David
Pontes* - Jornal de Notícias, opinião
O
juiz Carlos Alexandre deu uma entrevista. Atentemos à palavra "juiz"
em conjugação com "deu uma entrevista". Aqui está uma coisa digna de
registo, já que não é muito vulgar juízes darem entrevistas. Atores de novelas,
políticos, artistas, sim, já juízes nem por isso. E há razões para isso.
Como
detentores do poder de administrar justiça é suposto que o façam de forma
imparcial e, na medida do humanamente possível, o façam imunes das suas
sensibilidades pessoais, das suas inclinações políticas, dos seus gostos. Nós
sabemos que ninguém se consegue libertar completamente da sua formação, da sua
cultura, mas há, pelo menos, um pacto que consagra uma certa reserva que serve
para preservar a ideia da comunidade de que os juízes são aplicadores neutros
da lei. É algo que ajuda à nossa confiança numa justiça que tem uma venda nos
olhos.
Ao
dar uma entrevista, o juiz Carlos Alexandre que, como se sabe, é em Portugal o
mais poderoso dos juízes e, como ele explicou, detentor de segredos que ainda
bem que não são usados para "o mal", decidiu levantar a venda e
piscar o olho ao público. É isso que se faz numa entrevista que não é de
natureza técnica, ou que não serve para fazer um anúncio, mas onde se opta,
como fez Carlos Alexandre, por tentar construir junto do público uma ideia da
nossa personalidade (austera, claro) e daquilo que nos move.
Que
a entrevista seja dada na véspera de ser ultrapassado mais um prazo no caso
José Sócrates e que no meio dela o juiz tenha referido candidamente que não tem
"dinheiro ou contas bancárias em nomes de amigos", não é um acaso.
Como só por acaso poderemos acreditar que alguém com a experiência de Carlos
Alexandre dê uma entrevista destas sem entender as consequências imediatas
dela, que são, objetivamente, enfraquecer a sua própria posição como
"vigilante" deste processo.
Por
isso, bem pode o grupo dos defensores do "superjuiz" vir falar do
"cerco" que Sócrates montou a Carlos Alexandre ou da sua impecável
folha de serviços já que, neste caso, foi ele que decidiu tropeçar
deliberadamente, ao que tudo indica para tentar escapar a um processo que, com
o passar do tempo, esgotando prazo a seguir a prazo, sem uma acusação clara, se
torna cada vez mais inabitável para a justiça.
"Toda
a gente pensa que eu evitei uma bala, quando eu acho que disparei a arma",
canta o norte-americano Greg Laswell. Carlos Alexandre não terá essa franqueza,
mas acho que nós já percebemos quem é que aqui começou o tiroteio.
*Subdiretor