sábado, 2 de julho de 2016

PROVAS MAIS QUE EVIDENTES DO CHOQUE NEOLIBERAL!




ESTA FOI UMA DAS MAIS DRAMÁTICAS PROVAS DO CHOQUE NEOLIBERAL EM ANGOLA, PROTAGONIZADO POR UM INSTRUMENTO COMO SAVIMBI, UM DOS "FREEDOM FIGHTERS" DO NEOLIBERAL RONALD REAGAN, A PAR DE BIN LADEN NO AFEGANISTÃO!... CONSEGUIRAM "SOMALIZAR" ANGOLA, MAS NÃO A CONSEGUIRAM VENCER!... NA SÍRIA HOJE, CONTINUA A MESMA SAGA TERRORISTA QUE SE VAI DISSEMINANDO POR 4 CONTINENTES ESPALHANDO O SEU VENENO CONTRA OS POVOS E CONTRA AS SOCIEDADES!...

CUIDADO AGORA COM A TERAPIA DE CHOQUE NEOLIBERAL QUE ESTÁ EM CURSO TAMBÉM EM ANGOLA!...

Recordar, é saber do nosso passado


Recordar os heróis da cidade do Cuito - Mais de 7 mil civis e militares morreram durante a guerra que a cidade do Cuito enfrentou há 22 anos e foram enterrados em quintais, jardins e pátios.

O 28 de Junho de 1994 tem um significado especial para os angolanos e em especial para o povo do Bié, que sofreu terríveis dificuldades.

A guerra do Cuito é considerada uma das mais sangrentas e destruidoras do conflito pos-eleitoral de 1992, quando a UNITA de Jonas Savimbi recusou os resultados eleitorais e se lançou na guerra.

O Cuito esteve cercado 1 ano e 6 meses, de 6 de Janeiro de 1993 a 28 de Junho de 1994.

A resistência foi heroica.

Durante um ano e meio, a fome, a nudez, as doenças e a morte, fustigaram os habitantes do Cuito que foram forçados a comer raízes de bananeira e casca de árvores.

A destruição de vidas humanas deixou marcas, mas hoje o Cito se reconstrói com seu povo heróico e vencedor.

Abaixo a UNITA!

Grato ao camarada Rui Filipe Ramos pelo seu texto, aqui por mim aproveitado.

Junto o meu texto sobre o Cuito, publicado no Página Global em Julho de 2011.

A TRIPLA FRONTEIRA


I - A cidade do Cuito, capital da Província do Bié, é com esse estatuto a cidade mais próxima do centro geográfico de Angola, que coincide com a matriz das grandes nascentes hidrográficas do país.

Durante a guerra que surgiu em sequela da luta contra o “apartheid”, a guerra que se internacionalizou e se encadeou com o descalabro da região central de África (“Iª Guerra Mundial Africana”), por que Savimbi entendeu participar recorrendo à rebelião armada na tentativa da conquista do poder em Angola pela via da “guerra dos diamantes de sangue”, a cidade do Cuito em 1992 foi palco, conjuntamente com as cidades do Huambo e de Malange, dos mais encarniçados combates.

Esse período foi para alguns conhecido como a “guerra das cidades”, mas resultava da aplicação dos conceitos de Mao Tse Tung sobre a guerra revolucionária, que Savimbi aprendeu nas academias chinesas para depois à sua maneira vir aplicar em Angola: “realizar o cerco às cidades a partir do campo, para depois tomá-las”, um projecto que teria de começar pelas capitais provinciais, a fim de, por último, chegar à capital e tomar o poder pela via armada.

O assédio ao Cuito tornou-se mais fácil a Savimbi por várias razões e entre elas destaco a fragilização da posição governamental em função dos Acordos que haviam sido assinados primeiro em Bicesse, fez já 20 anos e depois em Lusaka.

O Governo havia não só desmobilizado enormes efectivos das FAPLA que foram entretanto extintas, mas no Bié desmobilizou por tabela as Forças Especiais da Segurança do Estado, Ministério que acabaria também por ser extinto.

As Forças Especiais acabaram por desempenhar entre 1976 e 1990 um papel contributivo muito forte no reforço geo estratégico na luta contra o “apartheid” e contra as sequelas do colonialismo e “apartheid”.

Em 1977 era Governador Provincial do Bié Faustino Muteka (na actualidade Governador do Huambo) e o movimento de libertação havia decidido com coerência geo estratégica criar as Forças Especiais no Bié, às ordens do Presidente Agostinho Neto e articulando a Defesa e a DISA, para procurar conseguir supremacia no planalto central e fazer face às incursões impulsionadas pelo regime do “apartheid”, manobra que da parte da África do Sul integrava tacitamente os efectivos dum Savimbi que entretanto a administração republicana de Ronald Reagan havia considerado de “freedom fighter” (tal como fizera com os “contras” na Nicarágua e com Bin Laden no Afeganistão).

O Presidente Agostinho Neto, tendo em conta o cenário da luta contra o “apartheid”, aplicou a favor do Estado Angolano a receita similar à que o colonialismo português havia aplicado ao MPLA no Leste, quando pela via da “Operação Madeira” atraiu Savimbi à sua órbita, de forma a que suas forças servissem de “almofada amortecedora” contra a tentativa de progressão do movimento de libertação em direcção ao planalto central; desta feita, as Forças Especiais desempenhavam papel análogo na luta contra o “apartheid”, servindo de “almofada amortecedora” contra as SADF coligadas a Savimbi, desejosos de reverter a seu favor as estratégias no planalto central.

As Forças Especiais, conjuntamente com as FAPLA e a ODP (Organização de Defesa Popular) garantiam, numa região decisiva para o todo nacional, o exercício da soberania e a “última fronteira” em direcção a norte por parte das incursões militares, de inteligência e de reconhecimento dos racistas sul africanos dentro do território de Angola após o insucesso da “Operação Savannah”.

Os sul africanos tentaram em vão, em estreita consonância de esforços com Savimbi, vencer essa barreira geoestratégica, na azáfama de, a partir do planalto central, alcançar por fim Luanda, desde a declaração de Independência a 11 de Novembro de 1975 e Savimbi acabaria em 1992 por manter essa tentação, o que influenciou decisivamente na sua decisão de tomada das capitais provinciais após o “encerramento” das FAPLA e das Forças Especiais (neste caso no Bié).

Os sul africanos durante a década de oitenta chegaram mesmo a desembarcar meios através de vários voos de seus C-130 sobre a parte sul da Reserva Integral do Luando, a leste do curso do rio Cuanza, a fim de “catapultar” as incursões na direcção norte.

Apesar desse desembarque de material resultar no incremento das acções de Savimbi, os resultados foram escassos.

Em 1977 foi formado no Bié o 1º Batalhão das Forças Especiais, unidade que iria impulsionar pouco a pouco a formação de mais Batalhões que comporiam a Brigada e, sob orientação de Faustino Muteka, procedeu-se ao recrutamento para completar o efectivo do Batalhão a partir dos grupos de acção e células do MPLA em todos os Municípios e principais Comunas do Bié.

Como em todos os recrutamentos para a DISA e depois para a Segurança do Estado, só poderiam ter acesso a essas instituições da 1ª República membros do MPLA, o que significa que o efectivo das Forças Especiais só ingressou nelas por que todos os recrutas eram do MPLA.

A ideia da barreira de resistência ao “apartheid” no Bié, para além das concepções geo estratégicas, integrava componentes ideológicas que inter-agiam com a implementação do próprio Estado Angolano: eram as ideias do movimento de libertação em África que estavam presentes, que eram instrumento de Defesa e Segurança do Estado em formação e continham elementos que davam consistência ao facto de “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul estar a continuação da nossa luta”.

Esses conceitos ideológicos nada tinham a ver com ideologias “stalinistas”, identificando-se com os conceitos e estratégias das revoluções na América Latina, bem como com a luta de libertação em África, perseguindo políticas de Não Alinhamento e de exercício sem ingerências da soberania nacional.

Desde os primeiros Acordos sobre Angola, a começar com o de Bicesse há 20 anos, nunca os efectivos que integravam a Segurança do Estado, incluindo as Tropas Guarda Fronteira, as Forças Especiais, ou as Unidades de Luta Contra Bandidos, foram tidos nem achados.

As componentes militares presentes nos Acordos do lado Governamental não integravam agendas relativas aos elementos provenientes da Segurança, muito menos discutiram o que quer que fosse relacionado com esses milhares e milhares de homens que acabaram por ser desactivados sem que houvesse sequer um documento que comprovasse os seus bons serviços ao Estado Angolano…

Essa foi a primeira fronteira do Cuito e os homens da fronteira, aqueles que defenderam a soberania em muito difíceis condições e conjunturas, são merecedores de reconhecimento por parte de todos os angolanos.

A intensidade dos combates foi de tal ordem que os mortos eram enterrados nos quintais e a água era conseguida com as cacimbas (poços) abertos nos mesmos quintais.

Para comer, muitos tinham que romper as linhas que cercavam a cidade e antes da aurora arrancar, os alimentos disponíveis nos campos circundantes, regressando às suas trincheiras.

Apesar de terem sido desactivados sem sequer merecer um documento, sem terem qualquer suporte e apoio, votados ao abandono, muitos elementos das Forças Especiais participaram por sua livre vontade e iniciativa na batalha integrando o lado governamental e foram muito importantes na resistência que o Estado Angolano ofereceu a Savimbi no Cuito. 

II - A segunda fronteira é a que se faz sentir no presente, aquela que marca o início da reconstrução sobre as feridas e as cinzas do passado com os olhos postos no futuro.

O Cuito foi deixado praticamente em escombros por que as linhas de contacto entre as forças estiveram dentro da cidade, pelo que agora subsiste o desafio de ultrapassar o passado, vencendo traumas, preconceitos e reconstruindo.

O que tive a oportunidade de constatar, é que apesar de tudo se está a superar as expectativas no que diz respeito à recuperação de infra estruturas e estruturas, com o equipamento administrativo e social a merecer uma atenção prioritária.

A capital do Bié está limpa, bastante funcional, as escolas estão a abarrotar de alunos e, apesar de ser tanto o que há a realizar na agricultura e na indústria, há sinais de empreendimento nos mais diversos níveis sociais, esbatendo-se os desequilíbrios humanos, que são muito mais palpáveis em Luanda.

No que diz respeito aos alimentos, uma parte dos frescos é já de produção local (carne, hortícolas, grãos e fuba).

Impactos de outras culturas existem e tive a oportunidade num artigo anterior, de destacar o emprego disseminado de motorizadas de baixo custo de origem asiática no sistema preferencial de transporte de pessoas, coisa que nunca existiu em tal escala mesmo em cidades como Benguela, onde a bicicleta foi sempre rainha.

Estive agora numa das posições dentro do Cuito muito próximo do Palácio Governamental, que marcaram a divisória entre as forças em combate em 1992: dum lado está um prédio inteiramente recuperado, que ainda hoje é a maior construção da cidade, do outro está o esqueleto dum edifício em escombros ainda por recuperar e com evidentes marcas dos combates.

Por toda a cidade ainda há alguns edifícios por recuperar, mas têm dono que só não se conseguiram meter em obras por que estão descapitalizados.

Ao aproximarmo-nos do décimo aniversário do Acordo de Luena, que ocorrerá no próximo ano, a maior parte da estrutura do Cuito está recuperada, a funcionar de forma satisfatória, com a cidade indiciando vontade de crescer e de viver.

O Caminho de Ferro de Benguela já começou a recuperar os troços dentro da Província: o novo assentamento da linha, que será feito do Lobito à fronteira, já entrou nas áreas do Município do Chinguar, podendo até ao final do ano abranger os troços a leste, pelo menos até à ponte sobre o rio Cuanza.

Quando os comboios começarem a circular, um novo impulso será dado ao planalto central do país e às comunidades ao longo da linha, com reflexos também, como é óbvio, nas capitais Provinciais do interior, cidade do Cuito incluída.

Até 2015 a segunda fronteira estará consolidada, com particular realce para a reconstrução e a caminho duma relativa estabilidade emocional e humana, apesar da lógica capitalista que se impôs ao país com tantos desequilíbrios.

III - A terceira fronteira é talvez a mais complexa, mas a mais decisiva, por que ela envolve inteiramente a componente humana, integrando questões históricas, sócio-políticas, económicas e até psicológicas.

As próprias Forças Especiais são disso exponentes: recrutados pelo MPLA nas horas difíceis do “parto” da Independência, sendo os primeiros em muitos combates no âmbito da “almofada amortecedora” contra a coligação Botha-Savimbi, heróis anónimos da batalha do Cuito, os antigos efectivos interrogam-se, por que são reconhecidamente dos últimos a beneficiar com dignidade dos frutos da paz possível que se ergue sobre as cinzas.

Foram muitos os que ficaram pelo caminho, a começar no seu primeiro comandante, Leite, foram muitos os sacrifícios, mas foi esse cimento que deu consistência à sua resistência moral, mesmo em condições tão adversas como aquelas de 1992, quando desactivados não tinham a obrigação perante o próprio Estado que “dar o litro” por ele.

Da boca desses efectivos, pude constatar, não há ressentimentos pelo facto de tantos que estiveram nas trincheiras contra Angola, terem sido de há dez anos a esta parte beneficiários desses frutos, antes deles.

Pelo contrário, eles estão satisfeitos pela paz possível, apesar da sua “travessia no deserto” e, desse modo são a prova de que é possível estabelecer pontes entre a vocação socialista do passado e o que se pretende no quadro do socialismo democrático que não abdique de enquadrar o homem como prioridade.

Eles confirmam que a sua resistência que faz parte da resistência de muitos mais, está no sentido de criar benefícios para todo o Povo Angolano e não em benefício de grupos, por que, conforme dizia Agostinho Neto, “o mais importante é resolver os problemas do povo”.

Para eles, socialismo, mesmo o socialismo democrático, só poderá ser realizável se a prioridade for efectivamente o homem, geração após geração, estabelecendo a corrente a partir do passado histórico e enfrentando as rupturas quando houver que as enfrentar!

A construção da paz, na fronteira humana, só é exequível com a batalha das ideias e com as acções que venham a beneficiar todo o Povo Angolano!

O patriotismo desses combatentes é inquestionável, mas a primeira barreira surge, nesta terceira fronteira, de quem ou pretende fazer esquecer a história, ou de quem a quer contar de acordo com seus próprios interesses ou conveniências.

Entre estes que perfilham este tipo de opções, estão desde tecnocratas de última geração, inteiramente vocacionados às políticas de “mercado”, até a alguns membros do próprio MPLA que sempre tiveram aversão às “linhas da frente” e agora são os primeiros a beneficiar das conjunturas de ausência de tiros e impregnadas com a lógica do capitalismo com políticas de “portas abertas”.

Muitas narrações aliás das batalhas que foram travadas em Angola, estão propositadamente a esquecer do seguinte, na esteira do abandono a que foram votados os efectivos da Segurança do Estado: foram muitas vezes oficiais que pertenciam a essa Instituição que, pela via de reconhecimento, ou pela via da contra inteligência, obtinham os dados indispensáveis para a actuação das FAPLA e por isso mesmo é justo em muitos casos questionar se algumas narrações estão de acordo ou não com o que se passou realmente.

Foi esse o exercício que eu fiz em relação ao que escrevi sobre a batalha do Cuito Cuanavale, cuja parte inicial, a frustração de Mavinga, que resultou em pesadas perdas humanas para Angola, suscita questões sobre as quais ainda não há respostas.

Estas questões são tanto mais sensíveis quanto algumas correntes consideram os efectivos da Segurança do Estado como “funcionários”, quando de facto eles estavam, por imperativos da luta, entre os muitos que não fugiram às primeiras linhas.

Os equilíbrios que perfazem uma paz com justiça social, uma paz socialista que não ponha em causa a democracia, antes pelo contrário a aprofunde no sentido da cidadania e da participação, fazem parte da resistência daqueles que não caem na tentação do capitalismo de tendência elitista que alguns poderosos tentam introduzir em Angola após as refregas.

Aqueles que perfilham o sentido da vida do movimento de libertação não podem nunca esquecer que “o mais importante é resolver os problemas do povo”, efectivamente de todo o Povo Angolano, independentemente de origem, raça, crença, ou de filiação política – esse é o único caminho possível que dá continuidade aos esforços dum MPLA que antes se constituiu em vanguarda e sobre o qual recaem as responsabilidades de vencer todas as fronteiras!

A terceira fronteira é um dos principais desafios presentes e futuros para o MPLA, restando ele demonstrar se está ou não à altura humana de enfrentar esse desafio.

Para lá caminha, dirão alguns, mas perante riscos e desequilíbrios, perante um foço de desigualdades que cresce imparável, os realistas confirmam: “ver para crer como São Tomé!”


Fotos selecionadas pelo camarada Rui Filipe Ramos.

A cidade do Cuito enfrentou ataques há 22 anos, corpos foram enterrados em quintais, jardins e pátios. O 28 de Junho de 1994 tem um significado especial para os angolanos e em particular para o povo do Bié, que sofreu terríveis dificuldades. A guerra do Cuito é considerada uma das mais sangrentas e destruidoras do conflito pós-eleitoral de 1992, quando a UNITA de Jonas Savimbi recusou os resultados eleitorais e se lançou na guerra. O Cuito esteve cercado durante 1 ano e 6 meses, de 6 de Janeiro de 1993 a 28 de Junho de 1994. A resistência foi heróica. Durante um ano e meio, a fome, a nudez, as doenças e a morte fustigaram os habitantes do Cuito que foram forçados a comer raízes de bananeira e casca de árvores. A destruição de vidas humanas deixou marcas mas hoje o Cuito se reconstrói com o seu povo heróico e vencedor. Abaixo a unita.a cidade do Cuito enfrentou há 22 anos e foram enterrados em quintais, jardins e pátios. O 28 de Junho de 1994 tem um significado especial para os angolanos e em particular para o povo do Bié, que sofreu terríveis dificuldades. A guerra do Cuito é considerada uma das mais sangrentas e destruidoras do conflito pós-eleitoral de 1992, quando a UNITA de Jonas Savimbi recusou os resultados eleitorais e se lançou na guerra. O Cuito esteve cercado durante 1 ano e 6 meses, de 6 de Janeiro de 1993 a 28 de Junho de 1994. A resistência foi heróica. Durante um ano e meio, a fome, a nudez, as doenças e a morte fustigaram os habitantes do Cuito que foram forçados a comer raízes de bananeira e casca de árvores. A destruição de vidas humanas deixou marcas mas hoje o Cuito se reconstrói com o seu povo heróico e vencedor. Abaixo a unita.

DUPLA REFLEXÃO: O BREXIT E O PRÉMIO MO IBRAIM




1. Quando este texto for publicado já se saberá de o Reino Unido aprovou o Brexit (“British exit” – saída da União Europeia) ou se o “Remain” (permanência) venceu o referendo que se realizará na próxima quinta-feira, dia 23 de Junho.

Pensarão os leitores, e com alguma pertinência, o que interessará a nós, angolanos, em particular, e aos africanos, em geral, se os britânicos manter-se-ão ou não na União Europeia. Para nós, angolanos, e para o s africanos, em geral, isto é um assnto interno dos europeus.

Não é bem verdade!

Aos angolanos que usam, geralmente e na sua maioria, como porta de entrada na Europa, Portugal (Lisboa ou Porto) a saída do Reino Unido acarretará mais constrangimentos dos que já aguentam actualmente. Deixamos de poder usar Portugal – ou a França, se for por via do TGV –, como franquia para um mundo que alguns de nós estão habituados, seja a nível académico, seja – sublinhe-se – a nível de utilização de serviços de saúde britânicos.

Também a nível africano, os países membros da Commonwealth – ao contrário do que se verifica com a grande maioria dos países da CPLP que não o têm com Portugal – ao abrigo desta comunidade, que ficam, actualmente, com quase livre acesso aos estados-membros da EU, deixam de o poder fazer.

Também a nível financeiro e económico, as trocas de bens e serviços que se fazem com o Reino Unido através de outros parceiros da UE com quem tenhamos alguns acordos preferenciais deixam de poder ser enviados por esta via o que poderá encarecer as nossas exportações e importações devido às “novas” taxas a serem aplicadas pelos britânicos. Ou talvez, para reduzirem um eventual impacto de uma eventual saída da EU, os britânicos, numa primeira fase, e para aqueles com quem mantêm acordos preferenciais ou trocas mais interessantes e importantes poderão manter as taxas alfandegárias mais baixas. Mas serão de pouca duração.

De facto não será só a Europa a sofrer, mais que os britânicos, que sempre se sentiram um porta-aviões que controla os “desmandos” europeus ao longo dos séculos e que sempre se sentiram a última estância de defesa das liberdades no continente europeu – veja-se a duas grandes guerras do século XX – os efeitos desta hipotética saída (Leave) da União Europeia.

Note-se que no domingo, 26 de Junho, o Reino de Espanha. (e é deliberado este sublinhar do “Reino” porque um dos candidatos, a coligação Podemos/Esquerda Unida, admite avançar com uma referendo sobre a Catalunha) vai a votos, pela segunda vez em poucos meses, onde se digladiam duas concepções sobre a forma como Espanha deve se comportar face às exigências da UU/Bruxelas. De um lado, conservadores, liberais e socialistas próximos dos actuais critérios da União Europeia, do outro, a coligação, que poderá vencer ou condicionar ainda mais a governação de Madrid, a criticar e a exigir reformulação nas relações com Bruxelas e com a União Europeia.

Também em Itália, há um movimento “5 Estrelas (M5S)” que vem condicionando a política europeísta italiana – venceu, recentemente, duas importantes eleições autárquicas (Roma e Turim) e já tinha sido um dos principais vencedores das eleições parlamentares italianas – apela à ruptura política do actual “political stablishment” quer em Itália, quer com a União Europeia – a Itália para os italianos e o estabelecimento da “democracia directa”, incluindo via Internet. Recorde-se que a Grécia, com a eleição do movimento Syriza, foi o primeiro país da União Europeia a contestar, fortemente – ainda que tenha vindo a recuar nesta sua posição – as políticas europeístas de Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt.

Veremos o que terá ditado o dia de ontem e como este decidirá sobre domingo! Não esqueçamos que uma vitória do “Leave” – Brexit – poderá (terá) ter impacto na nossa economia e no modo de vida de uns quantos de nós.

2. Uma vez mais, a quinta desde 2007/2008, o Prémio MO Ibrahim, que celebra a boa governação dos Chefes de Estado ou de Governo, ficou sem laureado. A Comissão do Prémio, entidade independente liderada pelo antigo secretário-geral da então Organização da Unidade Africana (OUA, hoje, a União Africana), o tanzaniano Salim Ahmed Salim, que indica os laureados, declarou que não foi seleccionado qualquer vencedor.

O prémio, instituído pela Mo Ibrahim Foudation, e indicado pela referida Comissão independente, só foi entregue em quatro anos (2007, 2008, 2011 e 2014), sendo os laureados o antigo presidente moçambicano Joaquim Chissano (de 1986 a 2005), em 2007 – neste ano e em ex-áqueo foi contemplado a título honorário Nelson Mandela; em 2008, o antigo presidente do Botswana (1998-2008), Festus Gontebanye Mogae, em 2011 o antigo presidente de Cabo Verde (2001-2010), Pedro Pires; e em 2014, o também antigo presidente da Namíbia (2005-2015), Hifikepunye Pohamba.

Resumindo, desde 2006, ano quando foi instituído o prémio de Boa Governação, que só foram laureados Chefes de Estado, o que mostra que a governação no continente africano é, essencialmente, presidencialista e que parece haver indicação de poucos bons governantes.

Ora, segundo a Fundação e o seu mentor Mo ibrahim, reconhece que os critérios de selecção são muito elevados e por isso não se surpreende com esta decisão.

Como o próprio Mo Ibrahim salienta quando ele a sua Fundação apresentaram, há dez anos, o Prémio, estabeleceram “deliberadamente uma fasquia muito elevada. Pretendemos que o prémio distinga capacidades de liderança excecionais, que gerem figuras modelares para toda a sociedade e apoiem os laureados para que continuem a servir o continente, partilhando a sua sabedoria e experiência”.

Recorde-se que o Prémio é concedido aos Chefes de Estado e de Governos que, nos últimos três anos cessaram as suas funções e que tenham sido “democraticamente eleitos e cumprido o seu mandato constitucionalmente atribuído”. Recorde-se que o prémio ascende a 5 milhões de dólares norte-americanos, sendo este valor distribuído ao longo de 10 anos, ao fim dos quais, o laureado, recebe uma subvenção vitalícia de 200 mil dólares norte-americanos.

A Comissão do Prémio já começou a considerar os candidatos ao Prémio Mo Ibrahim de 2016, acreditando, pessoalmente que o cessante Primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves poderá ser um dos potenciais vencedores, sendo, a confirmar-se esta previsão pessoal, o primeiro Chefe de Governo a ser laureado.

Veremos o que nos reservará a decisão da Comissão em 2017!

*Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, ed. 437 de 24-Junho-2016, secção “1º Caderno”, página 19.

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

EUA, SOCIEDADE EM RUPTURA?



A poucos meses das eleições presidenciais, Noam Chomsky relata: desigualdade provocada pelos ricos tragou maiorias, reduziu democracia a fachada e alimenta fenômento Trump

Entrevista a C.J. Polychroniou, no Truthout - Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

(Primeira de duas partes. A próxima, sobre relações externas será publicada breve)

Os Estados Unidos estão enfrentando um tempo de incertezas. Embora permaneçam como único superpoder global, não são mais capazes de influenciar os fatos e seus resultados conforme desejam, ao menos não a maioria destes fatos. A frustração e ansiedade a respeito do risco de desastres futuros parecem ter peso muito maior que as esperanças dos eleitores por uma ordem mundial mais justa e racional. Enquanto isso, afirma Noam Chomsky, a ascensão e a popularidade de Donald Trump decorrem do fato de que a sociedade norte-americana vive um processo de ruptura.

Nesta entrevista exclusiva à Truthout, Noam Chomsky fala sobre o desenvolvimento contemporâneo nos Estados Unidos e no mundo, e desafia a visão dominante sobre luta de classes, neoliberalismo como resultado de leis econômicas, o papel dos EUA como potência global, o status das economias emergentes e o poder do lobby israelense.

Noam, você tem afirmado que a ascenção de Donald Trump deve-se em grande parte ao colapso da sociedade norte-americana. O que exatamente quer dizer com isso?

As políticas estatais-corporativas dos últimos 35 anos, aproximadamente, tiveram efeitos devastadores sobre a maioria da população. Resultaram diretamente em estagnação e nítido aumento da desigualdade. Isso gerou medo e fez as pessoas sentirem-se isoladas, desamparadas, vítimas de forças poderosas que não entendem e não podem influenciar. O colapso não é causado por leis econômicas. São políticas, uma espécie de luta de classes travada pelos ricos e poderosos contra a população pobre e trabalhadora. Isso é o que define o período do neoliberalismo, não somente nos EUA mas também na Europa e em outros lugares. Trump é atraente para aqueles que sentem e experimentam a desagregação da sociedade norte-americana – profundos sentimentos de raiva, medo, frustração, desamparo. Provavelmente, há setores da população que vivem um aumento na mortalidade, algo antes desconhecido — a não ser na guerra.

A guerra de classes mantém-se tão perversa e unilateral como sempre. A governança neoliberal nos últimos trinta anos, fosse o governo republicano ou democrático, intensificou enormemente o processo de exploração e levou a fissuras ainda maiores entre os que têm e os que não têm na sociedade norte-americana. Além disso, não vejo a classe política neoliberal recuando, a despeito das oportunidades abertas em razão da última crise financeira e pelo fato de um democrata ocupar o centro na Casa Branca.

As classes empresariais, que em larga medida governam o país, têm muita consciência de classe. Não é uma distorsão descrevê-los como materialistas vulgares, com valores e compromissos reversos. Foi somente há trinta anos que o líder do sindicato mais poderoso reconheceu e criticou a “luta de classes unilateral”, incessantemente travada pelo mundo empresarial. Ela teve êxito, alcançando os resultados que você descreveu. Contudo, as políticas neoliberais estão em ruínas. Elas acabaram por prejudicar os mais poderosos e privilegiados (que as aceitaram para si mesmos apenas parcialmente, para começo de conversa), de modo que não podem ser sustentadas.

É muito impactante observar que as políticas que os ricos e poderosos adotam para si mesmos são o exato oposto daquelas que impõem aos fracos e pobres. Assim, se a Indonésia está numa crise financeira profunda, as instruções do Departamento do Tesouro norte-americano (via FMI) correm para saldar a dívida (ao Ocidente), aumentar as taxas de juros e desacelerar a economia, privatizar (de modo que corporações ocidentais possam comprar os bens) e todo o resto do dogma neoliberal. Para si mesmos, as políticas são esquecer suas dívidas, reduzir a zero as taxas de juros, nacionalizar (sem usar a palavra) e despejar recursos públicos no bolso das instituições financeiras, e daí por diante. É também impressionante que o tremendo contraste passe desapercebido, visto que está de nos registros da história econômica dos últimos séculos, razão fundamental da separação entre primeiro e terceiro mundos.

Até aqui, a política de classes, está apenas marginalmente sob ataque. O governo Obama evitou dar até mesmo passos mínimos na direção de acabar e reverter o ataque aos sindicatos. Obama até mesmo sinalizou, indiretamente e de modo interessante, seu apoio a esse ataque. Vale recordar que a primeira viagem para mostrar sua solidariedade com as classes trabalhadoras (denominada “classe média”, na retórica dos EUA) foi à fábrica da Caterpillar em Illinois. Foi até lá desafiando os pleitos de organizações religiosas e de direitos humanos, em razão do papel grotesco da Caterpillar nos territórios ocupados por Israel, onde é um instrumento preferencial na devastação das terras e vilas das “pessoas erradas”. Mas parece não ter sido sequer notado que, adotando as políticas antitrabalhistas de Reagan, a Caterpillar tornou-se a primeira corporação industrial em gerações a quebrar um sindicato poderoso ao empregar fura-greves, violando radicalmente as convenções internacionais do trabalho. Isso isolou os EUA do mundo industrial, junto com a África do Sul do apartheid, na tolerância a tais meios de minar os direitos dos trabalhadores e a democracia – e, presumo, agora os EUA estão sós. É difícil acreditar que a escolha tenha sido acidental.

Há uma crença generalizada, ao menos entre alguns estrategistas políticos bem conhecidos, de que fatos não definem as eleições norte-americanas – ainda que a retórica seja de que os candidatos precisam entender a opinião pública para conquistar eleitores – e sabemos, claro, que a mídia fornece uma riqueza de informações falsas sobre temas críticos (tome o papel da mídia de massa antes e durante o lançamento da guerra do Iraque) ou não fornece informação nenhuma (sobre temas trabalhistas, por exemplo). Contudo, fortes evidências indicam que o público norte-americano preocupa-se com as grandes questões sociais, econômicas e de política externa enfrentadas pelo país. Por exemplo, conforme estudo divulgado há alguns anos pela Universidade de Minnesota, os norte-americanos colocavam os serviços de saúde entre os temas mais importantes. Sabemos também que a grande maioria dos norte-americanos apoia os sindicatos. E que julgaram um fracasso completo a guerra contra o terror. À luz de tudo isso, qual a melhor maneira de entender a relação entre a mídia, a política e o público na sociedade norte-americana contemporânea?

É bem conhecido o fato de que as campanhas eleitorais são concebidas de modo a marginalizar os problemas e concentrar-se em personalidades, estilos retóricos, linguagem corporal etc. E há boas razões para isso. Gestores de partidos leem as pesquisas, e estão bem conscientes de que, num grande conjunto de problemas, os dois partidos estão bem à direita da população – o que não surpreende; afinal, são partidos de negócios. Pesquisas mostram que a grande maioria dos eleitores é contra, mas são as únicas escolhas oferecidas a eles num sistema eleitoral gerido como negócio, em que o candidato mais pesadamente financiado quase sempre vence.

Da mesma forma, os consumidores podem preferir um transporte de massa decente a escolher entre dois automóveis, mas esta opção não é prevista pelos publicitários – na verdade, pelos mercados. A publicidade na televisão não oferece informação sobre produtos; ao contrário, fornece ilusão e imagens mentais. As mesmas empresas de relações públicas que buscam minar o mercado, certas de que consumidores desinformados farão escolhas irracionais (ao contrário de teorias econômicas abstratas), tentam, do mesmo modo, minar a democracia. E os gestores estão bem conscientes disso tudo. Figuras influentes no setor vangloriavam-se, na imprensa econômica, de que desde Reagan vêm fazendo o marketing dos candidatos como se fossem commodities – e esse é seu maior sucesso, pois, preveem, fornecem um modelo aos executivos das corporações e indústria de marketing do futuro.

Você mencionou a pesquisa de Minnesota sobre serviços de saúde. Ela é típica. Durante décadas, estudos mostraram que a saúde está no topo, ou perto dele, nas preocupações da população – não por acaso, dado o desastroso fracasso do sistema de saúde, com custo per capita duas vezes mais alto que o de sociedades comparáveis e alguns dos piores resultados. (…) Acontece que a indústria manufatureira vem sofrendo em razão do sistema de saúde privatizado, caro e ineficiente, e dos enormes privilégios garantidos, por lei, à indústria farmacêutica. Quando um grande setor de concentração de capital favorece um programa, ele se torna “politicamente possível” e tem “apoio político”. Tão revelador quanto os próprios fatos é que eles não são comunicados.

Muito disso é verdade para várias outras questões, domésticas e internacionais.

A economia dos EUA está enfrentando uma miríade de problemas, embora os lucros dos ricos e das corporações já tenham, há tempos, voltado aos níveis anteriores à erupção da crise financeira de 2008. Mas o problema da dívida governamental é o único que a maioria dos analistas acadêmicos e financeiros parece focar como o mais crítico. De acordo com os analistas mainstream, a dívida dos EUA está quase fora do controle, razão pela qual eles vêm se posicionando consistentemente contra os pacotes de grande estímulo econômico para o crescimento, sob o argumento de que tais medidas apenas mergulharão os EUA mais profundamente na dívida. Qual é o impacto provável que uma dívida inflada terá na economia norte-americana e na confiança dos investidores internacionais, diante de eventual nova crise financeira?

Ninguém sabe realmente. A dívida foi muito mais alta no passado, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial. Mas foi superada, graças ao notável crescimento da economia, semidirigida no tempo da guerra. Por isso, sabemos que, se o governo incentiva o crescimento sustentável da economia, a dívida pode ser controlada. E há outros artifícios, como a inflação. Mas, quanto ao resto, trata-se de muita suposição. Os principais financiadores – principalmente China, Japão, os países produtores de petróleo – podem decidir transferir seu capital para outro lugar em busca de lucros mais altos. Mas há poucos sinais desses movimentos, e eles não são muito prováveis. Os financiadores participam da sustentação da considerável economia dos EUA para suas próprias exportações. Não há como fazer previsões confiáveis, mas parece claro que o mundo inteiro está numa situação delicada, para dizer o mínimo.

Você parece acreditar, ao contrário de tantos outros, que os EUA mantêm-se como um superpoder econômico, político e, claro, militar, mesmo depois da última crise. Também tenho a mesma impressão, uma vez que o resto das economias do mundo não somente não estão em condições de desafiar a hegemonia norte-americana, como olham para os EUA como um salvador da economia global. O que você vê como vantagens competitivas do capitalismo dos EUA sobre a economia da União Europeia e as novas economias emergentes na Ásia?

A crise financeira de 2007-2008 foi originada principalmente nos EUA, mas seus principais competidores – a Europa e o Japão – acabaram sofrendo mais severamente, e os EUA mantiveram-se o local preferido dos investidores que buscam segurança em tempo de crise. As vantagens dos EUA são substantivas. Eles têm amplos recursos internos. São unificados, um fato importante. Até a guerra civil nos anos 1860, a frase “Estados Unidos” era plural (como ainda é nas línguas europeias). Mas desde então, vem sendo usada no singular, no inglês padrão. As políticas traçadas em Washington pelo poder estatal e capital concentrado valem para todo o país. Isso é muito mais difícil na Europa. Há muitas vantagens da unidade. Alguns dos efeitos nocivos da inabilidade europeia para coordenar a respostas à crise têm sido amplamente discutidas pelos economistas europeus.

As raízes históricas dessas diferenças entre a Europa e os EUA são familiares. Séculos de… conflitos impuseram um sistema de estado-nação na Europa, e a experiência da Segunda Guerra Mundial convenceu os europeus de que devem abandonar seu esporte tradicional de trucidar uns aos outros, porque a próxima tentativa seria a última. Então temos aquilo que os cientistas políticos gostam de denominar “uma paz democrática”, ainda que nem de longe esteja claro se a democracia tem algo a ver com isso. Em contraste, os EUA são um Estado colonizador-colonial, que assassinou a população indígena e confinou os remanescentes em “reservas”, ao mesmo tempo em que conquistava metade do México e expandia-se para além. Muito mais que na Europa, a rica diversidade interna foi destruída. A guerra civil cimentou o poder central e, da mesma forma, a uniformidade em outros domínios: linguagem nacional, padrões culturais, enormes projetos público-privados de engenharia social tais como a suburbanização da sociedade, subsídio central maciço à indústria avançada por meio de pesquisa e desenvolvimento, aquisição e outros instrumentos, e muito mais.

As novas economias emergentes na Ásia têm incríveis problemas internos, desconhecidos no Ocidente. Sabemos mais sobre a Índia do que sobre a China, porque é uma sociedade mais aberta. Há razões pelas quais ela está em 130º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (mais ou menos onde estava antes da reformas neoliberais parciais); a China está no 90º lugar, e poderia ser pior se se soubesse mais a respeito do país. Isso apenas arranha a superfície. No século 18, China e Índia eram os centros comerciais e industriais do mundo, com sistemas de mercado sofisticados, níveis avançados de saúde pelos padrões comparativos etc. Mas conquistas imperiais e políticas econômicas deixaram-nos em condições miseráveis. É notável que o único país do Sul Global a desenvolver-se foi o Japão, o único que não foi colonizado. A correlação não é acidental.

Os EUA ainda estão ditando as políticas do FMI?

Isso não é claro, mas meu entendimento é que os economistas do FMI supostamente são, talvez sejam, de certa forma independentes dos políticos. No caso da Grécia, e da austeridade em geral, os economistas publicaram alguns papers fortemente críticos aos programas da União Europeia, mas os políticos parecem estar ignorando-os.

Foto: Sem-teto, fenômeno marcante da paisagem norte-americana de hoje. Para Chomsky, “políticas estatais-corporativas dos últimos 35 anos tiveram efeitos devastadores sobre a maioria da população”

A NARRATIVA ALEMÃ



Pedro Silva Pereira* - Jornal de Notícias, opinião

Poucas vezes é possível apanhar um pirómano em flagrante, ainda de lata de gasolina na mão, mas foi o que aconteceu esta semana quando as televisões transmitiram as especulações levianas de Wolfgang Schäuble sobre um eventual segundo resgate para Portugal. Ainda ardiam as chamas do Brexit, semeando a incerteza e a turbulência nos mercados, e já o ministro das Finanças da Alemanha, de forma totalmente irresponsável, desferia, por razões mesquinhas de cariz puramente ideológico-partidário, um golpe baixo de pura agressão contra o Governo de Portugal e a escolha democrática que os portugueses fizeram no sentido de virar a página da austeridade.

As declarações de Schäuble mereceram condenação geral, é certo. Mas de pouco serve essa condenação se ela se fizer ao estilo de Passos Coelho, que se limitou a questionar a sua "oportunidade" mas lá foi acrescentando palavras de compreensão para com o seu amigo alemão porque, bem vistas as coisas, é a política do Governo português que "não gera confiança".

O que está em causa é muito mais grave do que o potencial incendiário das imprudentes declarações de Schäuble. Grave, mesmo, é a "narrativa alemã" que lhe está subjacente, porque é ela que está a prejudicar Portugal e a atrofiar a resposta da União Europeia à crise.

Por estranho que possa parecer a quem viu o debate no Reino Unido focar-se na política de imigração e no confronto entre a soberania democrática nacional e a burocracia de Bruxelas, há hoje uma corrente de pensamento na Direita alemã, mas também noutros países do Centro e do Norte da Europa que, contra toda a evidência, pretende sustentar a tese de que o descontentamento que explica o Brexit e outros movimentos eurocéticos se deve, imagine-se, à "falta de credibilidade" das regras orçamentais, isto é, à insuficiente disciplina na execução da política de austeridade! É essa doutrina extraordinária que inspira as críticas de Schäuble a qualquer inflexão na política de austeridade em Portugal, mas é ela também que inspira a luta do líder alemão do PPE pela aplicação de sanções a Portugal e à Espanha, e se possível também à França e à Itália, tal como é ela que inspira a recusa do PPE, feita esta semana em conferência de imprensa, da proposta de Renzi de responder ao Brexit com mais flexibilidade orçamental e resolução dos problemas estruturais da arquitetura institucional do euro, incluindo a mutualização das dívidas.

O caso é sério. Quem, como Schäuble, alimenta permanentemente o argumento falacioso de que os alemães andam a pagar os faustosos benefícios sociais dos portugueses, não pode depois dizer-se surpreendido por ver progredir nesse caldo de cultura o populismo nacionalista, adversário do projeto europeu. Do mesmo modo, quem, como Passos Coelho, sempre se bateu pelo triunfo da "narrativa alemã", não deveria surpreender-se com a imposição de sanções absurdas, que não são outra coisa do que o corolário lógico dessa narrativa.

Não há volta a dar: o projeto europeu só será capaz de superar este Cabo das Tormentas se a "narrativa alemã" for denunciada - e derrotada.

*Eurodeputado

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