David
Pontes* – Jornal de Notícias, opinião
Então, digam-me lá outra vez porque é que os meios aéreos não são da responsabilidade da Força Aérea? Vá lá, mas expliquem-me devagarinho, como se eu fosse uma criança.
Os
anos de profissão, aliados à capacidade de prever os ciclos informativos ou
mesmo, simplesmente, o bom senso, permitem dizer que quem já viu este filme
sabe como ele acaba e o extraordinário seria que, desta vez, as coisas se
passassem de forma diferente. Este é o texto cansado de quem já viu muitas
vezes as chamas do debate público sobre incêndios erguerem-se para, em poucos
meses, se reduzirem ao silêncio das cinzas.
Cansado,
especialmente pelo nível de infantilização que o discurso público conseguiu atingir
nos últimos dias. Sim, eu sei que quem tem de levar diariamente com as
declarações de Donald Trump, com a discussão em torno do sol e do IMI ou teve
de perceber como se chegou ao Brexit, já se deveria ter habituado ao facto de a
tabloidização ser uma maleita global, alimentada de redes sociais e que nada
aponta para dias melhores.
Mas,
perante mais uma crise de incêndios, ouvir outra vez agitar o papão dos
incendiários, defendendo o aumento das penas, olhar, como fez o presidente do
Governo Regional da Madeira, para os meios aéreos como a panaceia milagrosa ou
descobrir agora que deveria existir prevenção ou ordenamento florestal, é
perceber que mesmo depois de tanta área ardida há quem não queira aprender
nada.
Será
que os políticos não podem fazer um voto de silêncio até ao fim da época de
incêndios, no que diz respeito a promessas? Acima de tudo, não nos tratem como
crianças. Nós sabemos que este é o país do eucalipto, do abandono do interior e
da decadência da agricultura. Nós vivemos no país onde a floresta entra pelas
povoações dentro e os proprietários não limpam terrenos, e já por cá andávamos
quando foi aprovado, em 2006, o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra
Incêndios. E, sim, nós também sabemos, mesmo que façamos de conta que não, que
temos um quadro legal duro para com os incendiários e que, mais do que com
mangueira, os incêndios se têm de combater de enxada e machado.
São
muitos assuntos e tudo baralhado, não é? Pois, a infantilização e a
tabloidização não gostam disso, preferem um tipo que pegou fogo à Madeira e já
está. Mas é assim a questão dos incêndios: complexa, com várias frentes e com
muitos anos de discussão em cima. Por isso, eu já não acredito em milagres e
ficava contente se, no fim disto tudo, me ajudassem a perceber e a resolver um
só assunto. Posso escolher? Então, digam-me lá outra vez porque é que os meios
aéreos não são da responsabilidade da Força Aérea? Vá lá, mas expliquem-me
devagarinho, como se eu fosse uma criança.
*Subdiretor
Sem comentários:
Enviar um comentário