domingo, 8 de maio de 2016

ÁFRICA: UNIDADE E INTEGRAÇÃO



Rui Peralta, Luanda

Muammar al-Qaddafi reiniciou a já muito tentada construção da unidade africana, baseado no modelo da União Europeia (U.E.). A visão política federal, pan-africana, previa uma União Africana (UA) com moeda única, passaporte único e um sistema defensivo militar africano. Os 54 Estados-membros da UA compartilham - de diferentes formas – esta visão e neste mês de Maio, de 11 a 13 em Kigali, Ruanda, a integração das economias africanas num espaço único africano é discussão, no âmbito do Fórum Económico Mundial.

Fronteiras abertas e liberdade de movimentos é um velho sonho dos sectores africanos mais progressistas, desde a criação do pan-africanismo, em inícios do século XX, até á proclamação das independências. No actual Fórum vão ser discutidos, em paralelo com a abertura de fronteiras e ao livre movimento de pessoas, mercadorias e capitais, o terrorismo (um medo que alimenta os que se opõem ás fronteiras abertas), os refugiados e emigrantes africanos além da crise grega, a hostilidade crescente á U.E., o Brexit e a construção da unidade europeia.

Para muitos sectores políticos e do mundo dos negócios africanos é importante seguir os acontecimentos que se desenrolam a Norte, em particular na Europa. A U.E. representa pouco mais de 7% da população mundial, mas gera cerca de 25% da produção mundial e a abertura das fronteiras europeias foi um factor-chave nesta situação de prosperidade. A construção europeia foi um facto acompanhado de perto pelos africanos, que observaram o passo-a-passo da integração europeia, que presenciaram as dificuldades, os desvios e os zig-zags do modelo europeu.

O pan-africanismo surge assente no modelo dos Estados Unidos de África, uma versão USA para África. Na década de 60 Nkrumah e os sectores políticos africanos mais progressistas assume um modelo de unidade africana assente na URSS. Ambos os modelos foram históricos, a sua construção não foi presenciada pelos africanos, e levantaram mais questões do que deram respostas. O modelo de construção da Europa, principalmente as suas vertentes técnicas, permitiu soluções que forma presenciadas ao vivo pelo continente africano. Foi a construção de um mercado integrado que surgiu diante dos nossos olhos, que nos permitiu solucionar alguns dos nossos problemas específicos.

Existe um crescente bom senso entre os muitos e diversificados proponentes de uma África sem fronteiras. A Agenda 2063 - uma plataforma, anunciada em 2013, sobre as políticas necessárias para a transformação do continente africano durante os próximos 50 anos – propõe estabelecer uma Área Continental de Comércio Livre em 2017, abolir os vistos para cidadão africanos em países africanos em 2018 e introduzir um passaporte africano. Este é um passo importante para tirar África da sua miséria e pobreza estrutural, um cenário – especifico das economias periféricas - que tem dominado o continente, consequência, em maior grau, do colonialismo e das politicas neocolonialistas a que África se tem submetido e, em menor grau, a questões como a falta de liderança, de vanguardas politicas, falta de visão politica, social e económica, lacunas nas integrações regionais e á fatal falta de confiança entre os Estados africanos.

Este processo de realização de uma África-Futuro, sem fronteiras no seu interior, é, no entanto, afectado por dois problemas que, de forma idêntica, afectam a U.E.: o terrorismo dos bandos fascistas islâmicos e o problema dos refugiados e da emigração. A estes há, ainda, que juntar as incipientes políticas de saúde pública no continente africano (que estão por detrás das grandes epidemias que afectaram o continente, como o Ébola, em 2014) e os problemas de fome e de subnutrição que afectam, hoje, uma constelação de países africanos, de norte a sul do continente.

Mas estes factores, apesar de aproveitados pelas forças internas e externas que se opõem (historicamente) a uma África Unida, não têm conseguido impedido que se caminhe, passo-a-passo, em direcção aos objectivos preconizados. Basta observar os números do investimento africano e não africano no continente, que tem crescido de forma impar e que contraria as visões mais pessimistas sobre o desenvolvimento africano. Ou o exemplo de países como o Ruanda, que duas décadas depois dos genocídios de 1994 (que ceifou a vida a mais de 800 mil pessoas) viu o seu PIB crescer (entre 2001 e 2015) a uma média de 8% ao ano, sendo actualmente, o segundo caso de maior crescimento em África, a seguir às Maurícias (que ocupa o primeiro lugar no ranking do crescimento africano).

O caso do Ruanda, um país que representava em teoria uma desvantagem impossível de contornar nas próximas décadas, é um exemplo de como atrair (e criar) investimento através de criação de plataformas regionais. Uma simples medida de desburocratização, como a ausência de vistos para ugandeses e quenianos (e um visto único para turistas que queiram visitar um dos países) permitiu incrementar o comercio fronteiriço em mais de 50%.

Mas existe ainda um factor que tem de ser ultrapassado. Os africanos continuam relutantes a efectuarem negócios entre si. Um relatório da ONU referia que o comércio intra-africano constitui apenas 14% do total do comércio continental (Na U.E. o comércio intra-europeu representa 61% do total comércio). Por outro lado um estudo do Banco Mundial revela que os custos do comércio intra-africano são os mais elevados do mundo, sendo mais elevados que o comércio interno da região do sudoeste asiático, uma das mais onerosas). Um camião de transporte de mercadorias que iniciasse o seu trajecto no Quénia e que passasse pela Tanzânia, Malawi, Moçambique, Zimbabwe, Zâmbia, Ruanda, Burundi, Uganda, RCA, Guiné Equatorial, Congo, RDC, Angola, Namíbia e África do Sul necessitaria de cerca de mil e 600 licenças e permissões e despenderia centenas de dólares nestas permissões, taxas e licenças. Os mesmos números seriam válidos para o Norte de África, ou para qualquer percurso que juntasse o Indico ao Atlântico.

Estes e outros condicionamentos periféricos (e ultraperiféricos) têm de ser vencidos e são barreiras a derrubar pelo continente. Mas não esquecer: estas são os primeiros obstáculos a derrubar e as primeiras batalhas a travar pelo desenvolvimento de África. O resto do caminho é longo….Mas de caminhos longos é feita a luta de libertação dos povos africanos.

Em Bolama, na Guiné-Bissau, médicos portugueses tentam mitigar problemas



Luís Fonseca, agência Lusa

Bolama, Guiné-Bissau, 08 mai (Lusa) -- Bolama é uma ilha da Guiné-Bissau, mas quase não há maneira de transferir um doente. Médicos voluntários portugueses perceberam isso quando transferiram Eurizanda, de 13 anos, que caiu de uma árvore enquanto brincava.

Quatro médicos do Centro Hospitalar do Porto estiveram dez dias na ilha para tentar resolver problemas pendentes de saúde local, como é o caso da menina, que sofreu ferimentos internos graves num rim e havia sido deixada, sem diagnóstico, numa cama do único hospital.

Só há um médico para 8000 habitantes e nem sequer é cirurgião. Mesmo que fosse, ali não há bloco operatório, nem meios de diagnóstico, nem análises.

A ilha foi capital da Guiné Portuguesa entre 1879 e 1941, depois de disputada com a coroa britânica. Hoje é um retrato de decadência, com edifícios históricos a cair aos bocados e um hospital sem condições para funcionar: não há eletricidade permanente, nem outros apoios e os enfermeiros, apesar de dedicados, não conseguem compensar as fragilidades.

A unidade de saúde já fechou há anos e o que agora se chama de hospital é o conjunto de pavilhões do antigo quartel português, do tempo colonial, onde quatro médicos do Centro Hospitalar do Porto passaram dez dias a dar oportunidades de sobrevivência a pessoas como Eurizanda João Adolfo.

Quando a equipa a descobriu numa enfermaria pediu transferência urgente para Bissau, para poder ser operada.

Eurizanda viajou na caixa aberta de uma "pick-up" para o cais, que se encheu de gente para assistir à transferência de um doente -- coisa rara, porque muitas vezes é mais fácil morrer que sobreviver nesta antiga capital.

Colocá-la dentro do barco foi uma aventura, porque no cais não há acesso para passageiros, é preciso saltar do pontão e tentar não cair ao mar. Por vezes, o caminho é saltar de umas canoas para outras.

Lá do alto, a rapariga foi levantada, esticada e dobrada de várias maneiras e chegou a Bissau uma hora depois, estendida no chão do barco, com um lençol apenas a protegê-la das ondas e com uma enfermeira idosa a segurar o soro.

Num outro canto do Hospital de Bolama, a pediatra Guilhermina Reis, 50 anos, olhava para as pernas de Salimo Salmané, de três anos: uma crosta cobria-as dos joelhos aos pés e crescia "há muito tempo", queixava-se o pai.

O espanto cresceu na sala, entre médicas e enfermeiras, quando disse que só agora se lembrou de levar o filho para observação e aumentou ainda mais quando Guilhermina se apercebeu que boa parte daquilo era sujidade acumulada que agravou uma infeção.

"Isto já é muita terra e pó. Era fácil de resolver com outras condições", desabafou, mas nada garante que, no contexto em que Salimo vive, haja água ou sequer consciência de que a limpeza deve ser diária.

Um cenário que leva o médico Carlos Vasconcelos, 64 anos, a concluir que aquilo que a equipa ali fez é importante, mas ao mesmo tempo "não é nada".

Geram-se sentimentos contraditórios. "Satisfação", mas também "raiva" porque é sabido "qual o caminho", que inclui formação e informação da população, só que falta esse objetivo ser abraçado "pelo poder".

"Quando estão mal, as pessoas não têm o hábito de ir a uma consulta. É preciso educar para criar essa rotina, porque há enfermeiros extraordinários aqui", acrescentam Sandra Xará, 43 anos, infeciologista, e Rute Alves, 29 anos, interna.

Em Bolama, nem sequer se fazem as análises ao sangue mais básicas que se realizam noutros pontos do país, o que prova o abandono da antiga capital.

Após dezenas de consultas, Sandra e Rute têm o diagnóstico feito: há graves problemas de hipertensão, que podem ser fatais, e muitas infeções sexualmente transmissíveis -- e faltam registos com o histórico de cada doente.

Natural da Guiné-Bissau, mas formado e residente em Portugal há vários anos, Ricardo Sanhá criou uma fundação com o seu nome através da qual, desde 2009, angaria fundos e financia viagens de médicos portugueses até ao país onde nasceu.

Com a missão que decorreu de 20 de abril a 06 de maio já lá vão onze e além da equipa deslocada até à ilha de Bolama, uma outra realizou 18 cesarianas no Hospital de Cumura, perto da capital, "que de outra forma se poderiam ter complicado".

LFO // PJA

Comunidade lusa em Pequim celebra Dia da Língua Portuguesa com fotografia e cinema



João Pimenta, da Agência Lusa

Pequim, 08 mai (Lusa) - Após sete anos em Pequim, André Ferreira está "adaptado" à cultura local, casou e, em breve, será pai, mas a sensação que teve, quando aterrou pela primeira vez na China, permanece até hoje.

"Monumental", diz, quando desafiado a descrever o país mais populoso do mundo numa só palavra. "As praças, as ruas, os edifícios, a quantidade de pessoas, tudo é em grande escala", afirmou.

André, que trabalha no desenvolvimento de plataformas multimédia, visitou Pequim pela primeira vez em 2008.

No ano seguinte, decidiu voltar para viver: "Tive a oportunidade de fazer um projeto por cá e, obviamente, agarrei-a".

Nascido em Luanda e criado em Lisboa, é um dos dez participantes da mostra de fotografias "O Olhar dos Portugueses na China", organizada pelo Clube Português de Pequim (CPP).

"Há partes da cultura chinesa que amo e outras de que gosto menos; com a fotografia tento guardar os aspetos de que gosto mais", explicou André à agência Lusa.

Aquela exposição reúne 23 fotografias e retrata a China desde da cidade de Kashgar, na região autónoma de Xinjiang, junto à Ásia Central, até Shaoxing, uma histórica vila na costa sudeste.

Inaugurada na sexta-feira, está patente até hoje no 'Modernista', um icónico bar situado num dos raros 'hutongs' - os típicos becos de Pequim - que não foram arrasados para dar lugar a construções em altura.

Aquele quarteirão, cuja origem remonta ao século XIII, tornou-se nos últimos anos o novo centro da movida de Pequim e, onde outrora se erguiam habitações acanhadas, surgem hoje cafés, bares e restaurantes.

"O objetivo da exposição é os portugueses darem a conhecer a China através dos seus olhos", vincou à agência Lusa João Teixeira, um dos quatro organizadores do evento.
Formalmente constituído em novembro passado, o CPP é a primeira associação cultural e recreativa portuguesa criada em Pequim, cidade onde residem cerca de 150 portugueses, na sua maioria jovens.

A par daquela iniciativa, o CPP organizou também uma mostra de filmes de Angola, Brasil e Portugal, inserida na agenda de comemorações do Dia da Língua Portuguesa e Cultura Lusófona, assinalado a 05 de maio.

As longas-metragens, exibidas este sábado no jardim de uma pousada no coração da capital chinesa, foram "Cinco dias, cinco noites", "O Emigrante", "O Auto da Compadecida", "Atrás das Nuvens" e "Chinês é Tudo Igual".

"É bom que a comunidade portuguesa e a sociedade civil se encarreguem também de uma parte da tarefa de promover a língua portuguesa aqui", enalteceu o embaixador de Portugal na China, Jorge Torres-Pereira.

Além de Pequim, também Xangai, a "capital" económica da China, situada na foz do rio Yangtse, passou no ano passado a contar com uma associação portuguesa.

Em Macau e Hong Kong, as duas regiões administrativas especiais da China, existem ainda a casa de Portugal em Macau e o Clube Lusitano.

O 05 de maio foi instituído como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura Lusófona há dez anos, numa cimeira dos oito países que constituíam então a CPLP (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste), e que têm, no conjunto, cerca de 250 milhões de habitantes.

JOYP // CSJ

Pró-democratas pedem demissão de chefe do Governo de Macau por alegada corrupção



A Novo Macau, a maior associação pró-democracia do território, acusa o líder do Governo local de "fraca integridade" e alegada corrupção pela atribuição de um apoio a uma universidade da China continental e pede a sua demissão.

As acusações, que o executivo já rejeitou, constam de uma petição colocada 'online' no sábado à noite e hoje apresentada numa conferência de imprensa pela Associação Novo Macau.

Em causa está a atribuição, através da Fundação Macau, de um apoio de 100 milhões de yuan (13,5 milhões de euros) à Universidade de Jinan.

A associação diz que a aprovação deste apoio foi feita sem conhecimento público e sublinha que o chefe do Governo de Macau, Fernando Chui Sai On, preside ao Conselho de Curadores da Fundação e é, em simultâneo, vice-presidente do Conselho Geral da Universidade de Jinan.

Para a Associação Novo Macau, Chui Sai On está, "sem dúvida, envolvido num conflito de interesses".

A associação apela para a assinatura, até segunda-feira, da petição que pede a demissão do chefe do executivo pela sua "fraca integridade e alegado envolvimento em corrupção" e promete novas ações se não houver resposta por parte do Governo.

Ainda antes de se conhecer o teor da petição da associação, o Governo de Macau emitiu um comunicado sobre esta questão, para esclarecer "rumores e acusações no seio da sociedade".

"O chefe do executivo foi convidado para desempenhar as funções de vice-presidente do Conselho Geral da Universidade de Jinan, não recebendo qualquer remuneração ou interesses, pelo que não existe tráfico de influências, tal como tem sido acusado", lê-se no texto.

Segundo a mesma nota, o apoio atribuído à universidade é para construir um edifício para o ensino na área da comunicação social no campus de Cantão e duas residências para estudantes de Hong Kong e Macau no campus de Panyu.

"Estas são instalações que beneficiam os estudantes locais, por isso, o Governo de Macau espera poder contribuir para o crescimento e o fortalecimento desses jovens, que após conclusão dos cursos, regressam e participam no desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Macau", acrescenta.

O Governo diz ainda que Macau "registou um desenvolvimento acelerado" desde 1999, quando a administração do território passou de Portugal para a China, e, "por isso, retribuir à pátria e contribuir para o desenvolvimento e educação do país é de facto um dever de Macau".

O executivo garante, por outro lado, que esta doação não afeta os apoios a instituições do território.

Também a Fundação Macau emitiu um comunicado no qual explica que desde 1999 "tem prestado, de uma forma adequada, apoio financeiro às zonas menos desenvolvidas do interior da China (...) para ajudar a construção das suas infraestruturas, luta contra a miséria e desenvolvimento educativo".

"Por outro lado, a fundação tem mantido uma estreita cooperação com as universidades chinesas de renome" e a Universidade de Jinan já formou cerca de 20.000 alunos de Macau, que beneficiam de uma "política de preferência" e apoio por parte da instituição de ensino, nomeadamente ao nível das propinas e beneficiando de bolsas de estudo.

A fundação garante ainda que "todos os procedimentos sobre a concessão de subsídios da Fundação Macau foram devidamente cumpridos" neste caso.

MP // CSJ - Lusa

Suspensão da ajuda externa vai ter um impacto "severo" em Moçambique - Economist



"A transparência orçamental é um processo politicamente conturbado em Moçambique, uma vez que os interesses empresariais dos principais políticos muitas vezes misturam-se com as suas responsabilidades públicas", escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista britânica 'The Economist'.

Numa nota de análise sobre a suspensão das ajudas financeiras dos doadores internacionais, que representam 12% do orçamento para este ano, mais de 300 milhões de dólares, os peritos dizem que os cortes eram "inevitáveis depois de ser conhecido em abril que o Governo escondeu empréstimos que não tinham sido previamente disponibilizados ao Fundo Monetário Internacional, doadores, Parlamento e público".

O impacto a curto prazo, considera a EIU, será "severo", e o Governo deverá compensar a quebra orçamental através de empréstimos nacionais, adiamento de projetos de desenvolvimento e medidas para cortar na despesa.

"Para além do impacto orçamental, num país com um sistema de clientelismo político profundamente enraizado, e num contexto de um rápido aumento do custo de vida, o impacto negativo da austeridade nos moçambicanos também vai aumentar o risco de instabilidade política", consideram os analistas da Economist.

Os doadores, acrescenta a EIU, não deverão sair por completo do país, por causa da pobreza generalizada e dos projetos de ajuda em curso, mas para retomarem o financiamento, "o Governo vai ter de demonstrar um nível de transparência orçamental que até aqui tem sido relutante em mostrar".

Com a dívida pública "insustentável" e a economia a abrandar para valores do princípio do século, "a necessidade de ajuda externa deve convencer o Governo a cumprir com as exigências dos doadores", conclui a EIU, alertando, no entanto, que "restaurar a confiança dos doadores no Governo vai ser um processo lento".

MBA // PJA - Lusa

Marcolino Moco. "Resgate" do FMI irá, "por certo, agravar" crise económica - Ex-PM angolano



O "resgate" do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola, à partida, "não vai nem resolver nem agravar" a crise económica angolana, mas o "mais certo é que a vá agravar", defendeu hoje o antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco.

Numa entrevista à agência Lusa, Marcolino Moco considerou que o "repugna" abordar as coisas de forma pontual e que tudo se deve a um "contexto africano" que promove a "exclusão", permitindo que quem está no poder "não deixe o lugar a mais ninguém".

A 06 de abril, o FMI anunciou que Luanda lhe solicitara ajuda externa face à quebra de receitas do petróleo, pedido que o ministro das Finanças angolano, Armando Manuel, negou, um dia depois, que constitua um "resgate", estando em curso discussões para determinar o montante.

"Repugna-me um pouco abordar as coisas do tipo pontual. Quem quiser ver a África a progredir não vale a pena perder tempo com essas questões pontuais. Não será este resgate que vai resolver ou agravar o problema de Angola. Vai oscilar, para um lado ou para o outro. O mais certo é que agrave", disse Marcolino Moco à Lusa.

"O próprio contexto africano está errado. A própria estrutura do Estado africano está errada. Há a exclusão. Quem chega ao poder, provavelmente está conotado com um grupo específico, não deixa lugar a mais ninguém", acrescentou.

Para Marcolino Moco, o problema da exclusão da maioria angolana é provocado "por meia dúzia de pessoas, família do Presidente da República (José Eduardo dos Santos), isso não é novidade, e governantes", alguns deles generais que, disse, já não o deveriam ser por exercerem funções ministeriais.

"São esses que efetivamente preocupam. Depois há aqueles que enriqueceram naquelas circunstâncias da guerra (terminou em 2002) e hoje têm empreendimentos em Angola. Podem ter empreendimentos fora, mas não são tão impactantes, ao ponto de condicionar governos. Governos não. Condicionou sobretudo o Governo português. Isso é, efetivamente, só a família presidencial e pouco mais", acusou.

Marcolino Moco escusou-se a aprofundar o tema das relações entre o BPI e o Caixa Bank - "não sei o que vou achar porque não sei o que vai na cabeça dela (Isabel dos Santos), mas defendo que ela devia submeter-se às regras" - e entre o Banco Nacional de Angola (banco central) e o BFA - "sobre o BNA conhecemos pouco, pois é um instrumento de poder".

Sobre o poderio da empresária Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, o antigo chefe do Governo angolano lembrou que, hoje em dia, "já ninguém a incomoda" para saber de onde vem tanta riqueza.

"Isso já todos deixaram cair. De tanto isso ser ostensivo, caiu na rotina. Admira-me que a Isabel dos Santos não para, nem em Angola nem sobretudo em Portugal, que estava a abrir os olhos e não sei se agora começa a pôr um certo refreio. Contrariamente a outros Estados, como França Estados Unidos e Inglaterra. Agora começa-se a sentir algum travão, com o caso BPI", disse.

"Em Angola, Isabel continua a não parar. Recebeu as obras da cidade de Luanda e uns tantos milhões, enquanto há problemas sérios com os hospitais, com as cidades, que infelizmente são governadas a partir do problema da centralização. Mesmo perante esta situação, Isabel continua a somar e a seguir. O Benfica some e segue, mas agora digo a Isabel soma e segue", frisou.

"Há mortos nos hospitais, os cadáveres não cabem nas morgues e ela abre grandes centros comerciais, recebe de mão beijada obras para estradas que não têm validade imediata. O que se passa nos bairros de Luanda é uma calamidade", concluiu.

JSD // PJA - Lusa

Marcolino Moco. Ex-PM de Angola pergunta se Portugal deve "angolanizar" justiça



O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco considerou hoje à agência Lusa que a declaração "mirabolante" do ex-vice-primeiro-ministro português Paulo Portas sobre o risco de "judicialização" das relações luso-angolanas constitui uma vontade de "angolanizar a justiça" portuguesa.

Numa entrevista, em Lisboa, Marcolino Moco salientou que essa é a "tradução" que faz das palavras proferidas por Paulo Portas ainda na qualidade de governante português durante um período tenso nas relações luso-angolanas e que envolviam investigações de atos alegadamente ilícitos de altas personalidades de Angola.

"Nunca se perguntou de onde saiu tanto dinheiro para uma família comprar bancos, outros setores estratégicos de Portugal. Isso era importante saber", disse, aludindo à recente diretiva do Banco Central Europeu (BCE), que exigiu a Lisboa menor exposição financeira a capitais angolanos.

"Há pouco tempo, ouvimos aquela palavra mirabolante de Paulo Portas, que disse que «Portugal não deve judicializar a relação» (com Angola), o que eu traduzo por «Portugal deve angolanizar a sua justiça». Quando vierem para Portugal assuntos relacionados com Angola, Portugal abandona a sua regra de diamante, que é a de separação do poder político e judicial", comentou Marcolino Moco.

Para o também primeiro secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, 1996/2000), os grandes empresários angolanos, "que são poucos", são "muito próximos do presidente (de Angola, José Eduardo dos Santos) e até parentes", dando como exemplo o caso de Isabel dos Santos, filha do chefe de Estado.

"Fala-se todos os dias na Isabel (dos Santos), que agora tem o nome de «Princesa», e percebemos bem a questão de que estou a falar. Há uma certa animosidade, e como tudo isso é acompanhado por um poder efetivo desta classe tão restrita em Angola", sustentou.

Segundo Marcolino Moco, há uma "manipulação de conceitos" em torno das relações luso-angolanas, sobretudo por parte de Luanda, que "politiza" problemas que existem entre pessoas e empresas, lembrando que, há alguns anos, "alertou" para a "permissão" portuguesa de vender setores estratégicos a empresários angolanos.

"Já tinha alertado que essa permissão de Portugal de vender setores estratégicos a «angolanos» - por que não são uma classe empresarial verdadeira, são homens e mulheres do poder, que se eternizam no poder -, havia de custar a Portugal. Acho que não me enganei, porque é justamente isso que está a acontecer hoje", referiu.

"Perguntei, então, se a UE (União Europeia) não tinha uma forma de ajudar Portugal a livrar-se desta situação que iria criar problemas. Ninguém me ouviu na altura. Era a altura do entusiasmo, do maná, mas nunca entendi que se chamasse crescimento económico à valorização, que tinha sempre de ser temporária, de um produto único para um país. Nunca entendi", sublinhou Marcolino Moco.

O "milagre económico" de Angola era, porém, a frase mais destacada de então, acrescentou, o que permitiu que as coisas chegassem ao ponto de qualquer problema de negócios ser logo elevado ao nível de relações entre Estados.

"O que é mais curioso, algo masoquista, é que alguma elite portuguesa acha que deve ser assim. Que os tais «angolanos» devem exigir tudo o quiserem perante Portugal, como se Portugal tivesse alguma culpa", argumentou.

"Agora estamos nesta situação e parece que Portugal já começa a sentir que a relação com África não pode continuar com esta relação do tipo «chico-esperteza», mas sim numa base de respeito para os povos", concluiu

JSD // pja - Lusa

Portugal. MAIS TRÊS BANCOS A SEREM RESGATADOS




Pode haver "mais três bancos na linha para serem resgatados", declarou João Salgueiro em entrevista à Antena 1. 

O ex-ministro das Finanças e ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos considerou que se trata do BCP, da CGD e de "um banco mais modesto", os quais "podem ficar caríssimos para os contribuintes". 

João Salgueiro defende a nacionalização do Novo Banco e recusa que sejam aceites ordens de Bruxelas contra a recapitalização da CGD. "Há empresas públicas em França e na Alemanha. Então agora é proibido ter empresas públicas?", questiona Salgueiro.

Resistir.info

Portugal. DISSENSOS E COMPROMISSOS



Carvalho da Silva* - Jornal de Notícias, opinião

Por que têm surgido em catadupa apelos a consensos, feitos por atores políticos e comentadores, depois de anos em que as decisões se tomavam impunemente, sem discussão, com base no argumento da inevitabilidade e da inexistência de alternativa? Porquê este coro agora quando a existência do Governo e a possibilidade de este executar políticas geradoras de esperança e de um pouco de justiça dependem de um exercício contínuo de diálogo e de uma postura dinâmica e ofensiva, nos planos interno e europeu? Será porque se vai constatando o fracasso das políticas que nos foram impostas e se pode vir a confirmar que afinal há alternativas? Talvez porque esperam que a pressão a favor dos consensos dilua essas alternativas, as dissolva num caldo de ideias feitas em que tudo se conserva - de acordo com interesses e relações de poder que subjugam o povo - e nada se transforma.

Há consensos desejáveis? Sem dúvida! Sobre as questões centrais que definem a nossa vida coletiva! Mas antes que os consensos se formem, é indispensável que as diversas opiniões e opções surjam à luz do dia. A pressão no sentido dos consensos tenderá a sufocar a expressão aberta das opiniões e a consideração dos prós e contras das opções em confronto.

A Direita política e dos negócios não gosta de ser obrigada a apresentar com clareza as suas propostas. Não gosta de ser sujeita à prova da justificação. Prefere as inevitabilidades, prefere a "realidade do pragmatismo que vence a ideologia", porque lhe permite vender gato por lebre.

A Direita não gosta de colocar a nu o que tem a propor nas políticas de saúde. Diz que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é consensual, mas acrescenta à socapa que "infelizmente é insustentável". Na sua perspetiva, o bom SNS seria um sistema residual para quem não pode pagar seguros de saúde, deixando tudo o resto para o privado: saúde de qualidade só para quem a puder pagar.

A Direita não gosta de dizer o que pensa do sistema de pensões; limita-se a lamentar que "o sistema atual é insustentável". No terreno, anda empenhada em impor um serviço público de pensões residual e "plafonado" para quem não pode investir em PPR e um sistema privado para quem consegue poupar ao fim do mês. A Direita não diz o que pensa do ensino público: limita-se a catalogá-lo "de má qualidade". Mas analisando o que vem reivindicando no terreno, vemos que quer um sistema maioritariamente privado, financiado por dinheiros públicos, em que as escolas privadas possam ficar com o privilégio de escolher direta ou indiretamente os seus alunos, liquidando o ensino público universal e de qualidade.

A Direita esconde quanto pode as suas propostas de precarização do trabalho e de abaixamento dos salários, apresentando-as, cinicamente, como contributo para a criação de emprego e para melhorar as condições das jovens gerações.

A Direita tem consciência de que se expuser abertamente as suas propostas corre o risco de a esmagadora maioria dos portugueses as considerar aberrantes. Quem quer viver num país ainda mais desigual, em que o acesso à saúde, às pensões e à educação depende do recheio da carteira e em que a segurança da provisão, mesmo de quem pode pagar, dependa de estratégias financeiras de companhias de seguros e de outros fundos de investimento?

O grande consenso nacional a exigir é sobre o regime democrático em que queremos viver. Esse está consagrado na Constituição da República que tem o apoio generalizado dos portugueses. É preciso compromissos sérios, feitos a partir de interpretações diferenciadas, para a sua efetivação em diversas áreas, e não consensos para a submeter ao "estado de exceção económico-financeira", ou à mercadorização do trabalho e das nossas vidas.

Andas na política? Ao que vens? Estas devem ser as perguntas prévias a fazer aos partidos e a todos os atores políticos, obrigando-os a expor com clareza as suas opções e os dissensos entre elas. Depois disso, com transparência e participação cidadã, negociem-se e construam-se compromissos.

Não mobilizemos os nossos afetos para condescendermos perante consensos que nos tolhem o futuro coletivo.

*Investigador e professor universitário

Portugal. NOVO APOIO A DESEMPREGADOS



Os desempregados de longa duração vão contar com um novo apoio. Em causa está uma prestação financiada por impostos destinados a desempregados de longa duração que deixaram de receber o subsídio social de desemprego há cerca de um ano (360 dias). Tem o valor de 80% desse último subsídio e o valor máximo de 335,4 euros por mês, durante seis meses. No entanto, a atribuição desse apoio está dependente da prova de rendimentos e só se aplica a quem apresente rendimentos realmente baixos. 

À semelhança do que acontece com o subsídio de desemprego, os desempregados têm de aceitar e cumprir o plano pessoal de emprego, aceitar emprego considerado conveniente, programas ocupacionais ou formação profissional, por exemplo. Estão também sujeitos a apresentação quinzenal. O incumprimento destas obrigações pode implicar a perda do subsídio.

Os beneficiários deste apoio serão contactados pela Segurança Social. Esta medida, de acordo com o Programa Nacional de Reformas, deverá abranger 70 mil pessoas até 2020, tendo um custo de 449 milhões de euros nesse horizonte.

Sónia Peres Pinto – jornal i

Portugal. JORGE SAMPAIO DESMENTE DURÃO BARROSO



O antigo primeiro-ministro disse numa entrevista à SIC e ao Expresso que o então chefe de Estado tinha concordado com a cimeira das Lajes. Sampaio esclarece os contornos dessa conversa com Barroso.

Num artigo de opinião publicado no jornal Público, Jorge Sampaio começa por realçar as "diferenças de posição" que tinha com o então primeiro-ministro em relação a uma intervenção no Iraque.

"A convicção certa, com que então ficara, de que o Iraque se viria a tornar num fator de polarização PR versus PM, foi-se adensando", escreve o antigo Presidente da República, acrescentando: "Para mim, não era menos premente a necessidade de gerir esta divergência de forma adequada, sem a tornar num fator de vulnerabilização do funcionamento regular das nossas instituições".

"Sobre a Cimeira em si, e o processo que levou à sua realização nas Lajes - e não em Washington, Londres, Barbados e Bermudas, como terá sido ventilado -, a verdade é que a literatura internacional lhe dá pouca ou nenhuma importância e não tendo eu tido conhecimento dos preparativos, pouco posso dizer", continua Sampaio, recordando um telefonema de Durão Barroso, no dia 14 de março, pedindo uma reunião de urgência: "Para minha estupefação, tratava-se de me informar que havia sido consultado sobre a realização de uma cimeira nos Açores, essa mesma que, nesse mesmo dia, a Casa Branca viria a anunciar para 16 de Março, daí a pouco mais de 48 horas... Não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos; e também não é necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar atos de política externa".

O antigo chefe de Estado remata: "Transmiti claramente que tratando-se, como o meu interlocutor afiançava, de uma derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque nada teria a opor. Em relação a tudo isto, muito mais poderia recordar, para além da fotografia conhecida que registou um dos momentos mais gravosos deste século, quer seja sobre o papel de Portugal na dita Cimeira, sobre as conclusões da mesma ou ainda sobre tudo o que se seguiu e o início da guerra".

Durão Barroso disse, em entrevista à SIC e ao Expresso, que consultou Jorge Sampaio, então Presidente da República, tendo este concordado com a realização da Cimeira das Lajes, que esteve na origem da invasão do Iraque. "Sim. Foi a única pessoa que eu consultei antes de tomar a decisão final. Depois de me ter sido proposto isso pelos outros países", disse o ex-presidente da Comissão Europeia.

"Aliás, na altura, com o apoio do parlamento português e com o apoio do Presidente da República de Portugal, o dr. Jorge Sampaio, que expressamente disse que sim, que concordava. Foi a única pessoa que eu ouvi antes", acrescentou José Manuel Durão Barroso numa entrevista que foi publicada na revista E do jornal Expresso e também divulgada pela SIC.

A 16 de março de 2003, reuniram-se na ilha Terceira, na base das Lajes, nos Açores, o Presidente norte-americano, George W. Bush, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, o primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, tendo sido recebidos pelo então primeiro-ministro português, Durão Barroso.

A reunião, conhecida como Cimeira das Lajes, levou, quatro dias depois, na madrugada de 20 de março, ao início da intervenção militar no Iraque.

Bárbara Baldaia com Lusa, em TSF – Foto: Steven Governo / Global Imagens

IRAQUE, EVOCAÇÕES PRESIDENCIAIS - Jorge Sampaio



Jorge Sampaio – Público, opinião

Costuma dizer-se que a memória é selectiva e que os relatos históricos são reconstruções narrativas, que não dispensam nem uma parte de interpretação nem alguma subjectividade. Até poderá ser assim, mas as chamadas fontes em história permitem colmatar lacunas e reconstituir factos passados. Posto isto, inspirado pela leitura dos semanários de fim de semana, atrevo-me a fazer uma breve revisitação dos anos 2002-2003 deste século, determinantes que foram para o caos que hoje se vive no plano internacional. Refiro-me ao Iraque.

Sendo certo que já em 2001 estava na agenda internacional, e sobremaneira na americana, em Portugal, a questão do Iraque só emerge no quadro dos contactos que então mantinha com o primeiro-ministro no início de Setembro de 2002. Lembro-me, concretamente, de uma extensa conversa telefónica sobre a matéria, a 9 de Setembro, aquando do seu regresso de um encontro na Sardenha, com congéneres europeus, durante o qual se teria desenhado com maior clareza a possibilidade, apoiada por ingleses, espanhóis e italianos, de uma intervenção no Iraque, mesmo sem mandato das Nações Unidas.

Recordo bem esta conversa não só por ter marcado a introdução da questão do Iraque na agenda interna, de que passou a ser um ponto recorrente, como por ter revelado ab ovo [de início] as diferenças de posição entre mim e o chefe do executivo. Este, para além de então ter esgrimido o argumento do interesse nacional, que seria o de preservar o elo atlântico no contexto europeu, mencionou ainda que lhe custaria ver certos países do lado dos EUA e Portugal com uma posição diferente – pensando porventura em Espanha –, não sem que, a rematar, me tivesse lembrado que cabia ao governo a condução da política externa, um preceito constitucional que me não ocorreria desrespeitar, mas que me não impedia de emitir opiniões, um direito que a Constituição igualmente reconhece ao Presidente.

A convicção certa, com que então ficara, de que o Iraque se viria a tornar num factor de polarização PR versus PM, foi-se adensando e tornou-se evidente no nosso encontro semanal de 19 desse mês, depois de uma intervenção do primeiro-ministro no Parlamento. Mas, para mim, não era menos premente a necessidade de gerir esta divergência de forma adequada, sem a tornar num factor de vulnerabilização do funcionamento regular das nossas instituições.

O último trimestre de 2002 foi marcado pelo peso crescente da questão do Iraque, quer no plano internacional – fosse das Nações Unidas, em que se deve destacar a aprovação da Resolução 1441 de 8 Novembro ou da NATO, tendo-se realizado a Cimeira de Praga nessa altura –, quer no europeu, com declarações recorrentes no âmbito dos Conselhos de assuntos gerais e das relações externas, reiterando o apoio ao teor da Resolução 1441 e o apelo ao “desarmamento do Iraque no que respeita às armas de destruição maciça”.

No entanto, a verdade é que a unanimidade que parecia subjazer a estas declarações, foi-se estiolando à medida que nos bastidores se intensificaram os indícios de que haveria uma iniciativa militar em preparação. Dentro desta lógica, a procura pelos EUA de apoios levou a uma clara polarização entre os parceiros europeus, de resto ao arrepio das opiniões públicas europeias que manifestaram uma rara unanimidade contra um conflito armado.

A divisão europeia tornou-se óbvia com, por um lado, a tomada de posição conjunta de Chirac e Schröder (22 de Janeiro de 2003) sobre a oposição a qualquer acção militar sobre o regime iraquiano e a chamada “carta dos Oito”, publicada a 30 de Janeiro, que, na véspera, o primeiro-ministro me informara ir assinar, embora sem me mostrar o texto, mas que enquadrou com argumentos semelhantes aos que viria a expender no Parlamento a 31 de Janeiro – ou seja, basicamente que para Portugal a neutralidade não era opção. Entre Fevereiro e Março desse ano, convoquei o Conselho de Estado por duas vezes e todas as intervenções públicas que fiz, designadamente na Declaração ao país a 19 de Março, já depois da Cimeira das Lajes, deixei sempre clara a importância de preservar o papel do multilateralismo na construção da paz e na resolução dos conflitos, bem como o da desejável unidade e autonomia europeias em matéria de política externa.

Sobre a Cimeira em si, e o processo que levou à sua realização nas Lajes – e não em Washington, Londres, Barbados e Bermudas, como terá sido ventilado –, a verdade é que a literatura internacional lhe dá pouca ou nenhuma importância e não tendo eu tido conhecimento dos preparativos, pouco posso dizer. No entanto, quero recordar aqui o telefonema que, pelas 7 da manhã de 14 de Março, recebi do primeiro-ministro, solicitando-me uma reunião de urgência. Para minha estupefacção, tratava-se de me informar que havia sido consultado sobre a realização de uma cimeira nos Açores, essa mesma que, nesse mesmo dia, a Casa Branca viria a anunciar para 16 de Março, daí a pouco mais de 48 horas… Não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos; e também não é necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar actos de política externa.

De qualquer forma, transmiti claramente que tratando-se, como o meu interlocutor afiançava, de uma derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque nada teria a opor. Em relação a tudo isto, muito mais poderia recordar, para além da fotografia conhecida que registou um dos momentos mais gravosos deste século, quer seja sobre o papel de Portugal na dita Cimeira, sobre as conclusões da mesma ou ainda sobre tudo o que se seguiu e o início da guerra. Por falta de espaço, não o farei aqui hoje, mas, poderá o leitor interessado por esta questão recorrer ao trabalho sério de Bernardo Pires de Lima, A Cimeira das Lajes (2013), cuja leitura vivamente recomendo.

À laia de conclusão, quero sublinhar três pontos: o presidente tem o direito constitucional a mostrar a sua discordância perante a condução da política externa e não está obrigado a acatar, sem intervenção e passivamente, decisões assumidas pelo Governo; no caso que aqui nos ocupa, entendo ter conseguido uma posição equilibrada pois, por um lado, evitei de facto abrir um conflito institucional que em nada serviria o país, mas, por outro, ao me opor ao envio de tropas para o Iraque, afirmei decisivamente o papel efectivo do presidente como comandante supremo das Forças Armadas; quanto ao mais, quero reafirmar um princípio de natureza geral, é que na política como na vida, importam tanto os resultados como os processos, pelo que a estratégia dos factos consumados contribuem pouco para reforçar a confiança mútua que é o cimento dos laços sociais e do funcionamento das instituições em democracia.

*Presidente da República, 1996-2006

TTIP – EM PORTUGAL TAMBÉM HÁ OS QUE VENDEM A ALMA AO DIABO (EUA)



O TTIP na baila. Já aqui o abordámos em IGNORÂNCIA? QUEREM LÁ SABER? TIIP VEM PARA APRENDERMOS A MAL?, inserido numa referência do Expresso Curto que nos “alimenta” de atualidade e compilamos. 

O referido tratado é mais uma trama para nos tramar. Por isso pode ler no título acima que “Os EUA são a insaciável sanguessuga do mundo, os EUA são o mercado e a Alemanha também. Em menor escala mas também. São pátrias do cifrão a que muitos se vendem e obedecem em troca de côdeas e aveia de bestas geneticamente preparada para alimentar traidores.”

O jornal Público abraça hoje o malfadado tratado em “manobras” com a UE, um trabalho de Paulo Pena que aqui trazemos. Que a esquerda da AR está dividida? Pois, é natural. O PCP e Bloco dizem não e o PS continua a comer a aveia que a mão do império norte-americano lhe oferece para que abra as portas para nos levar a abrir as pernas. Com gente assim… Estamos mesmo tramados. Como está elaborado o TTIP é fácil de prever que vai eclodir uma bomba enorme na UE (mais uma) e que quem se vai tramar são os cidadãos. É o senhor Mercado a mandar naqueles que se rendem ou que se vendem. Em Portugal também há os que vendem a alma ao diabo que os EUA personificam. Então não?

Aqui tem, do Público. (MM / PG)

Acordo comercial entre UE e EUA divide maioria governamental

Bloco e PCP rejeitam o TTIP que está a ser negociado entre a Comissão Europeia e os EUA. O PS apoia a negociação em curso. Antigo responsável pela pasta, do PSD, diz que um falhanço das negociações "custará caro à Europa"

Transatlantic Trade and Investment Partnership. Este é um daqueles temasem que a maioria de esquerda concordou em discordar. As posições são claras. O Bloco tem já um rascunho de resolução para rejeitar o acordo no Parlamento, caso este venha a ser alcançado nas reuniões entre a Comissão Europeia e os EUA, que já vão na 13ª e inconclusiva ronda. A deputada Carla Cruz, do PCP, afirma ao PÚBLICO que, "obviamente", o partido "votará contra a ratificação por parte de Portugal".

Em nome do Governo, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, que é a responsável pelo acompanhamento deste assunto, e representa Portugal no Conselho do Comércio, lembra que "o programa de governo é claro": "Deve ser apoiada a negociação do TTIP (… ) respeitando os valores constitutivos do modelo económico e social europeu e garantindo-se a defesa dos interesses nacionais no quadro da negociação”. Margarida Marques acrescenta, ao PÚBLICO, que "o TTIP não faz parte dos acordos assinados entre o PS, o BE, o PCP ou o PEV".

Ainda é cedo para antecipar se esta vai ser, como no passado aconteceu com as normas orçamentais que garantiam a participação portuguesa nos mecanismos internacionais de financiamento dos programas da troika na Grécia, uma matéria para um jogo de nervos em que o PSD e o CDS serão chamados a fazer de "bombeiros" de serviço para aprovar medidas que dividem a maioria parlamentar que apoia o Governo. Mas essa parece ser a única solução possível, havendo acordo.

Para já, os sinais desta divisão na maioria de esquerda são visíveis na actividade parlamentar. "O TTIP provocará danos ao nível do ambiente, alimentar, trabalho e emprego, serviços públicos, colocando em causa um modelo social e económico equitativo e justo, que salvaguarde as pessoas em detrimento dos interesses das multinacionais", lê-se no preâmbulo de um requerimento enviado ao Governo pelos deputados do BE Pedro Filipe Soares e Isabel Pires. A resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que chegou no dia 29, procura desmontar os argumentos do Bloco. 

Na mesma linha, Margarida Marques garante ao PÚBLICO que "há uma garantia suficiente de que os padrões da UE em matéria de protecção das pessoas e do ambiente serão preservados, assim como o direito de cada uma das partes de regular no interesse público". Essa é, continua a governante, a "linha que Portugal tem apoiado na negociação da generalidade dos acordos de comércio livre com outros parceiros". "Nenhuma outra solução seria, aliás, aceitável para Portugal nem para os restantes Estados-membros."

No entanto, essas garantias não convencem os parceiros do PS no Parlamento. Carla Cruz acusa o TTIP de, "a concretizar-se", encerrar "sérias ameaças para os direitos sociais e laborais, diversos sectores da economia nacional, para a saúde pública, a qualidade ambiental e as condições naturais, para a democracia e a soberania nacional".

Em Portugal existem, além do BE e do PCP, conhecidas reservas em várias ONG. A Quercus e a Oikos encabeçaram um movimento que expressou a sua oposição ao TTIP, um acordo que, na opinião destas organizações, "reduzirá substancialmente os padrões europeus de defesa do consumidor, de defesa do ambiente e da natureza, da segurança e soberania alimentares, dos direitos laborais e sindicais, e dos direitos à privacidade e liberdade de utilização da internet”.

Negociação em risco?

Mas nem todas a críticas vão no mesmo sentido. Bruno Maçães, que foi o anterior responsável pela pasta dos Assuntos Europeus, aponta ao actual Executivo uma falha diferente: "Noto que o Governo não tem qualquer interesse no tema." Respondendo ao PÚBLICO da China, onde se encontra, o ex-governante refere que é ali, na China, que se vê "bem o contraste com a falta de ambição europeia", e lembra que Portugal estava entre os países da UE que mais se batiam pela conclusão das negociações. "Éramos um dos líderes do processo, perdemos isso", lamenta Maçães.

O lançamento das negociações do TTIP foi um dos pontos de que Durão Barroso mais se orgulha do seu mandato de Presidente da Comissão Europeia. "Tive a honra de ter lançado o TTIP", afirmou, recentemente, numa conferência em Lisboa. Mas o seu sucessor, Jean-Claude Juncker, optou por uma estratégia mais dura nas negociações com os EUA.

Um dos pontos que a nova Comissão fez questão de alterar foi a polémica cláusula de arbitragem das disputas legais entre os Estados e as empresas. Os EUA insistiam que o mecanismo usado fosse o das actuais ISDS (Investor-State Dispute Settlement). O anterior Governo concordava com a existência deste mecanismo, que permite às empresas processar os Estados, caso se verifiquem alterações legislativas que mudem os termos em que foi feito o investimento. Muitos desses processos são polémicos (companhias petrolíferas americanas processaram o Canadá por ter proibido o método da facturação hidráulica para a exploração de hidrocarbonetos; tabaqueiras processaram o Uruguai e a Austrália por aprovarem legislação anti-tabágica).

A Comissão desistiu deste mecanismo e passou a exigir aos EUA um método diferente: "Um sistema judicial público em matéria de investimentos, composto de um tribunal de primeira instância e um tribunal de recurso." Ainda não é conhecida a posição dos EUA, mas este é um dos vários pontos que entravam as negociações.

Outra das críticas centrais é a que acusa a UE e os EUA de prosseguirem uma negociação "secreta". Margarida Marques relativiza: "Os Governos têm informado regularmente o Parlamento, quer em plenário, quer em comissões especializadas, ou mesmo através da resposta a perguntas parlamentares. Para além disso, existe já um 'sala de leitura', na linha do que está previsto nesta negociação, acessível aos deputados e aos funcionários da Administração Pública, para que possam ter acesso aos documentos da negociação." Para a secretária de Estado, "as negociações internacionais, sejam elas comerciais ou não, são pautadas por um espírito de reserva que pode causar apreensão, tendo em atenção todas as matérias que estão em cima da mesa. Como resposta a essa critica, a Comissão Europeia criou um portal onde todos os cidadãos podem aceder aos documentos disponíveis".

Os deputados do BE têm uma versão diferente: "Em junho de 2015, os deputados portugueses foram convidados a consultar o texto do TTIP na sala de leitura da embaixada dos EUA, para onde só poderiam levar um lápis ou caneta, obrigando-os a aceitar o sigilo em relação ao mesmo e impedindo a sua transcrição."

Num ponto parece haver consenso. Caso não haja uma conclusão das negociações em 2016 (durante o mandato de Obama), "o processo poderá sofrer um atraso substancial", reconhece o Governo na resposta que deu aos deputados do BE. Maçães não acredita que até ao fim do ano possa haver acordo – "não, não creio". E adverte que isso "custará caro à Europa".

Paulo Pena - Público

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