Desarmados
pelas finanças, governos veem-se impotentes, desgastam-se com rapidez, são
derrotados. Espalha-se uma tentação: e se saída estiver no ódio ao outro e nas
armas?
Immanuel
Wallerstein – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Alex Cherry
Foi
um mau ano para os partidos no poder que enfrentaram eleições. Eles vêm
sofrendo derrotas completas ou ao menos relativas. O foco tem se voltado
para as eleições em que os chamados partidos de direita
saem-se melhor — às vezes, muito melhor — que partidos no poder
considerados de esquerda. Exemplos notáveis são Argentina, Venezuela e
Dinamarca. Talvez possa-se acrescentar os Estados Unidos.
Menos
comentada tem sido a situação opostas: partidos no poder que são “de
direita” perdendo para forças de esquerda ou, ao menos, reduzindo
seu percentual e número de cadeiras em plano nacional e ou local. Isso é
verdade, de distintas maneiras, no Canadá, Austrália, Espanha, Portugal,
Holanda, Itália e Índia.
O
problema talvez não sejam os programas implementados pelos partidos, mas o fato
de que os partidos no poder estão sendo culpados pela má situação das
economias. Uma reação que vimos em quase todo lugar é o populismo xenófobo, de
direita. Outra reação é demandar mais — e não menos — medidas do Estado de
bem-estar social, conhecidas como “anti-austeridade”. Claro, é possível ser
xenófobo e anti-austeridade ao mesmo tempo.
Mas
quando um partido chega ao poder e precisa governar, espera-se que faça
diferença na vida de quem o elegeu. E se não consegue fazê-lo, pode enfrentar
reação severa nas eleições futuras, muitas vezes num breve prazo de tempo.
É o que o primeiro ministro Modi, da Índia, aprendeu quando, menos de um ano
depois de uma eleição nacional arrebatadora, seu partido teve mau desempenho
nas eleições provinciais de Nova Deli e Bihar, onde acabara de vencer.
Não
penso que essa volatilidade vá acabar tão cedo. A razão é bastante simples. Os
mantras neoliberais de crescimento e competitividade não são capazes de reduzir
significativamente os níveis de desemprego. Como resultado, podem forçar a
transferência de riqueza dos estratos mais baixos para os mais ricos. Isso é
muito visível e é o que leva à denúncia dos programas de austeridade.
A
reação xenófoba responde a uma necessidade psíquica, mas não leva à elevação do
nível de emprego, e portanto também não ao aumento da renda real.
Os eleitores podem então retirar esses partidos do poder, como podem
aqueles que lutam por objetivos de esquerda, como a elevação dos impostos
pagos pelos muito ricos. Por sua vez, os governos – de esquerda, centro ou
direita – têm menos dinheiro para as medidas de proteção social.
A
combinação desses elementos não é muito negativa apenas para aqueles que se
encontram na base da pirâmide de renda. Significa também o chamado declínio da
classe média – ou seja, a queda de muitas famílias para as fileiras dos
estratos mais baixos. Note-se, porém, que o modelo de eleições
parlamentares disputadas basicamente por dois partidos mainstream é
baseado na existência de um estrato de classe média numericamente grande,
pronto para deslocar seus votos leve e calmamente entre dois partidos de
centro, bastante semelhantes. Sem esse modelo funcionando, o sistema político
torna-se imprevisível, tal como estamos vendo agora.
Acabo
de descrever a cena intra-Estados. Mas há também a cena inter-Estados – o poder
global relativo dos diferentes Estados. Assim como deve-se olhar para os níveis
reais de emprego dentro de cada Estado, as taxas de câmbio entre as moedas são
a chave para avaliar o poder entre Estados. O dólar mantém-se no topo,
principalmente porque não há nenhuma boa alternativa no curto prazo. Contudo, a
moeda norte-americana não é estável, e está também sujeito a mudanças súbitas e
voláteis, assim como a um declínio relativo, no longo prazo.
Taxas
de câmbio caóticas significam que resta uma última solução, extremamente
perigosa, para reforçar o poder relativo entre Estados: a guerra. A guerra é ao
mesmo tempo intimidadora e remuneradora no curto prazo, ainda que seja
devastadora humanamente e leve à exaustão, no longo prazo. De modo que, quando
os Estados Unidos debatem como perseguir seus interesses na Síria ou no
Afeganistão, é muito forte a pressão para ampliar o envolvimento militar, ao
invés de reduzi-lo.
Não
é, em suma, um cenário bonito. A questão, para os partidos políticos, é que não
é um bom tempo para realizar eleições. Alguns partidos no poder estão começando
a julgar que não deveriam realizá-las, ou ao menos evitar eleições que sejam,
ainda que marginalmente, competitivas.
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