terça-feira, 26 de julho de 2016

INTEGRANDO A EURÁSIA




1 – Precisamente ao mesmo tempo em que se forjou a arquitectura do BREXIT, a EurÁsia move-se em sentido contrário às possibilidades de desagregação da União Europeia, conforme se pode comprovar pelas trilhas diplomáticas, sócio-políticas e as iniciativas conjuntas e em separado de Putin e de Xi Jinping com vista à proliferação de acções económicas e financeiras comuns e ao reforço dos relacionamentos multinacionais no maior espaço continental do globo.

Esse não é um dado novo, mas a reafirmação dele este ano está a ser efectivamente significativa, mais ainda pelo contraste entre o que é da hegemonia unipolar e do que é coesão multipolar.

A trilha de Putin é exemplar nesse sentido e é por tabela a resposta clara ao drama europeu do BREXIT, assim como às contradições entre as oligarquias europeias e cínicas ambiguidades que também entre si vão proliferando, tal como no que diz respeito ao semear de tensões por parte dos Estados Unidos, em torno das fronteiras da Rússia e da China, fazendo uso de instrumentos que vão da implantação da NATO, a políticas neo fascistas e neo nazis de estados, entre o Báltico e o Mar Negro sobretudo.

Putin ao mesmo tempo demonstra as capacidades inteligentes da Rússia no seu próprio exercício de“soft power”, com uma orientação geo estratégica transcontinental, a quente e em cima dos acontecimentos, com todo o sentido de oportunidade, muito embora a programação institucional que isso vem obrigando.

De facto a inteligência académica russa, demonstra a sua qualidade e persistência geo estratégica em contraposição à União Europeia (por tabela em contraposição aos Estados Unidos), de forma dissuasora, persuasiva e ao mesmo tempo irrefutável, quando os falcões tentam desesperadamente instrumentalizar a NATO a fim de suster a ofensiva sócio-política, económica e financeira dos emergentes EuroAsiáticos, recorrendo mesmo ao neo fascismo e ao neo nazismo de modo a procurar radicalizar os parâmetros do contencioso militar no leste, no sudeste europeu e Médio Oriente adentro até ao Cáucaso e ao Afeganistão.

2 – A ofensiva de Junho de Putin teve três manifestações essenciais:

- A realização do Fórum Económico Internacional de São Petersburgo (20ª edição), entre 16 e 18 de Junho (o mais extenso dos 20 já realizados);

- A 16ª Cimeira anual da OCS (Organização de Cooperação de Shangai) em Tashkent, capital do Uzbequistão, entre 23 e 24 de Junho;

- A visita de Putin à China, por fim a 25 de Junho (15 anos depois da assinatura do Tratado de Amizade, Cooperação e Boa Vizinhança entre a China e a Rússia) e culminando as iniciativas.

Em todos os acontecimentos Putin “subordinou” (passo o termo) as iniciativas de relacionamento à geoestratégia de coesão multipolar, que respeita a originalidade sócio-política, económica, financeira e cultural de cada associado, ou observador (componente ou candidato como no caso da OCS).

Isso permite-lhe contrapor-se à barbárie do modelo de capitalismo neoliberal que procura consolidar a hegemonia unipolar promovida pelos Estados Unidos (pela liderança e domínio de 1% da humanidade) e seus vassalos ocidentais e arábicos.

Assim face a face, o premeditado e inteligente “soft power” russo surge com toda a superioridade ética e efectiva, “apagando” qualquer vulnerabilidade em função das sanções que cada vez se tornam mais prejudiciais à instigada União Europeia, ao invés de alcançar os seus objectivos contra a Rússia, algo que não foi menosprezado no 20º Fórum Internacional de São Petersburgo.

A Rússia vai buscar na profundidade asiática, o que a União Europeia sancionou e a União Europeia não é ressarcida dos prejuízos por quem instigou as sanções e as crises a leste, os Estados Unidos.

A União Europeia, por outro lado, seguindo a trilha da hegemonia unipolar, está a ver-se confinada ao TTIP (“Transatlantic Trade and Investment Partnership”), que se acrescenta à “cadeia” da NATO, enquanto algo similar acontece no lado do Pacífico, com o TPP (“Trans-Pacific Partnership”).

Esses Tratados que se alicerçam via transposição oceânica, contrastam e contradizem a pista dos Tratados que a Rússia leva a cabo via transposição continental (EuroÁsia), até pela natureza distinta das suas abordagens e numa altura em que os BRICS sofrem a relativa neutralização do Brasil pela hegemonia unipolar!

3 – O 20º Fórum Internacional de São Petersburgo, tem servido (sem se reduzir a isso) como estímulo à União Económica EuroAsiática da qual fazem parte os três membros iniciais (a Rússia, a Bielorrúsia e o Cazaquistão na Ásia Central), a que se juntaram a Arménia e o Quirguistão, tendo como membro observador o Tajiquistão, tirando por fim vantagem da Comunidade de Estados Independentes.

Nele a Rússia conseguiu demonstrar que não está isolada muito menos bloqueada, pois foram muitos os interesses económicos, financeiros e sócio-politicos que se associaram, inclusive ocidentais.

No Fórum, levado a cabo num recentemente inaugurado centro situados nos arredores de São Petersburgo, estiveram presentes cerca de 600 entidades da Federação Russa e 500 outras provenientes do exterior, incluindo de alguns dos países mais decisivos do quadro da economia mundial, como Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha, França, Itália, Japão…

Um dos principais tópicos das discussões em Agenda, prendeu-se ao futuro das relações entre a Federação Russa e a União Europeia numa perspectiva de “parceria estratégica”…

Nessas discussões participarem personalidades como o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, Jean Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, Matteo Renzi, 1º Ministro da Itália, Nicolas Sarkozy, ex-Presidente da França…

Na sua tradicional intervenção, Putin referiu-se às espectativas de integração que não podem excluir a Europa, não só com horizonte no relacionamento com a Federação Russa, mas aberta a todo o espaço geoestratégico da EurÁsia!

4 – A 16ª Cimeira anual da OCS (Organização de Cooperação de Shangai) em Tashkent, capital do Uzbequistão, entre 23 e 24 de Junho, correspondeu aos imensos desafios em prol da vitalidade da EurÁsia.

O Presidente do Cazaquistão, Nursultán Nazarbáyev, entendeu mesmo a mensagem da Putin: uma EurÁfia integradora e forte, é a alternativa para que a UE se consiga desprender da influencia norte-americana.

A reunião de Tashkent trouxe novos elementos e entre eles sobressai a entrada simultânea na organização, da Índia e do Paquistão. Vencendo disputas regionais.

Integrar pela via multipolar, respeitando as culturas dos povos e as identidades nacionais, assim como o estágio económico, financiero e sócio-político de cada país (ou de cada componente), implica lutar contra o divisionismo crónico imposto pela geo estratégia da hegemonía unipolar (dividir e dividir para melhor reinar), incentivada pelos Estados Unidos, ou seja, uma nova possibilidade geo estratégicas para a União Europeia, de modo a integrar os esforços EurAsiáticos, num paralelo continental que pode ser explorado do Atlântico Norte, ao Pacífico Norte (a todo o comprimento, por exemplo, da “rota da seda”).

A OCS depois de Tashkent passa a integrar no seu espaço vital praticamente metade da população mundial, 60% da massa continenal da EurÁsia e cerca de 20% do PIB global, conforme aponto o Presidente do cazaquistão, um país da Ásia Central (uma das chaves geo estratégicas das aspirações comuns da OCS).

A Declaração de Tashkent da OCS, aprovou, para além da integração no espaço dum ano da Índia e do Paquistão, a necessidade prioritária de combate ao extremismo e ao terrorismo, algo que tem a ver com a segurança comum, a geo estratégia continental implementada e os projectos já em curso.

Concomitantemente a OCS tratou de criar um consenso dos seus membros em relação ao Afeganistão, à Ucrânia e à Síria, reafirmando a preservação das respectivas integridades nacionais, o que reforça o papel geo estratégico da Rússia face à hegemonia unipolar e a instrumentos como a NATO.

De facto esse reforço tem já a ver com a fragilização da NATO, visível na Grécia, na Bulgária e na Turquia, assi como ao desgaste do contencioso de entrada da Turquia na União Europeia.

De forma programada e inteligência, Putin utilizou as reuniões de São Petersburgo e de Tashkent, para antecâmara de sua visita a Pequim, corolário dos seus esforços em Junho.

5 – A visita de Putin à China reforçou os já firmes laços comuns entre a Federação Russa e a República Popular da China, ampliando os consensos e os entendimentos geo estratégicos com Xi Jinping.

Os dois Presidentes em Tashkent haviam trabalhado em conjunto com o Presidente da Mongólia,Tsajiagiin Elbegdorzh, com vista a criar um corredor entre a Rússia e a China, passando por aquele país, mas os acordos em Pequim integraram projectos geoestratégicos de vulto, o maior dos quais se refere à energía (criação de oleodutos e gasodutos entre a Rússia e a China, fornecendo petróleo e gás a preços fora de concorrência à China).

O fornecimento de gás à China orçará, durante os próximos 4 anos, algo equivalente a 400.000 milhões de dólares norte-americanos.

A partir desta reunião em Pequim, reforçam-se também os laços militares, que se tornarão mais visíveis nas iniciativas futuras de ambos os países e estados, levando muito a sério as ementas de desagregação trabalhadas pela hegemonia unipolar e o efeito dominó de suas pretensões quer em relação à Federação Russa, quer em relação à República Popular da China.

Quem controla a EurÁsia, controla o mundo pelo que os relacionamentos cada vez mais aprofundados entre a Federação Russa e a República Popular da China, garantindo coesão multipolar por via de processos integradores, está no caminho certo para baldear as prerrogativas históricas consubstanciadas pela hegemonia unipolar, conferindo outro carácter às potencialidades da globalização. 

*Fotos que ilustram os passos geoestratégicos de Putin em São Petersburgo, Tashkent e Pequim, em Junho de 2016.

ATENTADOS À DEMOCRACIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



Após promulgação da Constituição de 1990, São Tomé e Príncipe realizou eleições multipartidárias pela primeira vez desde a independência. A Constituição entrou em vigor passado pouco tempo e a Assembleia Nacional, sem delongas, legalizou os partidos políticos da oposição. Candidatos independentes também foram autorizados a participar nas eleições legislativas de Janeiro de 1991.

António Setas – Folha 8

Desde essa data, a política dos sucessivos governos de São Tomé e Príncipe desenvolveu o seu desempenho no quadro de uma República semipresidencialista democrática representativa, segundo a qual o presidente da República é o chefe de Estado e o primeiro-ministro é chefe de um governo multipartidário.

Isto quer dizer que o Poder Executivo é exercido pelo governo, o Poder Legislativo é atribuído a ambos, ao governo e à Assembleia Nacional, enquanto o Poder Judiciário, independente do executivo e do legislativo é administrado, ao seu mais alto nível, pelo Supremo Tribunal.

Anteriormente responsável perante a Assembleia Nacional, o Judiciário passou a ser totalmente independente.

No que diz respeito à divisão administrativa, o país está dividido em sete municípios, seis na ilha de São Tomé e um outro compreendendo a ilha do Príncipe, dotada de um governo autónomo desde 29 de Abril de 1995. Cada distrito também mantém um número limitado de poderes autónomos de tomadas de decisão, sendo os respectivos administradores reeleitos de cinco em cinco anos.

Árduo é o rumo que leva à democracia

Desde as reformas constitucionais de 1990 e as eleições de 1991, São Tomé e Príncipe tem feito esforços e alguns progressos em direcção ao desenvolvimento das suas instituições democráticas com o intuito de garantir os direitos humanos e civis dos seus cidadãos. Os são-tomenses, aparentemente pelo menos, têm escolhido os seus governantes através de eleições pacíficas e transparentes.

Embora tenha havido discordâncias e conflitos políticos nos corredores do governo e da Assembleia Nacional, os debates têm sido realizados e resolvidos no sentido de dar uma ideia da preocupação de obedecer aos princípios democráticos. Um certo número de partidos políticos tem participado nas iniciativas do governo, expressando as suas opiniões abertamente.

A liberdade de imprensa é respeitada e há vários jornais independentes a contrapor o contraditório ao boletim do governo. Este último, pode-se dizer, não tem pautado por recorrer a medidas repressivas contra os seus cidadãos mais irreverentes, quer dizer, a liberdade de expressão é aceite e o governo nunca tomou, até à data das últimas eleições presidenciais medidas repressivas para silenciar os críticos.

Em mais de quatro décadas de independência, porém, foram registados dois brevíssimos e bem sucedidos golpes de Estado, o primeiro quando Manuel Quintas de Almeida, militar, presidente da junta de Salvação Nacional, apoiado por 900 homens em armas, tomou o poder em Agosto de 1995. Governou durante sete dias, de 15 de Agosto de 1995 a 21 de Agosto de 1995, mas foi obrigado a recuar depois de Angola ter intercedido para forçar um acordo; o segundo impôs-se em 16 de Junho de 2003 por via de um golpe de Estado liderado pelo Major Fernando “Cobo” e apoiado pela Frente Democrática Cristã (FDC), partido sem representação parlamentar liderado por Sabino Santos e Arlécio Costa, que fez apear o então presidente Fradique de Menezes nessa altura fora do país em Abuja, na Nigéria.

Sol de pouca dura. Fradique de Menezes retomou o poder uma semana mais tarde depois de ter concluído ao fórceps e com apoio da comunidade internacional e da ONU um acordo com o Major. Isto sem esquecer a descoberta de uma tentativa de golpe supostamente envolvendo a Frente Democrática Cristã , liderada por Arlécio Costa anunciada em 12 de Fevereiro de 2009.

Costa e mais de 30 outros insurrectos foram então presos.

O petróleo a baralhar e a dar cartas

Ogolpe de Estado de Fernando “Cobo” tinha muita água no bico, ou melhor, muito petróleo! É que em 2003 já era mais que sabido que na área marítima de São Tomé e Príncipe existem enormes reservas de petróleo em águas profundas que as novas tecnologias consideravam então comercialmente viáveis. Mais de 10 biliões de barris de petróleo ao redor das ilhas, com o potencial para eventualmente produzir 3 milhões de barris por dia.

Era mais do que suficiente para o golpe de “Cobo” ter definhado e acabar por ser derrubado no espaço temporal duma semana, após uma mediação internacional que permitiu ao presidente Fradique de Menezes voltar da Nigéria para entabular conversações com o Major, a fim de este renunciar ao poder que ele tinha exercido durante alguns dias. Foi um sucesso retumbante, conseguido graças a altas pressões, exercidas sobre os rebeldes por parte dos Estados Unidos, União Africana e Portugal, confortados pelo Banco Mundial, que ameaçou os golpistas de isolamento diplomático e cortes de subsídios.

Tal reviravolta tinha ares de milagre pagão, no qual intervieram não só a fabulosa riqueza petrolífera em perspectiva, mas também uma vaga promessa de realização de eleições que nunca chegaram a ser realizadas antes de a liderança do presidente chegar ao seu termo.

Assim, perante a perspectiva de um enriquecimento rápido e fácil, como que por encanto São Tomé e Príncipe passou a ser avaliado na comunidade internacional como sendo uma espécie de caverna cobiçada pelos Ali Babas do Ocidente, mau grado ser até aí um arquipélago pobre, ao tempo com uma renda média de apenas 70 centavos de dólar por dia (US $ 280 por ano) e uma economia agrícola cujo principal produto de exportação, o cacau, produzia essa altura em torno de apenas US $ 4 milhões por ano.

A doença moderna da “petrolite aguda”

De Menezes teve cinco primeiros-ministros nos seus três primeiros anos de mandato e dissolveu o parlamento em Janeiro de 2003, em parte devido a discordâncias sobre quem deve controlar o sector petrolífero e a quem cabia o direito de negociar contratos de exploração com empresas de petróleo.

Quando o parlamento se reuniu novamente, as divergências logo ressurgiram, quando o presidente admitiu ter recebido um pagamento de uma companhia de petróleo internacional que ele usou para financiar a sua campanha eleitoral.

Confissão digna de respeito do ponto de vista moral, mas um desastre político, uma espécie de tiro nos pés, tanto mais que de Menezes tinha anteriormente dito que “interesses petrolíferos” não revelados teriam tentado destabilizá-lo. Os opositores saltaram sobre a deixa e acusaram-no de receber apoio da Nigéria. Vemo-lo então a aparecer na conferência de Abuja para discutir, entre outras coisas, o recente acordo assinado entre os dois países.

Em suma, esta última renegociação causou um clamor público de vários membros importantes da elite são-tomense, que descreveram as ofertas como pobres e muito generosas para os Nigerianos, o que de resto, apenas serviu para inspirar o Major “Cobo” a armar-se em Zorro africano a acorrer em defesa dos interesses do povo são-tomense contra a ganância dos principais agentes da Máfia do petróleo.

Depois do “happy end” do golpe de “Cobo”, eis que chega a vez desses mesmo agentes da Mafia petrolífera, entre os quais, à parte agentes topo de gama dos Estados Unidos da América e da Nigéria, apresentaram propostas de bons ofícios outros “amigos” de São Tomé e Príncipe, entre eles de Israel e, vejam só, de Angola e da Guiné Equatorial, armados em defensores das águas do espaço marítimo em redor da ilha na mira de participar nos sumptuosos benefícios do petróleo.

A eleição presidencial de 2016

Omandato do presidente Manuel Pinto da Costa, não partidário, estendeu-se de 3 de Setembro de 2011 a 17 de Julho de 2016, dia das recentes eleições para a presidência no arquipélago. Ele reapresentou-se como candidato, mas vejamos, antes de entrar no âmago do tema, qual é o figurino adoptado para o pleito eleitoral em São Tomé e Príncipe.

Segundo a Comissão Eleitoral Nacional do arquipélago, estão habilitados a votar 111.222 cidadãos recenseados. O distrito de Água Grande, localizado na capital do País, Cidade de São Tomé, destaca-se com 39.209 eleitores, o segundo mais populoso é o de Mé-Zóchi, na Cidade da Trindade, com 25.092 mil. Entre os distritos com menor número, realça-se Cauê, no Sul do País, com apenas 4.037 eleitores, ao passo que a Região Autónoma do Príncipe tem 4.724.

Concorreram ao cargo de Presidente da República, o presidente cessante Manuel Pinto da Costa, o vice-presidente do Parlamento, Evaristo de Carvalho, a ex-primeira-ministra, Maria das Neves, o professor Manuel do Rosário e o economista Hélder Barros. Tudo apontava para um despique cerrado entre os três primeiros nomes desta lista e o que aconteceu foi, antes de ir mais longe, uma enorme surpresa. De Carvalho obteve 50,1% dos votos e os seus rivais engoliram em seco os menos de 30% que lhes foram outorgados pela votação.

Saltaram de imediato para a arena da contestação desse resultado os dois vencidos, alegando FACTOS, entre os quais são de realçar:

a) Em determinadas assembleia de voto, o número de votos foram superiores ao número de eleitores inscritos.

b) Foram registados pagamento de membro do partido dominante (ADI) em algumas mesas de voto com o deliberado intuito de introduzir boletins na urna a favor do candidato do partido ADI, precisamente o de Evaristo de Carvalho.

c) No acto de verificação da validade dos votos no Distrito de Lemba, os mesmos foram contados com portas e janelas fechadas, longe de olhar do público com de militares…

d) Muitos mortos e muitos daqueles que viajaram e não podiam votar, constavam nos cadernos eleitorais, apareceram como votantes nos cadernos eleitorais. Ou seja, os mortos também votaram nestas eleições.

e) Muitas pessoas que foram impedidas de votar em Portugal e Angola, Guiné Equatorial e Gabão porque tinham registos em STP, apareceram seus nomes em STP como se tivessem exercido o seu direito de voto.

Resumindo sem concluir

Verificados este factos, para além de terem de ser consideradas nulas estas eleições, devia haver processos crimes e os elementos da ADI, que estão na base destas fraudes evidentes, deviam ser chamados imediatamente à justiça como arguidos, num julgamento severo que pudesse servir de lição, inclusive no que toca à cumplicidade do seu chefe máximo.

A fraude é gigantesca e, sendo a força do dinheiro que o petróleo augura, muito mais forte do que todas a considerações morais e de ética governativa, é de recear que este crime morra solteiro e nada possa incriminar a fraude cometida contra o povo de São Tomé e Príncipe.

*Artigo de 24.07.2016, entretanto a situação já evolui para patamares mais negativos de um Estado Democrático, que pode acompanhar em São Tomé e Príncipe - no Página Global. (PG)

Angola. TORTURA E HOMÍCIDIO: SOFRER E MORRER ÀS MÃOS DA POLÍCIA NACIONAL



Rafael Marques de Morais – Maka Angola

Flávio Agostinho Carizo, de 25 anos, foi torturado até à morte por agentes policiais, com a sua esposa e alguns amigos a testemunhar o acto, como se de um espectáculo público se tratasse. Por exemplo, depois de lhe amarrarem os testículos, os agentes espremiam-nos a seu bel-prazer, entre outras atitudes de violência extrema. Tudo aconteceu no mês passado, na 39.ª Esquadra do Bairro Kikolo, no Município de Cacuaco. A unidade é conhecida como a Esquadra do Cauelele, e a tortura foi infligida a cinco jovens; dois deles sobreviveram e encontram-se detidos em Viana.

Reiteradas vezes e de forma aleivosa, Rui Mangueira, o ministro da Justiça, tem informado a comunidade internacional acerca da inexistência de violações dos direitos humanos em Angola. Ora, Maka Angolareporta regularmente casos de tortura policial. Talvez para o ministro a tortura contra cidadãos comuns seja apenas mais uma das instâncias de “sofisticação” legal do poder que representa. Os cidadãos não valem nada, só as mentiras e a arrogância dos dirigentes é que são dignas de nota.

Um dos sobreviventes do episódio de tortura com que iniciámos este texto, e que actualmente se encontra detido no Estabelecimento Prisional de Viana, descreve ao Maka Angola a brutalidade policial.

Bernardo Correia Gaspar “Matata”, de 22 anos, viu e sentiu o seu próprio par de muletas a vergastar-lhe o corpo. Ao invés de servir de apoio à perna esquerda, que no ano passado foi atingida por dois tiros disparados por um vizinho, as muletas passaram a instrumento de tortura nas mãos de agentes policiais.

Sobre o estado em que se encontra, Matata diz que só Deus sabe como ainda está vivo. Pior sorte teve o seu amigo Flávio Agostinho Carizo, judoca, que lhe morreu nos braços, na cela.

A 15 de Junho, por volta das 15h00, Matata estava com a namorada, Letícia, em casa da sua madrasta. Aí se encontrava também o irmão, Rogério Gaspar, de 20 anos, que por sua vez recebera a visita do amigo Tômbwa Eduardo, de 24 anos. Os dois estavam a ver um filme de Jean Claude Van Damme. Foi Tômbwa quem abriu a porta e respondeu que Matata se encontrava, naquele momento, no quarto com a namorada. Mesmo sem que as autoridades exibissem qualquer mandado de captura ou de busca, conforme testemunhos de vários entrevistados, os quatro foram detidos.

“Sem eu saber de nada, começaram a espancar-me ali, com a minha própria muleta. Detiveram também a minha namorada e o meu irmão Pedro Rogério Gaspar, de 20 anos”, conta o jovem.

Um outro amigo, Ilídio Manuel Graça, de 17 anos, que se deslocara à casa da vizinha para comprar cerveja, também já se encontrava na viatura policial e a ser espancado.

Por sua vez, a irmã mais velha de Matata, Jandira Gaspar, que assistiu igualmente à captura, explica ainda que os agentes supostamente tinham a missão de capturar cinco jovens que se encontravam a beber no quintal da vizinha. “Quatro dos moços fugiram e a polícia matou um deles com um tiro nas costas, o Márcio. Os mesmos polícias ainda saquearam a casa da senhora, levaram um rádio, um descodificador da Zap e beberam as cervejas que ela estava a vender.” Nesse mesmo quintal onde se dirigiu para comprar cerveja, Ilídio Manuel Graça foi detido.

Tortura pública

Os agentes policiais dividiam-se em duas viaturas de patrulha. “Matata” viu o seu amigo Flávio Agostinho Carizo, ser transferido da segunda para a primeira viatura, onde foi colocado juntamente com o seu irmão, a namorada e Tômbwa.

Flávio saia de casa quando os agentes policiais o detiveram. “A polícia fez tiroteio para afugentar as pessoas e dispararam contra ele [Flávio]. Despiram-no ali mesmo. Os polícias não tinham mandato de captura. Alguns vestiam coletes do SIC [Serviço de Investigação Criminal]”, afirma a irmã Deolinda Coelho.

Um dos agentes pediu aos colegas que libertassem a namorada de “Matata” e, conforme o depoimento do próprio, o seu pedido foi ouvido. Antes, contudo, “os agentes deram-lhe várias bofetadas no rosto e roubaram-lhe os 15 mil kwanzas que tinha consigo”, menciona Jandira Gaspar, irmã de “Matata” e Rogério.

“Os seis agentes que nos estenderam na carroçaria do patrulheiro começaram a bater-nos aos quatro, ali mesmo, com as minhas muletas e uma barra de ferro que tinham no carro. Um das muletas ficou toda vergada”, denuncia “Matata”.

Primeiramente, os agentes encaminharam os detidos para o Posto Policial de Ndala Mulemba, afecto à 39.ª Esquadra. Jandira Gaspar conta que seguiu os captores até esta unidade, juntamente com outros familiares, e assistiu à tortura dos detidos.

“É uma unidade de contentor e não tem vedação. Vimos os polícias a abrirem a testa do Flávio [Carizo] com uma coronhada de AK na cabeça. Ele tinha as mãos algemadas [na parte superior de uma carrinha Toyota], já lhe tinham mudado a roupa”, denuncia. Sara Mendonça, esposa de Flávio, também assistiu a tudo.

Por sua vez, Tômbwa menciona que “os polícias usavam mais a muleta do “Matata” para bater-lhe na zona da perna onde levou o tiro”.

Tômbwa Eduardo estudou Ciências Jurídicas e Económicas e trabalha numa cadeia de supermercados. “Eram muitos polícias a baterem-nos, incluindo uma equipa do SIC [Serviço de Investigação Criminal]. Usavam porretes, as muletas, ferros e tudo o que tivessem às mãos. Não sabíamos por que estávamos a ser torturados”, conta.

Nessa mesma noite, foram transferidos para a 39.ª Esquadra, conhecida como Esquadra do Cauelele.

“No Cauelele, os investigadores queriam que assinássemos papéis a incriminar-nos de assaltos à mão armada. Eu tenho bases jurídicas e tentei argumentar que não podia assinar por um crime que desconheço. Nem sequer fomos ouvidos”, lamenta Tômbwa.

“Como a minha família apareceu, os investigadores deram-me a escolher. Ou eu assinava e era libertado, ou então continuariam a torturar-me. Assinei e libertaram-me [na manhã de 16 de Junho]”, revela. Rogério Gaspar também foi libertado.

Tortura até à morte                                                                                     

Matata, Flávio e Ilídio continuaram a ser torturados.

Bernardo Correia Gaspar identifica o investigador Chagas e os agentes Saidy e Peixe como os principais executores da tortura.

 “Algemaram-nos abraçados a um tronco e continuaram a torturar-nos com barras de ferro, tábuas e cabos de electricidade. Tínhamos de responder sim a tudo o que nos acusavam, ou aumentavam a tortura”, relata a vítima.

Segundo Bernardo Correia Gaspar, “nós éramos teimosos. Não queríamos assumir crimes que não cometemos e que desconhecíamos”.

Os agentes alegadamente exigiam que os jovens assumissem, como crimes específicos, o assalto à armada a uma residência em Caxito, na província do Bengo, e ainda crimes de homicídio.

“Eu assisti à tortura dos miúdos. Entrei na esquadra porque conheço vários polícias. O Ilídio estava amarrado, abraçado a uma mangueira. E lhe açoitavam com cabos eléctricos tipo no tempo da escravatura. Cada vez que recusavam aceitar os crimes que lhes imputavam, os polícias aumentavam a tortura. Eu vi e ouvi”, enfatiza Jandira Gaspar.

Por volta das 6h00 de domingo, 17 de Junho, os torturadores retiraram as vítimas da cela, para dar início a mais uma sessão de tortura.
Jandira Gaspar conta o que viu então.

“Os polícias amararram uma corda nos testículos do Carizo e iam puxando enquanto lhe perfuravam as pernas com uma faca e um ferro”, descreve.

Matata prossegue: “Os polícias usaram uns porretes de metal, tábuas e cabos de electricidade, e batiam-nos em todo o corpo. O [Flávio] Carizo estava muito inflamado com a tortura.”

Nesse mesmo dia, “a esposa do meu filho [Sara] viu-o a ser transportado para uma viatura às costas de um polícia. Ela aproximou-se, mas os outros polícias não permitiram que ela visse mais, pediram-lhe um pano para tapá-lo, dizendo que estava cheio de febres. O meu neto, de três anos, viu o pai e pôs-se logo a chorar aos gritos”, explica o pai de Flávio, Agostinho Carizo. Levaram-no para o Hospital Municipal de Cacuaco, onde fez um raio-x, levou uma injecção e foi devolvido à cela.

No dia 18 de Julho, e conforme o seu testemunho, Deolinda Coelho pediu aos oficiais da 39.ª Esquadra que evacuassem o seu irmão para o hospital, devido ao seu estado de saúde alarmante. “Os polícias disseram-me que o caso era da responsabilidade do Serviço de Investigação Criminal [cujos operacionais se encontravam ausentes] e que nada podiam fazer. Era preso do SIC.” A irmã foi ao piquete do SIC no Comando da Divisão de Cacuaco para solicitar a intervenção deste órgão mas, como diz, “o oficial de serviço começou a dar-me voltas até o meu irmão morrer.”

Pouco depois das 6h00 do dia 19 de Julho, os investigadores voltaram à rotina de retirar os detidos da cela para mais uma sessão de tortura. “Voltaram a pôr-nos na cela e o Flávio acabou por morrer nos meus braços”, confirma Bernardo Correia Gaspar Matata.

Matata diz que todos os detidos que se encontravam na cela gritaram e pediram que o corpo fosse removido, mas sem sucesso. Só por volta do meio-dia “vieram tirá-lo da cela. Já estava morto desde quase às 7h00. Estava morto no meu colo”.

“Conheço os que torturaram o Carizo até à morte. É o chefe Chagas, da Investigação Criminal, da Esquadra do Cauelele, o Peixe e o Saidy. Também reconheço o carcereiro que os ajudou a torturar-nos.”

O pai de Flávio Agostinho Carizo, acrescenta:

“Quando escutei que o meu filho estava nas mãos da polícia não me preocupei. Julgava que a autoridade investigaria e faria justiça. Afinal, este país não tem leis, não tem ordem. A polícia levou o meu filho para executá-lo, num país que diz não ter pena de morte”, começa.

Agostinho Carizo explica que, ao saber da notícia, se dirigiu ao gabinete do oficial do SIC, em serviço no Comando da Divisão de Cacuaco, para saber o que se passava, tendo sido informado de que o filho se encontrava “nos cuidados intensivos”, no Hospital Municipal de Cacuaco. “Já sabíamos que estava morto desde às 7h00. Fomos directamente à morgue do hospital, onde nos informaram que o menino já estava morto quando chegou ao hospital e que o seu corpo foi transferido para a morgue do Hospital Josina Machel”, continua.

Na morgue, “encontrámos o corpo na pilha dos desconhecidos e abandonados”. Quando verificámos o registo de entrada, “os polícias escreveram que o ‘desconhecido’ teve morte súbita”, denuncia o pai.

Deolinda Coelho menciona que “no dia 20 foi ao gabinete do chefe do SIC [Comando da Divisão do Cacuaco], João Saldanha para denuniciar a morte do meu irmão. Ele pediu uma autópsia, que se fez no dia 21.”

“No dia 22 entreguei-lhe o resultado da autópsia e, na minha presença, ele ligou ao comandante da Esquadra de Cacuaco para lhe pontualizar. Ele [comandante] negou [qualquer responsabilidade sobre o homicídio] e disse que devia ser o SIC a resolver o assunto e depois informá-lo apenas dos resultados”, continua.

“Já fiz várias cartas a exigir esclarecimentos e justiça por parte da Polícia Nacional e continuam a ignorar-me. Até hoje, a polícia não informou sequer a razão que os levou a deter o meu filho. Não sei porque prenderam e assassinaram o meu filho”, afirma Agostinho Carizo.

A certidão de óbito passada pelo Hospital Municipal de Cacuaco, a 21 de Julho, na posse de Maka Angola, confirma o resultado da autópsia: o jovem morreu em consequência de traumatismos cranianos “e dos testículos”, resultantes de “agressões físicas com objecto contundente”.

Flávio Agostinho Carizo foi enterrado a 25 de Junho, dia em que completaria 26 anos de vida. O dia de nascimento foi o dia do seu enterro.

A transferência de Matata

Depois de transferido para o Comando Municipal de Cacuaco, da Polícia Nacional, Bernardo Correia Gaspar passou aí cinco dias e foi finalmente ouvido pelo procurador de serviço.

Jandira Gaspar que tem acompanhado de perto o processo do irmão, refere que, na Esquadra de Cauelele, os investigadores instruíram um processo acusando os jovens de terem assassinado um agente da Polícia Nacional, de serem assaltantes de viaturas (batuqueiros), e de terem realizado assaltos no Bengo. Acrescenta que “o procurador achou que as acusações não faziam sentido nenhum, até porque o Matata mal consegue caminhar sem o apoio das muletas. Disse que os colegas prendiam à toa. Por isso levaram o meu irmão para o Hospital Prisão de São Paulo, para ele não ser mais ouvido e com as acusações que inventaram”, denuncia Jandira.

À chegada do Hospital Prisão de São Paulo, Matata conta: “Fui espancado com o cabo da pistola, com bofetadas e pontapés, pelo chefe Messias, que comandou a minha transferência de Cacuaco para lá.” Protestava contra a sua transferência porque queria ser ouvido pelo procurador.

O jovem refere que tem cicatrizes por todo o corpo. “Estou com lesões nas costelas. Não durmo por causa das dores. Bateram-me muito. Só mesmo Deus! Estou vivo por causa dele”, confessa.

Fonte do Comando Municipal de Cacuaco, sob anonimato, refere que o jovem “está como um preso privado do Esquadrão do Cauelele [da Esquadra do Cauelele]. O objectivo é matá-lo e depois inventarem que era um bandido altamente perigoso”.

Maka Angola tem acompanhado, nas últimas duas semanas, as diligências de Maria Manuela junto do Comando Municipal de Cacuaco para obter, no mínimo, o número do processo de detenção de “Matata” e alguma justificação para a sua detenção, mas sem sucesso até agora.

Esta é a mesma polícia que se recusa a responder às petições de Agostinho Carizo, o pai do malogrado Flávio.

A estratégia das autoridades policiais e judiciais de não responderem aos cidadãos quando são elas próprias a violar as leis, a abusar e a matar cidadãos indefesos e presumíveis inocentes não deve deixar de ser denunciada. O silêncio dos matadores tem de ser trazido a público, e Maka Angola acompanhará o caso até que se faça justiça.

Antecedentes

Em 2013, Matata encontrava-se a viver em Viana, em casa da sua tia Emília, quando forças policiais foram capturá-lo sob suspeita de ter participado no assassinato de um agente policial, conhecido apenas por Frank.

Mais uma vez, passou pelo crivo da tortura. “Até a tia Emília foi espancada pela polícia, no acto de detenção do Matata”, conta Jandira Gaspar.

Antes de ingressar na Polícia Nacional, Frank, mestre em judo, havia fundado e liderado um grupo denominado Mana Moça, do qual Matata fez parte. “Havia de tudo no grupo, delinquentes, jovens que gostavam de lutar na rua e outros que só gostavam de organizar festas.”

“O Frank era meu kota, meu amigo e da minha família. Ele gostava muito de mim. Nem me passava pela cabeça que eu pudesse ser acusado de tal crime. Mas, mesmo depois de ser polícia, ele continuava a ser delinquente. Ele foi morto num outro bairro e levado para a Esquadra do Cauelele [39ª] já morto”, conta Matata.

“Os polícias inventaram que o Frank ainda chegou à esquadra com vida e lhes disse que o Matata, o Matabicho, o Leão e o Wassaluka é que lhe tínhamos emboscado e disparado contra ele”, explica.

Depois de um ano detido, Matata foi a julgamento em Abril de 2014, no Tribunal Provincial de Luanda.

“No tribunal, o jovem que levou o Frank à esquadra disse a verdade ao juiz. Que ele estava com o Frank quando homens mascarados atacaram o agente policial a tiro, à saída de uma festa, e que o levou dali já morto”, explica Matata.

Depois de um ano detido, a 17 de Novembro de 2014, o juiz absolveu-o, tendo sido provada a sua inocência. Em liberdade, Matata dedicou-se à profissão de barbeiro.

O jovem confessa ter cometido um crime que nunca foi investigado. “Em 2013 ameacei um rapaz com uma garrafa, e roubei-lhe o telefone. Este foi o meu único crime, e não fui preso por isso. Já lutei muitas vezes na rua, em grupo, mas nunca tive uma arma.”

A 3 de Outubro de 2015, um vizinho, identificado como Mendes, atingiu Matata com dois tiros na zona da tíbia e do perónio. “O meu filho estava de passagem aqui na rua, com um miúdo que o acompanhava. O Mendes fez pontaria contra ele de perto, com uma AK [de cano cortado] e disparou três tiros”, explica a mãe, Maria Manuela. Matata confirma que foi atingido por dois dos tiros. O autor foi mais tarde identificado como colaborador do serviço de investigação da Esquadra do Cauelele.

Do hospital para a cadeia

Matata foi internado no Hospital Provincial de Caxito, no Bengo. Agentes policiais interromperam o seu tratamento e detiveram-no. “Passei seis dias na cela do Comando Municipal de Cacuaco, com a perna a apodrecer, sem nenhuma assistência médica. Um dos investigadores viu o meu estado de gravidade e pressionou para a minha transferência para o Hospital Prisão de São Paulo”, afirma Matata.

“O sector de investigação usava a prisão para extorquir dinheiro da família. Telefonavam-me constantemente a exigir primeiro 150 mil, e como não tínhamos como pagar foram baixando o preço até mil kwanzas, para deixarem o meu filho. O tal chefe Chagas e o [João] Saldanha, da investigação criminal de Cacuaco, é que me ligavam directamente”, denuncia a mãe.

A vítima passou seis meses em São Paulo, tendo sido transferido para a Comarca Central de Luanda, onde passou mais um mês. A 20 de Abril de 2016 foi libertado sob termo de identidade e residência, com o Processo n.º 3456/15, assinado pela procuradora Florinda Agostinho Nelomba, junto do Comando Municipal de Cacuaco.

Dias antes desta detenção, alguns agentes da Esquadra do Cauelele prenderam-no na rua no período de tarde. “Torturaram-no, sobretudo no abdómen, onde sofreu uma operação recentemente”, denuncia a mãe. Foi libertado a seguir, mas não conseguia sequer manter-se de pé. A mãe levou-o para o hospital.

“É tanta injustiça que já não sei mais o que fazer”, lamenta Maria Manuela.

Os responsáveis

Na opinião de Rui Verde, analista do Maka Angola, "a responsabilidade destes actos criminosos, violação de domicílio, tortura e homicídio não é só daqueles polícias que os praticaram, mas também daqueles que têm um dever funcional de garantir que eles não ocorrem: as chefias”.

Para o analista, “estaremos perante autoria dos crimes por parte das autoridades policiais por acção de subalternos e por omissão de dirigentes”.

“Porque este relato não é o primeiro a surgir. Recentemente, têm abundado as informações sobre maus-tratos e tortura nas instalações policiais, o que indicia que estamos perante um comportamento crónico, permanente. Assim sendo, a responsabilidade política, penal e disciplinar é também do ministro do Interior, do comandante geral da Polícia Nacional e do director do SIC”, assevera o analista jurídico. Trata-se do comissário Ângelo de Barros de Veiga Tavares, ministro; do comissário-chefe Ambrósio de Lemos, comandante-geral; e do comissário Eugénio Pedro Alexandre, director do SIC.

“Tão criminosos são os que fazem como os que deixam fazer, ou eventualmente incentivam ou ‘fecham os olhos’ a este tipo de comportamentos”, remata Rui Verde.

Angola. AMNISTIA NÃO-VIOLENTA - cartoon





Regime angolano declarou uma ampla amnistia

Cartoon de Sérgio Piçarra - Luanda, 1969. Autor de BD e cartoonista, é pioneiro e impulsionador destas artes em Angola. Tem livros publicados e participação em exposições colectivas, obteve um Diploma de mérito do Ministério da Cultura.

Rede Angola

Domingos da Cruz:"É um equívoco chamar Angola uma democracia" – com áudio



No Angola Fala Só desta Sexta-feira, 22 de Julho, o activista Domingos da Cruz disse não ver em Angola um regime democrático, mas sim um regime autoritário, em que o poder "é um homem e todos os poderes estão concentrados", nessa mesma pessoa, referindo-se ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.

Domingos da Cruz é um dos 17 activistas acusados de crimes de rebelião e associação de malfeitores contra o Estado angolano, que foi liberto a 29 de Junho de 2016. Para o também jornalista e escritor, a liberdade que lhe foi concedida, bem como aos restantes activistas envolvidos no caso, é "uma liberdade parcial, num quadro meramente político", mantendo assim a sua posição de "não contradição" em relação ao que tem dito ou à forma como tem agido.

"Seria um erro brutal considerar a nossa liberdade no enquadramento jurídico", refere Domingos da Cruz, explicando que o habeas corpus concedido pelo Tribunal Supremo de Angola foi uma vontade e decisão de José Eduardo dos Santos.

O também professor universitário vai mais longe, dando como exemplo o sistema de Apartheid vivido na África do Sul, que condenou Nelson Mandela, para explicar a questão da funcionalidade judicial e a separação de poderes: "O tribunal que condenou Mandela funcionava", refere Cruz.

Sem fatalismos, mas também sem esperança

Questionado por Avelino Agostinho, um ouvinte do Uíge, sobre a possibilidade de mudança de regime em Angola, o activista não hesita quando diz que não vê "variáveis que nos possam ajudar a traduzir uma mudança, devido ao contexto em que nos encontramos e ao grau de letargia", lançando uma crítica à sociedade angolana:

"Os angolanos até agora ainda não perceberam a importância da unidade, preferem agir de forma individual, olhando para interesses exclusivamente pessoais, o que não nos permite alcançar uma unidade colectiva".

Narciso Mário, um internauta que acompanhou o programa pela emissão em directo através do Facebook, pediu a Domingos da Cruz que comentasse sobre os limites da democracia angolana.

Para Domingos da Cruz "é um equívoco chamar Angola de democracia, tanto do ponto de vista teórico quanto prático". "Para ser uma democracia", continua, "teria que ser uma sociedade em que as minorias não abafam as maiorias".

O professor universitário usou como exemplo países africanos que ele considera democracias: ilhas Maurícias, Gana, África do Sul, Namíbia, onde "não se perseguem os opositores pelas suas ideias, onde há alternância de governação".

Domingos da Cruz referiu várias vezes que não é fatalista, mas que não vê esperança em Angola.

Eleições em Angola: "Simulacro para legitimação do regime autoritário"

Sobre a lei da amnistia, recentemente aprovada pela Assembleia Nacional, Domingos classifica de "auto-amnistia", que serve para ilibar pessoas ligadas ao poder de crimes económicos, que para ele já não tinham qualquer punição jurídica anteriormente.

Por outro lado esta lei, diz Cruz, "descomprime a posição do regime em relação à prisão" (dos activistas).

"É uma outra saída que o Presidente angolano encontrou para tentar limpar a imagem do quadro político", acrescentou.

No que toca ao activismo em tempo de eleições, como muitos ouvintes e internautas questionaram, o activista, que está sob termo de identidade e residência, diz que as "eleições nas ditaduras são afirmações da legitimação do tirano".

"O que acontece em Angola não são eleições, temos realizado simulacros eleitorais", reforça.

Sobre as manifestações como forma de mudança do regime actual, Domingos da Cruz, que cumpriu cerca de nove meses de prisão efectiva, além de três meses de prisão domiciliária, é de opinião que devem ser feitas manifestações pacíficas, "mas não nas proporções do que se faz em Angola", dando como referência o Burkina Faso. Contudo, o activista reconhece que isso "pressupõe coragem".

Fazendo várias comparações ao longo da conversa com os ouvintes e internautas, entre Angola e outros países de África, bem como do resto mundo, o activista realçou que apenas em países como Angola ser activista é motivo de destaque internacional, chamando a atenção para a existência de um activismo de facto no país.

No que toca a medos que teve enquanto esteve na prisão, Domingos da Cruz revelou ter medo (ainda, mesmo em liberdade) de ser envenenado, pois segundo explicou os "próprios agentes dentro da cadeia disseram ter ordens para envenenar quem esteja contra o regime".

Domingos da Cruz diz que não pode fazer exames toxicológicos em Angola porque "até os médicos têm um comité de especialidade" no país, o que não lhe inspira qualquer confiança.

Voz da América – Angola Fala SóCOM ÁUDIO

Angola. A SUPERAÇÃO DA CRISE



Jornal de Angola, editorial

É  dado adquirido que o desenvolvimento económico do país tem de ocorrer em todas as  regiões do país, fazendo sentido que haja programas que estejam centrados na criação de condições de diversa natureza, para que todo o país, com o aproveitamento das potencialidades específicas de cada área geográfica, alcance o progresso

Só conseguiremos o progresso do nosso país se prestarmos atenção ao crescimento  económico de todas as nossas províncias , sem excepção. Angola tem potencialidades em todo o seu território, e cabe-nos explorá-las e tirar benefícios delas. Não é tarefa fácil, mas também  não é uma empreitada impossível.  Temos capacidade de tornar o nosso país auto-suficiente em variados produtos. Há empresários que têm dado provas de que é possível produzir em Angola em qualidade e em quantidade para o consumo interno e até para a exportação. Não podemos ficar apenas a contemplar as nossas potencialidades. Temos de entrar em acção para as transformar.

Temos de estar todos envolvidos neste processo de relançamento da nossa economia , potenciando todos os recursos que temos ,para que as nossas vidas melhorem. Todas as nossas  províncias têm potencialidades, a que as autoridades e agentes económicos , nomeadamente as empresas, devem estar atentos. É hora de acção e criatividade para resolvermos muitos dos nossos problemas.

As autoridades e os empresários devem nesta altura em que precisamos de diversificar a nossa economia e de construir infra-estruturas para apoiar a actividade  empresarial, criar  mecanismos  de  colaboração de modo a que os projectos a concretizar venham realmente a   produzir resultados. Há muitas áreas em que importa ouvir as opiniões de empresários para  que se concebam políticas públicas que sejam viáveis.

O princípio da colaboração entre as entidades públicas e as empresas pode contribuir por exemplo para se evitar o cometimento de erros na concepção de programas de   desenvolvimento económico a cargo das entidades públicas. É positivo que os agentes económicos privados (empresas) participem na elaboração de estratégias de crescimento e desenvolvimento económico do país. Os agentes económicos devem ser parte do esforço que todos nós desenvolvemos para tirar o país da crise económica e financeira que atravessamos.

Temos de valorizar o conhecimento daqueles que podem ajudar o país a crescer. Que se dê os incentivos necessários àqueles que, pela sua experiência ou pelo seu  empreendedorismo, são capazes   de contribuir para o crescimento económico do país, em qualquer ponto do território nacional. É preciso que se preste atenção às actividades produtivas realizadas por angolanos em todas as partes do nosso vasto território. Um dos nossos grandes problemas é o desemprego e  é positivo que haja projectos  que  façam com que muitos jovens desempregados sejam absorvidos pelo mercado de trabalho e  que mudem  as condições de vida das populações.

É importante que se esbatam no país  as assimetrias regionais, por via de projectos  exequíveis e de grande alcance em várias províncias do país. Temos províncias que podem ajudar a alavancar a indústria em determinadas regiões do país. Que haja inteligência e visão para que os programas de desenvolvimento tenham sustentabilidade, para que não sejam projectos  efémeros. Que aprendamos com os erros do passado, para fazermos melhor as coisas. E há angolanos  que  têm conhecimento e que podem evitar que se cometam mais erros. O empresariado privado tem dado mostras de que está disponível para  fazer com que o país supere  esta fase difícil da nossa vida, marcada pela crise  económica e financeira.

A luta pela prosperidade do país vai ainda levar-nos algum tempo, mas é importante  que estejamos todos alinhados com o esforço nacional de levar Angola a atingir patamares  elevados de desenvolvimento.

Todos nós, angolanos, temos a obrigação de trabalhar arduamente para que Angola seja um  lugar bom para se viver. Temos de apostar na erradicação da pobreza, do analfabetismo e  na qualidade do ensino, para que tenhamos um país capaz de ultrapassar  o subdesenvolvimento. Temos de ter como um grande objectivo a luta contra o subdesenvolvimento. Não estamos condenados a viver sempre em situação de pobreza. Nós podemos, com as nossas potencialidades que a natureza nos deu  e com o nosso trabalho, acabar com este mal, que afecta ainda muitos angolanos. Vivemos tempos  em que  não temos outro caminho senão trabalharmos arduamente. Os nossos problemas só se vão resolver se nos dedicarmos ao trabalho e ao estudo. O processo de desenvolvimento económico implica tarefas múltiplas  e  difíceis. Temos já todos consciência de que atravessamos momentos que requerem a busca de soluções duradoiras   que  façam com que  as comunidades possam viver melhor.

Os angolanos são um povo que sabe enfrentar as dificuldades e superá-las. A crise que atravessamos pode ser superada. Que sejamos optimistas e tenhamos vontade de partir para uma frente com o objectivo de construirmos um país em que todos possam desfrutar dos benefícios do desenvolvimento.

S. Tomé e Príncipe. Se Pinto da Costa desistir Evaristo irá sozinho à segunda volta das presidenciais



São-Tomé, 26 Jul ( STP-Press) -  O candidato as presidenciais são-tomenses, Evaristo Carvalho poderá concorrer sozinho à segunda volta das eleições, caso o concorrente Manuel Pinto da Costa vier a consumar a sua anunciada desistência do segundo sufrágio a realizar-se a 7 de Agosto no arquipélago, - declarou  segunda-feira o juiz do Tribunal Constitucional, José Bandeira.

O Juiz, presidente fez esta declaração no acto de apuramento geral do resultado definitivo da votação de 17 de Julho que confirmou a realização de uma segunda volta entre o candidato do partido ADI no poder,  Evaristo de Carvalho  com 49,8 por cento de votos e Pinto da Costa com 24,83 por cento de votos, como os mais votados na primeira volta do dia 17 de Julho.

Interrogado pela imprensa sobre uma eventual desistência de Pinto da Costa, José Bandeira explicou que "a segunda volta é uma realidade, está confirmada e na circunstância dessa desistência não há hipótese de chamar outro candidato para concorrer e fazer uma dupla, e teremos nesse caso apenas um candidato".

Numa declaração pública, o candidato Manuel Pinto da Costa condicionou a sua participação na 2ª volta das eleições, tendo considerado que “participar num processo eleitoral tão viciado seria caucioná-lo”.

Sobre a impugnação apresentada por Pinto da Costa e Maria das Neves, Bandeira esclareceu que o Tribunal vai pronunciar-se no momento oportuno, descartando para já qualquer irregularidade no processo eleitoral.

O juiz do Tribunal Constitucional felicitou ainda a Comissão Eleitoral Nacional, CEN, pelo trabalho prestado em fase de contagem parciais dos dados provisórios não obstante as reclamações das candidaturas de Pinto da Costa e Maria das Neves bem como os partidos da oposição.

De acordo com resultados do Tribunal Constitucional, Evaristo de Carvalho conseguiu 34.522 votos, o que corresponde a 49,88% dos votos expressos, seguido de Manuel Pinto da Costa com 17.188 votos (24,83%), Maria das Neves com 16.828 (24,31%), Manuel do Rosário obteve 478 votos (0,69%) e Hélder Barros outros 194 (0,28%)

RN

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