e, finalmente, da família dos Saud e do Estado privado ao qual ela deu o seu nome de «Arábia Saudita».

A França pode, assim, lançar uma segunda guerra contra a Síria e o Iraque, movendo dezenas de milhares de mercenários vindos do mundo inteiro, incluindo vários milhares de Franceses. Ele carrega, portanto, uma responsabilidade primordial sobre as centenas de milhares de mortos que enlutaram o Levante. É claro, tudo isso feito sob a cobertura da ajuda humanitária às populações martirizadas.

Oficialmente, esta política não deu ainda os seus frutos. A Síria continua em guerra e para já é impossível de aí explorar o gaz, muito embora os «Amigos da Síria» (sic) o tenham já repartido entre si, em junho de 2012 [7]. Por outro lado, 

- a França recebeu uma encomenda de 3 biliões de dólares em armamento da Arábia Saudita para o Exército libanês. Tratava-se de agradecer aos Libaneses por não ter gravado os testemunhos de Majed el-Majed, o agente de ligação entre a Arábia Saudita e a al-Qaida, e de agradecer aos Franceses por conduzir a guerra contra a Síria [8]. 

- a França vendeu 24 Rafales ao Catar por 6,3 biliões de euros.

Mas estes mega-contratos não aproveitaram à França : 

- os Israelitas opuseram um veto à venda ao Líbano de armas capazes de os afrontar. A França apenas foi, pois, autorizada a fornecer, por 700 milhões de dólares, uniformes, veículos de serviço e armas ligeiras. Os 2,3 biliões restantes serão de armas ultrapassadas, fabricadas na Alemanha de Leste. 

- O Catar, é certo, comprou Rafales, mas exigiu, em troca, que o governo force a Air France a abandonar algumas das suas linhas mais rentáveis para a Catar Airways.

De qualquer modo, mesmo que esses contratos fossem honestos, eles nunca teriam compensado todos os que foram perdidos pelo encarniçamento de Jacques Audibert contra todas as empresas francesas trabalhando com o Irão, tais como a Peugeot ou a Total, nem pelo do general Benoît Puga em fazer destruir todas as fábricas francesas instaladas na Síria.

O acordo Washington-Teerão

Apesar dos esforços da equipe Hollande, em geral, e de Jacques Audibert em particular, o acordo negociado entre os EUA e o Irão deverá ser assinado a 30 de junho de 2015. Consulte os meus artigos anteriores sobre as consequências deste texto [9]. desde logo, parece que os dois grandes perdedores serão o povo Palestiniano e a França. O primeiro porque ninguém mais irá defender o seu direito inalienável ao regresso e a segunda porque ela terá o seu nome associado a três anos de injustiça e massacres nesta região.

Esta semana, a 2 de junho, o secretário de Estado adjunto, Antony Blinken, veio copresidir em Paris a uma reunião de 22 Estados membros da Coligação Internacional anti-Daesh. Contráriamente ao que foi dito pela imprensa francesa, não se tratava de organizar a resposta militar ás quedas de Ramadi e de Palmira; O Pentágono não precisa de reunir os seus aliados para saber o que deve fazer. Não, o assunto era o de fazer engolir um enorme sapo ao ministro francês das Relações Exteriores(N.E-pt), Laurent Fabius, e de lhe fazer aceitar o acordo americano-iraniano. O que ele foi forçado a fazer.

A assinatura do acordo foi ameaçada pela queda de Palmira que corta a «rota da seda», quer dizer a via de comunicação entre o Irão por um lado, a Síria e o Hezbolla por outro [10]. Dando-se o caso em que Palmira ficasse em mãos dos jiadistas (quer dizer de mercenários lutando contra o «Eixo da Resistência» [11]), Teerão não poderia transportar o seu gaz e exportá-lo para a Europa e não teria, portanto, nenhum interesse em se entender com Washington.

O secretário de Estado adjunto, Antony Blinken, informou, pois, a assistência, que ele havia autorizado o «Eixo da Resistência» a colocar na Síria tropas frescas para derrotar o Daesh. Trata-se, no caso, de 10.000 Guardas da Revolução, que virão reforçar o Exército Árabe Sírio antes de 30 de Junho. Até agora os sírios estavam defendendo-se por sua conta, limitados ao apoio do Hezbolla libanês e do PKK turco, mas sem tropas russas ou iranianas, nem milícias iraquianas.

Antony Blinken também informou os seus interlocutores que ele tinha concluído um acordo com a Rússia, autorizando a realização de uma conferência de paz sobre a Síria, sob os auspícios das Nações Unidas, no Cazaquistão. Ele exigiu que Laurent Fabius assine uma declaração final, aceitando o princípio de um governo sírio designado de «consentimento mútuo» entre a actual coligação no poder (Baas e PSNS e) e as suas diferentes oposições, quer estejam em Paris ou em Damasco.

Depois de ter tratado de levantar as calças, Laurent Fabius engoliu o seu slogan «Bachar tem de sair», admitiu que o presidente al-Assad terminaria o mandato para qual o seu povo o elegeu, com ampla maioria, e, pateticamente, rebateu-se quanto ao dito «O Sr. Bachar (sic) não será o futuro da Síria».

Dentro de três semanas o “rei deverá passar nu”. Ao assinarem, em conjunto, Washington e Teerão irão reduzir a nada os cálculos de François Hollande, do neo-conservador Jacques Audibert e do neo-fascista Benoît Puga.

Thierry Meyssan* – Voltaire.net - Tradução Alva

[1] « La France selon François Hollande » (Fr- «A França segundo François Hollande»- ndT), par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 30 juillet 2012.
[2] A maioria dos Franceses que apoiaram o armistício de Philippe Pétain não eram fascistas, mas, sim, «Marechalistas». Traumatizados pela carnificina de 14-18, eles refugiaram-se por trás da autoridade do vencedor de Verdun para justificar a sua recusa de combater o invasor nazi.
[3] « François Hollande négocie avec l’émir de Qatar » (Fr- «F. Hollande negoceia com o emir do Catar»- ndT), Réseau Voltaire, 31 janvier 2012.
[4] « Déclaration de François Hollande à son arrivée à l’aéroport de Tel-Aviv » (Fr- «Declaração de F. Hollande à sua chegada ao aeroporto de Telavive»- ndT), par François Hollande, Réseau Voltaire, 17 novembre 2013.
[5] « France : le Parti socialiste s’engage à éliminer les diplomates pro-arabes » (Fr- «França: o partido Socialista dedica-se a eliminar os diplomatas pró-árabes»- ndT), par Ossama Lotfy, Réseau Voltaire, 9 janvier 2006.
[6] « L’UE assimile la Résistance libanaise à du terrorisme » (Fr- «A União Europeia assemelha a Resistência libanesa ao terrorismo»- ndT), Réseau Voltaire, 22 juillet 2013.
[7] « Les « Amis de la Syrie » se partagent l’économie syrienne avant de l’avoir conquise » (Fr- «Os “Amigos da Síria” partilham entre si a economia síria, antes de a ter conquistado»- ndT), par German Foreign Policy, Horizons et débats (Suisse), Réseau Voltaire, 14 juin 2012.
[8] “O silêncio e a traição que valerá 3 biliões de dólares”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Janeiro de 2014.
[9] “Como será o Próximo-Oriente após o acordo entre Washington e Teerão ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Maio de 2015.
[10] “A queda de Palmira muda o equilíbrio geopolítico no Levante”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 25 de Maio de 2015.
[11] “Os jiadistas ao serviço do imperialismo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 1 de Junho de 2015.

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Grécia. SOCIALISTAS ALEMÃES E ITALIANOS AO LADO DOS CREDORES




Em declarações ao Bild, o líder do SPD alemão diz que prefere deixar a Grécia sair do euro do que abrir a porta a que as escolhas de cada país possam ameaçar os interesses de Berlim e Bruxelas. E o primeiro-ministro italiano explica ao Corriere della Sera a razão de não ter aceite o convite para participar nos encontros de Tsipras com Merkel, Hollande e Juncker.

Em entrevistas publicadas este domingo, duas das atuais referências da social-democracia europeia declaram o seu alinhamento ao lado dos credores contra as propostas gregas para travar a austeridade no país. Sigmar Gabriel, líder do SPD e vice-chanceler alemão, e Matteo Renzi, líder do PD e primeiro-ministro de Itália, distanciam-se de Atenas no momento crucial das negociações em Bruxelas”.

Renzi: “Gregos devem completar o caminho das reformas estruturais”

“Queremos ajudar a Grécia a ficar no euro. Mas o tempo está a esgotar-se e a paciência da Europa também”, diz Sigmar Gabriel ao Bild. Matteo Renzi repete ao Corriere della Sera: “Todos queremos que a Grécia continue no euro, mas eles também têm de querer continuar”.

O primeiro-ministro italiano diz que recusou os convites de Tsipras para participar nos encontros que tem mantido à margem das cimeiras com Merkel e Hollande. A razão? “Temos uma cultura europeísta, na qual os problemas são tratados na sede institucional e não nos corredores”.

O Alexis confiou na Merkel, e para quem assistiu à sua campanha eleitoral só poderá esboçar um sorriso, dado o que então dizia. Mas se é isso que a Grécia quer, ok. (…) Para explicar aos gregos que não lhes podemos pagar as pensões depois de tantos esforços para as cortarmos aos italianos, não é preciso uma reunião”, prossegue Matteo Renzi, concluindo que a economia grega só poderá crescer quando “completar o caminho das reformas estruturais”, expressão que se traduz por mais cortes e transferência do rendimento do trabalho para o capital.

Sigmar Gabriel: “Alemães não podem financiar promessas de um governo comunista”

O líder do SPD é menos diplomático nas declarações ao Bild, explicando que aceitar as exigências gregas para não introduzir mais austeridade numa economia destruída pela recessão seria “deixar os trabalhadores alemães e as suas famílias financiarem as promessas de campanha de um governo comunista”. Na perspetiva de Sigmar Gabriel, aceitar o caminho que os gregos escolheram nas urnas é ceder a uma “chantagem” sobre o poder Berlim e Bruxelas.

“É quase como dar o tiro de partida para os extremistas de direita como Marine Le Pen em França”, declara o líder do SPD, defendendo que é a direita nacionalista que terá mais a ganhar com a vitória da Grécia no atual braço de ferro. Contudo, Gabriel absteve-se de fazer as mesmas previsões sobre quem irá ganhar num cenário de saída grega do euro.

O vice-chanceler alemão ataca ainda o ministro Varoufakis, ao referir-se aos “especialistas em teoria dos jogos no governo grego que estão a jogar com o futuro da Grécia e da Europa”. Na véspera, Varoufakis referiu-se a um custo na ordem de um bilião de euros que a zona euro iria suportar em caso de ‘Grexit’.


TSIPRAS: POR QUEM OS SINOS DOBRAM?




Primeiro-ministro grego adverte: não é Atenas que está em jogo; aceitar imposições da oligarquia financeira equivaleria a abolir democracia na Europa

Alexis Tsipras – Outras Palavras - Tradução Vila Vudu

Dia 25 de janeiro, o povo grego tomou decisão corajosa. Ousaram desafiam a austeridade rigorosa, que era como rua de mão única, e exigiram novo acordo. Vale dizer, novo acordo que permitisse à Grécia voltar ao caminho do crescimento – dentro da eurozona, e com programa econômico viável –, ao mesmo tempo em que se evitariam os erros do passado.

O povo grego já pagou preço pesado por aqueles erros passados. Em cinco anos, o desemprego saltou para 28% (e chega a 60% entre os mais jovens), e a renda média caiu 40%, o que fez da Grécia o estado da União Europeia com o mais alto índice de desigualdade social, segundo números do Eurostat.

Pior que isso, mesmo com o grande dano que causou ao tecido social na Grécia, aquele programa de nada serviu para devolver competitividade à economia grega, e a dívida pública inchou, de 124 para 180% do PIB. Apesar dos grandes sacrifícios que o povo grego fez, a economia do país continua mergulhada na mesma incerteza gerada pelos objetivos irrealizáveis da doutrina dos orçamentos equilibrados. Assim o país foi preso num círculo vicioso de austeridade e recessão.

O principal objetivo do governo grego ao longo dos últimos quatro meses tem sido pôr fim a esse círculo vicioso e a essa incerteza. Agora, mais que nunca, é necessário um acordo mutuamente benéfico que fixe objetivos realistas para o superávit orçamentário, ao mesmo tempo em que reintroduzimos um programa de desenvolvimento e investimento: uma solução definitiva para a situação grega. Sobretudo, tal acordo poria fim à crise econômica europeia que eclodiu há sete anos; e poria fim ao ciclo de incerteza na eurozona.

A Europa hoje tem capacidade para tomar as decisões que produzirão forte recuperação na economia grega e europeia, encerrando qualquer possibilidade de “Grexit.” Tal possibilidade é uma barreira à estabilização de longo prazo da economia europeia, e a qualquer minuto pode derrubar a confiança de cidadãos e investidores na moeda conjunta europeia.

Mesmo assim, há quem diga que a Grécia nada estaria fazendo para ajudar a avançar nessa direção, porque chega às negociações com atitude intransigente, e sem oferecer qualquer proposta. Mas será realmente assim?

Considerando-se que o momento que atravessamos, é de importância crítica, pode-se dizer, de importância histórica para o futuro da Grécia e da Europa, gostaria de oferecer o relatório correto, dando à opinião pública europeia e mundial um quadro responsável das reais intenções e posições do governo grego.

Depois da decisão de 20 de fevereiro do Eurogrupo, nosso governo apresentou inúmeras propostas de reformas, buscando um acordo que combine respeito ao veredicto do povo grego e às regras que governam o funcionamento da eurozona. Concordamos, especialmente, com superávits primários menores [o superávit orçamentário antes de pagarmos juros] para 2015 e 2016 e maiores para os anos seguintes, na expectativa de que os superávits crescerão correspondentemente às taxas de crescimento da economia grega.

Outra importante proposta foi nosso compromisso de aumentar a renda pública, aliviando a carga que pesa sobre cidadãos de baixa e média renda e aumentando-a para quem tenha renda mais alta, os quais, até agora, ainda não haviam sido convocados a arcar com a parte que lhes compete dessa crise, protegidos como sempre foram pelos dois lados: pela elite política de meu próprio país e pela troika que fechou os olhos a essa evidência.

Mais do que isso, desde seu primeiro dia no poder, o novo governo mostrou suas intenções e sua determinação, ao introduzir medidas legislativas para confrontar as fraudulentas transações triangulares, e ao intensificar controles fiscais e aduaneiros para suprimir o contrabando e a evasão fiscal. Simultaneamente, pela primeira vez em muitos anos o Estado grego cobrou as dívidas jamais resgatadas de proprietários de veículos de mídia.

Que o clima está mudado na Grécia, é óbvio. Prova-se também pelo fato de que as cortes aceleraram a tramitação dos processos, de modo que ações que envolvem evasão fiscal possam ser levadas mais rapidamente a julgamento. Oligarcas habituados a viver sob a proteção do sistema político têm hoje boas razões para se preocupar com as nossas medidas.

Durante as discussões com as instituições, nós não apenas expusemos nossa linha geral de marcha, mas também apresentamos propostas específicas. Cobrimos assim grande parte da distância que nos separou há alguns meses. Mais especificamente, o lado grego concordou com embarcar numa série de reformas institucionais, dentre as quais: reforçar a independência da Agência Grega de Estatísticas (ELSTAT); fazer intervenções para acelerar a administração da justiça; e intervenções nos mercados, para eliminar privilégios e distorções.

Além disso, embora nos oponhamos diametralmente ao modelo de privatização que as instituições pregam, porque não oferece nenhuma perspectiva de desenvolvimento e não transfere recursos para a economia real, mas sempre e só para o pagamento da dívida – e o qual, seja como for, não é viável –, aceitamos fazer algumas pequenas mudanças no programa das privatizações, para fazer prova de nossa intenção de caminhar na direção de uma reaproximação.

Concordamos também com fazer uma grande reforma do Imposto sobre Valor Agregado, simplificando o sistema e reforçando a dimensão redistributiva do imposto, com vistas a aumentar tanto a abrangência do imposto como as receitas.

Apresentamos propostas concretas para medidas que visar a um aumento suplementar da receita (imposto excepcional sobre os benefícios muito elevados, imposto sobre jogos de apostas online, aumento dos controles sobre grandes depositantes fraudadores, imposto especial sobre produtos de luxo, concorrência pública para concessões de radiotelevisão) que foram esquecidas, como por acaso, pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) durante cinco anos, dentre outras ideias.

Essas medidas visam a aumentar as receitas públicas, sem contribuir para a recessão, pois não diminuem ainda mais a demanda efetiva e não impõem novos impostos e taxas sobre rendas pequenas e médias.

Nos pusemos de acordo, para empreender uma grande reforma do sistema de segurança social, com unificação dos fundos de assistência social, supressão de disposições que autorizam concessão de aposentadorias antecipadas, aumentando assim a idade mínima para aposentadoria.

Devemos ter em conta que as perdas nos fundos de assistência social, que levaram à questão de como garantir-lhes viabilidade no médio prazo, são resultado de escolhas políticas pelas quais são responsáveis os governos gregos que vieram antes de nós, e principalmente a própria troika (diminuição dos fundos de reserva das caixas em 25 bilhões de euros, em razão do “Private sector involvement” em 2012; e sobretudo a taxa de desemprego muito elevada, que se explica quase exclusivamente pelo programa de extrema ‘austeridade’ aplicado à Grécia desde 2010).

Finalmente, apesar de nosso interesse em restabelecer imediatamente as normas europeias em matéria de direito do trabalho, que foi completamente desconstruído nos últimos cinco anos, sob o pretexto da competitividade, aceitamos pôr em andamento uma reforma do mercado de trabalho, depois de consultas com o Organização Internacional do Trabalho, e por ela validada.

Não mexer mais nas aposentadorias

Levando em conta tudo o que houve antes, podemos com razão nos perguntar por que os representantes das instituições insistem em repetir que a Grécia não apresenta propostas.

Por que continuar sem fornecer liquidez monetária à economia grega, agora que a Grécia demonstrou que pode cumprir suas obrigações exteriores, com o pagamento, a partir de agosto de 2014 de mais de 17 bilhões de euros do principal e de juros (cerca de 10% de seu PIB), sem financiamento externo?

Finalmente, qual é o interesse dos que vazam para a imprensa que não estamos nem perto de qualquer acordo, quando se sabe que qualquer acordo permitirá pôr fim à incerteza política e econômica que se vê no nível europeu e mundial, que se prolonga por causa da questão grega?

A resposta não oficial e alguns é que não estamos nem próximos de um acordo porque o lado grego mantém suas posições com o objetivo de restabelecer as convenções coletivas e recusa-se a diminuir ainda mais as aposentadorias.

Quanto a esses pontos, devo dar alguma explicações: no que concerne ao primeiro, a posição da Grécia é que a legislação do trabalho deve corresponder às normas europeias e não violar de modo flagrante a legislação europeia. Não pedimos nada de mais além do que vigora nos países da zona do euro. Nesse sentido, fizemos uma declaração com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

No que concerne ao segundo ponto, o das aposentadorias, a posição do governo grego é bem argumentada e lógica. A diminuição cumulada das aposentadorias na Grécia durante os anos do Memorando alcança já de 20% a 48%: atualmente, 44,5% dos aposentados recebem aposentadoria que está abaixo do limiar de pobreza relativa e, segundo os dados da Eurostat, 23,1% dos aposentados vivem em condições de risco de miséria e de exclusão social.

Essa situação, que resulta da política do Memorando, não é tolerável, nem pela Grécia nem por nenhum outro país civilizado.

É preciso pois falar das coisas como as coisas são: se ainda não chegamos a um acordo com nossos parceiros, não é por causa de nossa intransigência ou de posições incompreensíveis. A causa é, antes, a obsessão de alguns dos representantes das instituições, que insistem em soluções não razoáveis, mostrando-se indiferentes tanto ao resultado democrático das recentes eleições legislativas na Grécia como às posições de instituições europeias e internacionais que se dizem dispostas a demonstrar flexibilidade para respeitar o veredicto das urnas.

Por que aquela obsessão? Explicação fácil seria dizer que ela resulta da intenção de alguns representantes das instituições, interessados em encobrir o fracasso de seus programas e em conseguir, a qualquer preço, uma validação para eles. Não se pode além do mais esquecer que o FMI reconheceu publicamente, há alguns anos, que se enganou sobre os efeitos devastadores dos cortes de orçamento que foram impostos à Grécia.

Entendo que essa abordagem não basta para explicar tudo. Não creio que o futuro da Europa possa depender dessa obsessão de alguns atores.

As duas estratégias opostas da Europa

Concluo afinal que a questão grega não diz respeito exclusivamente à Grécia, mas encontra-se no centro de um conflito entre duas estratégias opostas sobre o futuro da integração europeia.

A primeira delas visa a aprofundar a integração europeia num contexto de igualdade e de solidariedade entre povos e cidadãos. Os que defendem essa estratégia partem do fato de que é inadmissível forçar o novo governo grego a aplicar as mesmas políticas dos gabinetes que deixam o governo e que, além do mais, fracassaram totalmente. É isso, ou teríamos de criar leis que suprimissem as eleições em todos os países submetidos a programa de austeridade.

Seríamos assim obrigados a aceitar que os primeiros-ministros e governos fossem impostos aos diferentes países pelas instituições europeias e internacionais, e que os cidadãos seriam privados do direito que hoje têm ao voto, até a “conclusão” de cada programa de austeridade. Eles são conscientes de que isso equivaleria a abolir a democracia na Europa, e ao início de uma ruptura inadmissível no seio da União Europeia. Enfim, tudo resultaria no surgimento de um monstro tecnocrático e no afastamento, da Europa, dos seus valores fundadores.

A segunda estratégia conduz à ruptura e à divisão da zona euro, e, com isso, da União Europeia. O primeiro passo nessa direção seria a formação de uma zona euro de duas velocidades, cujo núcleo central imporia as mais duras regras de austeridade e de ajustamento. Esse núcleo central imporia também um superministro de Finanças para a zona euro, que teria poder descomunal, com o direito de recusar orçamentos nacionais, mesmo de estados soberanos, que não estivessem conforme as doutrinas do neoliberalismo extremo.

Para todos os países que se recusassem a abrir mão desse poder, a solução seria simples e a punição, severa: aplicação obrigatória da austeridade e, mais que isso, de restrições aos movimentos de capitais, sanções disciplinares, multas e até a criação de uma moeda paralela ao euro.

É assim que o novo poder europeu procura construir-se. A Grécia é sua primeira vítima. Já é até apresentada como o mau exemplo que outros estados e povos europeus desobedientes não devem copiar.

Mas o problema fundamental é que essa segunda estratégia implica grandes riscos, que os que os que a apoiam parecem não levar em conta. Essa segunda estratégia corre o risco de ser o começo do fim, pois converte a zona euro, de união monetária, em simples zona de taxa de câmbio. Mas, mais do que isso, inicia um processo de incerteza política e econômica que poderia abalar o equilíbrio em todo o mundo ocidental, de cima abaixo.

Hoje, a Europa está numa encruzilhada. Depois das maiores concessões do governo grego, a decisão não está mais em mãos das instituições da troika – as quais, com exceção da Comissão Europeia, não têm representantes eleitos nem têm de prestar contas ao povo –, mas está em mãos dos governantes europeus.

Que estratégia predominará? A Europa da solidariedade, igualdade e democracia, ou a Europa da ruptura e, essencialmente, da divisão?

Se há quem pense, ou queira nos fazer crer, que essa questão diz respeito exclusivamente à Grécia, estão gravemente errados. É o caso de recomendar-lhes o grande trabalho de Ernest Hemingway, Por Quem os Sinos Dobram .

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