domingo, 16 de outubro de 2016

PRAÇA DA JORNA NA PALMA DA MÃO



Manuel Carvalho da Silva* - Jornal de Notícias, opinião

Realiza-se na próxima quinta-feira, na Universidade de Coimbra, um evento inédito na Europa: a primeira sessão plenária da simulação da Conferência Internacional do Trabalho (CIT), - o órgão deliberativo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - feita por estudantes desta universidade, que assumirão o "papel" de representantes dos trabalhadores, empregadores e governos, conforme o modelo tripartido da OIT. Esta sessão contará com a presença de Guy Ryder, diretor-geral da OIT, que lhes apresentará o tema "O futuro do trabalho", em torno do qual a OIT prepara a celebração dos seus 100 anos em 2019. Os mais de 350 jovens envolvidos vão, por um lado, simular a prática institucional de uma das mais importantes organizações internacionais e, por outro, participar no debate substantivo do futuro do trabalho.

O futuro do trabalho enfrenta diversos desafios que podem fazer perigar os princípios fundadores, os objetivos e a agenda da OIT para um trabalho decente, ou seja, para trabalho com direitos, com efetiva proteção social e sem discriminações de idade, etnia, género ou credo. A conferência trabalhará quatro importantes subtemas: a macrorregulação económica, as desigualdades no trabalho e no emprego, o futuro das relações laborais e os impactos das mudanças tecnológicas. É sobre este último que hoje me debruço.

Num panorama desolador de centenas de milhões de desempregados, vagas sucessivas de mudança tecnológica e de automação, despidas de enquadramento social, constituem um dos principais desafios que se colocam hoje um pouco por todo o Mundo. A emergência da erradamente intitulada "economia colaborativa" é anunciada como um admirável Mundo novo, onde através de plataformas digitais descarregadas nos nossos telemóveis teríamos um novo modelo de oferta de trabalho, flexível, à medida das necessidades e da "autonomia" de cada trabalhador, com eventuais vantagens para os consumidores. Se hoje os exemplos mais notórios são os transportes, como acontece com a Uber ou a Cabify, existem já inúmeras aplicações que alargam este modelo a novos serviços e atividades e a trabalhos no domicílio, alguns de enorme responsabilidade para quem o executa. Quem atribui trabalho surge dispensado da responsabilidade de empregador.

À boleia de um deslumbramento tecnológico, que o discurso político utiliza amiúde, são impostas políticas que nada trazem em termos de ganhos da produtividade. O trabalhador, apresentado como empreendedor independente fica, de facto, nas mãos dos apetites de plataformas monopolistas, vendendo o seu trabalho na estrita medida das "tarefas" que surgem e colocado em concorrência selvagem com os seus companheiros de trabalho. Mais do que um futuro promissor, assistimos a um real regresso ao passado, ao trabalho à jorna ou à peça. Sem direitos coletivos (que ancoram os individuais), sem possibilidade de qualquer negociação séria.

A reposição do direito à negociação coletiva, a salários e pensões mais justos e a direitos sociais fundamentais, significa somente o regresso à democracia e ao progresso. Relações laborais assentes em poder avassalador e unilateral dos grandes grupos económicos, novas formas de organização e prestação do trabalho inseridas numa desregulação selvagem, constituem o regresso à vergonha civilizacional das praças de jorna, agora deslocadas para o telemóvel na mão de cada candidato a trabalho. Já não há trabalho, mas "atividades" e o emprego surge como conceito renegado.

Em vários países, designadamente nos EUA e em Inglaterra, surgem lutas laborais que abrem novos horizontes e desmistificam este "futuro" que os poderes dominantes nos querem impor. Não podemos esperar pela reinvenção destas plataformas digitais para encetar um processo de revitalização da regulação. Os direitos laborais têm de estar garantidos à partida, em qualquer processo de organização da economia e do trabalho. A tecnologia só serve o progresso humano se organizada de forma a servir-nos a todos e não apenas a alguns. Esta é uma lição da história que necessitamos de valorizar para as gerações que agora chegam ao mercado de trabalho.

*Investigador e professor universitário

AS “SANÇÕES ECONÓMICAS” OU A GUERRA DE COLARINHO BRANCO



Thierry Meyssan*

Os Estados Unidos e a União Europeia lançaram uma guerra não declarada contra a Síria, o Irão e a Rússia, a das «sanções económicas». Esta táctica terrível matou mais de um milhão de Iraquianos nos anos 90, sem despertar alarme das opiniões públicas ocidentais. Ela é hoje em dia pacientemente posta em em acção contra os Estados que recusam ser dominados pela Ordem mundial unipolar.

No passado, a estratégia de guerras convencionais significava o cerco de uma cidade ou de um Estado. Tratava-se de isolar o inimigo, de o impedir de usar os seus recursos, de o submeter pela fome e, no fim, de o vencer. Na Europa, a Igreja Católica condenou firmemente esta táctica como criminosa já que ela mata primeiro os civis, e só depois os beligerantes.

Hoje em dia, as guerras convencionais incluem «sanções económicas», que visam os mesmos objectivos. De 1990 a 2003, as sanções decretadas contra o Iraque pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas mataram mais de 1 milhão de civis. De facto, tratava-se na verdade de uma guerra conduzida pelos banqueiros em nome da instituição encarregue de promover a paz.

É provável que vários Estados que votaram por estas sanções não tenham percebido nem a escala nem as consequências das mesmas. É certo que quando certos membros do Conselho de Segurança pediram o levantamento das mesmas os Estados Unidos e o Reino Unido se opuseram a isso, carregando assim a plena responsabilidade do milhão de mortos civis.

Depois de numerosos altos-funcionários internacionais terem sido despedidos pela sua participação no massacre do milhão de civis iraquianos, as Nações Unidas reflectiram sobre a maneira de tornar as sanções mais eficazes em relação aos objectivos anunciados. Quer dizer, para se assegurar que elas atingiriam apenas os responsáveis políticos e militares e não os civis. Falou-se, pois, de «sanções personalizadas». No entanto, apesar de muitas pesquisas na matéria, jamais se puseram em acção sanções contra um Estado que atinjam apenas os seus dirigentes e não a sua população.

O efeito dessas sanções está ligado à interpretação que os governos fazem dos textos que as definem. Por exemplo, a maioria dos textos propõem sanções sobre produtos de duplo uso civil e militar, o que deixa uma grande margem de interpretação. Uma carabina(rifle-br) pode ser interdita para exportação para um País determinado porque tanto pode servir para a caça como para a guerra. E, uma garrafa de água pode ser bebida tanto por uma mãe de família como por um soldado. Por conseguinte, os mesmos textos podem levar –-segundo as circunstâncias políticas e a evolução da vontade dos governos--- a resultados totalmente diferentes.

A situação é tanto mais complicada quanto às sanções legais do Conselho de Segurança se juntam as sanções ilegais dos Estados Unidos e da União Europeia. Com efeito, se Estados ou Instituições inter-governamentais podem, legalmente, recusar comerciar com outros, não podem estabelecer sanções unilateralmente sem entrar em guerra.

O termo «sanção» sugere que o Estado que é o seu alvo cometeu um crime e que foi julgado antes de ser condenado. É o que se passa com as sanções decretadas pelo Conselho de Segurança, mas não com as decididas unilateralmente pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Trata-se pura e simplesmente de actos de guerra.

Desde a guerra contra os Britânicos, em 1872, Washington dotou-se de um Gabinete, o Office of Foreign Assets Control, que está encarregado de conduzir esta guerra de colarinho branco.

Actualmente, os principais Estados vítimas de sanções não o são como resultado da acção das Nações Unidas, mas exclusivamente dos Estados Unidos e da União Europeia. São a Síria, o Irão e a Rússia. Quer dizer, os três Estados que se batem contra os jiadistas apoiados pelos Ocidentais.

A maior parte destas sanções foram tomadas sem relação directa com a guerra actual contra a Síria. As sanções contra Damasco estão sobretudo relacionadas com o seu apoio ao Hezbolla libanês e ao asilo que tinha concedido ao Hamas palestino(o qual depois se juntou aos Irmãos Muçulmanos e o combate). As sanções contra o Irão foram pretensamente tomadas contra o seu programa nuclear militar, apesar de este ter sido encerrado pelo aiatola Khomeini, há trinta anos. Elas continuam em vigor apesar da assinatura do acordo 5+1, destinado a resolver este problema que não existe. As acionadas contra a Rússia sancionam a incorporação da Crimeia, depois desta ter recusado o golpe nazi de Kiev qualificado como «revolução democrática» pela OTAN.

As sanções actuais mais duras são as que foram tomadas contra a Síria. Um relatório feito pelo gabinete do Coordenador das Nações Unidas na Síria, financiado pela Confederação Helvética e tornado público há quatro meses, mostra que a interpretação norte-americana e europeia dos textos leva a privar uma maioria dos Sírios tanto de certos cuidados médicos como de recursos alimentares. Muitos dispositivos médicos são proibidos porque são considerado passíveis de uso duplo, e é impossível pagar as importações de alimentos através do sistema bancário internacional.

Muito embora a situação dos Sírios não seja tão catastrófica como a dos Iraquianos nos anos 90, trata-se de uma guerra conduzida pelos Estados Unidos e pela União Europeia, através de meios financeiros e económicos, exclusivamente contra a população vivendo sob a protecção da Republica Árabe Síria com o objectivo de a matar.

Thierry Meyssan* - Tradução Alva

* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).


SE OS EUA ATACAREM A SÍRIA ESPEREM RESPOSTA ASSIMÉTRICA



As tensões entre Rússia e EUA alcançaram nível sem precedentes. Concordo integralmente com os participantes dessa edição de CrossTalk -, para os quais a situação e pior e ainda mais perigosa que durante a Crise dos Mísseis Cubanos. Os dois lados estão partindo para o chamado "Plano B" que, dito em termos simples, significa, no melhor dos casos, fim das negociações; e, no pior, guerra entre Rússia e EUA.

O dado chave a compreender na posição dos russos nesse conflito, como em outros conflitos recentes com os EUA é quea Rússia ainda é muito mais fraca que os EUA e, assim sendo, a Rússia não quer guerra. Não implica dizer que o país não esteja preparando-se ativamente para a guerra. Sim, é isso, precisamente, que a Rússia faz muito e muito ativamente. O significado desse dado chave é que, no caso de que chegue a haver conflito, a Rússia se empenhará muito, o mais possível, em mantê-lo o mais limitado possível.

Em teoria, eis, em linhas muito esquemáticas, os possíveis níveis de confronto:

1) Impasse militar à la Berlim em 1961. Pode-se dizer que é isso que já está acontecendo hoje, embora em maior distância e com menor visibilidade.

2) Incidente militar único, como aconteceu recentemente quando a Turquia derrubou um jato SU-24 russo, e a Rússia optou por não retaliar.

3) Série de confrontos localizados, semelhante ao que já está realmente acontecendo entre Índia e Paquistão.

4) Conflito limitado ao teatro de guerra sírio (como, pode-se dizer a guerra entre Reino Unido e Argentina pelas Ilhas Malvinas).

5) Confronto militar regional ou global entre EUA e Rússia.

6) Guerra termonuclear total entre EUA e Rússia.

Durante meus anos de estudante de estratégia militar, participei de muitos exercícios de escalada e desescalada e posso atestar que, por mais que seja muito fácil vir com cenários de desescalada, ainda estou por ver cenário crível para desescalada. Possível, isso sim, é a chamada "escalada horizontal", ou "escalada assimétrica", na qual um dos lados escolhe não subir a aposta, ou escalar diretamente, mas escolhe, em vez disso, um alvo diferente contra o qual retaliar, não necessariamente alvo mais valioso, apenas diferente no mesmo nível de importância conceitual (nos EUA Joshua  M. Epstein e Spencer D. Bakich fizeram a maior parte do trabalho de abrir a trilha, nesse tópico).

A principal razão pela qual podemos esperar que o Kremlin tente encontrar opções assimétricas para responder a ataque dos EUA é que no contexto sírio, a Rússia está inapelavelmente inferiorizada, na relação armada contra EUA/OTAN, pelo menos em termos quantitativos. As soluções lógicas para os russos estão em usar a própria vantagem qualitativa, ou visar "alvos horizontais" como opção para retaliação possível. Essa semana, aconteceu algo interessante e absolutamente não característico: o major-general Igor Konashenkov, Diretor do Diretorado do Serviço de Mídia do Ministério da Defesa da Federação Russa mencionou abertamente essa opção. Eis o que Konashenkov disse:

"Quanto às ameaças de Kirby sobre possíveis perdas de aeronaves russas, e o envio de soldados russos em sacos de cadáveres, de volta à Rússia, gostaria de dizer que sabemos onde e quantos "especialistas não oficiais" operam na Síria e na província de Aleppo e sabemos que estão envolvidos no planejamento operacional e que supervisionam as operações dos terroristas e militantes. Claro, pode-se continuar a repetir que não conseguem separar terroristas da [Frente] al-Nusra e as forças "da oposição". Mas se alguém tentar cumprir essas ameaças, absolutamente nada assegura que esses militantes tenham tempo para se escafeder de onde estão."

Boa, hein? Konashenkov parece estar ameaçando só os "militantes", mas faz clara menção a muitos "especialistas não oficiais" entre aqueles militantes e que a Rússia sabe exatamente onde estão e quantos são. Claro, oficialmente Obama declarou que há umas poucas centenas desses conselheiros especiais norte-americanos na Síria. Fonte russa bem informada sugere que sejam cerca de 5.000 'conselheiros' estrangeiros ao lado dos Takfiris incluindo cerca de 4.000 norte-americanos. Suponho que a verdade seja algo entre um e outro número.

Assim sendo, a ameaça russa é simples: ataquem os russos e os russos atacamos forças dos EUA na Síria. Claro, a Rússia negará veementemente ter alvejado soldados norte-americanos e insistirá que só atacou terroristas, mas os dois lados compreendem o que se passa aqui. Interessante também que ainda na semana passada a agência de notícias iraniana noticiou que esse ataque, pelos russos, já aconteceu:

30 oficiais de inteligência estrangeira de Israel mortos em ataque com míssil Caliber russo, em Aleppo

"Os navios de guerra russos dispararam três mísseis Caliber contra a sala de coordenação de operações de oficiais estrangeiros na região de Dar Ezza na parte ocidental de Aleppo próximo à montanha Sam'an, matando 30 oficiais israelenses e ocidentais", lia-se na edição em árabe da Agência de Notícias, em Sputnik da Rússia, citando fonte no campo de batalha em Aleppo, na 4ª-feira. A sala das operações estava localizada na parte ocidental da província de Aleppo, em antigas cavernas, a meia altura das altíssimas montanhas Sam'an. A região está abrigada no fundo do vale de uma cadeia de montanhas. Vários oficiais dos EUA, sauditas, cataris e britânicos também foram mortos, além de oficiais israelenses. Os oficiais estrangeiros que foram mortos nas operações contra a sala de operações em Aleppo dirigiam dali os ataques dos terroristas contra Aleppo e Idlib."

Se isso realmente aconteceu, ou se os russos estão vazando essas histórias para indicar que isso poderia ter acontecido, permanece o fato de que forças dos EUA na Síria podem tornar-se alvo óbvio de retaliação operada pelos russos, seja com mísseis cruzadores, bombas de gravidade ou operação de ação direta pelas forças especiais russas. Os EUA também têm várias instalações militares clandestinas na Síria, incluído pelo menos um campo de pouso com a aeronave tiltirotor V-22 Osprey multimissão.

Outro interessante desenvolvimento recente foi a notícias, distribuída pelo canal Fox News, de que os russos estão estacionando o S-300V (também chamado "sistema antimísseis e antiaéreo SA-23 Gladiator") na Síria. Vejam nesseexcelente artigo uma discussão detalhada das capacidades desse sistema de mísseis. Resumo o que lá se lê, se disser que o S-300V pode engajar mísseis balísticos, mísseis cruzadores, aeronaves de muito baixa altitude RCS ("invisíveis" a radares, chamados stealth) e aeronaves AWACS (Sistema Aéreo de Alerta e Controle [embarcado]; ing. Airborne Warning and Control System). Trata-se de sistema de defesa aérea de nível Exército/Exército, bem capaz de defender grande parte do espaço aéreo sírio, mas também capaz de alcançar a Turquia, Chipre, o Mediterrâneo ocidental e o Líbano. Os poderosos radares desse sistema não só conseguem detectar e acompanhar aeronaves dos EUA (inclusive as "stealth") em grandes distâncias, mas, também, podem dar tremenda ajuda aos poucos jatos de combate russos, por que lhes dão imagens claras das suas e das aeronaves inimigas, servindo-se de datalinks encriptados. Finalmente, a doutrina aérea dos EUA é extremamente dependente de aeronaves AWACS equipadas para guiar e dar apoio aos jatos dos EUA. O sistema S-300V forçará os AWACS de EUA/OTAN a operar a uma distância muito desconfortável. Entre os radares de mais longo alcance dos Sukhois russos, os radares dos cruzadores russos ao largo da costa síria, e os radares S-300 e S-300V em terra, os russos terão muito melhor clareza informacional da situação que seus contrapartes norte-americanos.

Parece que os russos estão tentando muito empenhadamente compensar a própria inferioridade numérica, instalando na região sistemas finais de alta qualidade, dos quais os EUA não têm equivalentes reais, nem contramedidas eficazes.

Há basicamente duas opções de contenção [ing. deterrence]: negação, quando se impede que o inimigo atinja os alvos definidos; e retaliação, quando se tornam os custos de um ataque inimigo inaceitavelmente altos para ele. Os russos parecem estar trabalhando as duas trilhas ao mesmo tempo. Pode-se resumir a abordagem russa, nos seguintes termos:

1) Adiar o mais possível qualquer confronto (ganhar tempo).

2) Tentar manter qualquer confronto no nível mais baixo possível de escalada.

3) Se possível, replicar com escaladas assimétricas/horizontais.

4) Em vez de "prevalecer" contra EUA/OTAN - tornar altos demais, os custos de qualquer ataque.

5) Tentar pressionar os "aliados" dos EUA, para criar tensões dentro do Império.

6) Tentar paralisar os EUA, no plano político, tornando altos demais os custos políticos de qualquer ataque.

7) Tentar criar gradualmente as condições em campo (Aleppo), para tornar fútil qualquer ataque dos EUA.

Para os educados por filmes de Hollywood e que ainda assistem à TV, essa estratégia só gera condenações e frustração. Há milhões de estrategistas de poltrona que têm certeza de que eles, sozinhos, fariam melhor trabalho que Putin, na reação contra o Império Norte-americano. Essa pessoas já há *anos* dizem que Putin "entregou" [orig. "sold out"] os sírios (e os novorrussos), e que os russos teriam de fazer X, Y e Z para derrotar o Império Anglo-Sionista. A boa notícia é que nenhum desses estrategistas de poltrona sentam no Kremlin e que, ao longo dos anos os russos nunca se afastaram da estratégia que traçaram, um dia de cada vez, mesmo quando criticados pelos que querem soluções rápidas e "fáceis". Mas a principal boa notícia é que a estratégia russa está funcionando. Não só a Ucrânia ocupada por nazistas está literalmente ruindo, caindo aos pedaços, mas os EUA, basicamente, já não têm opções na Síria (vejam essa excelente análise construída por meu amigo Alexander Mercouris, publicada no Duran).

Os únicos passos lógicos que restam para os EUA na Síria são: aceitar os termos que os russos oferecem; ou partir. O problema é que eu absolutamente não estou convencido de que os neoconservadores que governam a Casa Branca, o Congresso e a mídia-empresa norte-americana sejam "racionais", nem perto disso. Essa é a razão pela qual os russos empregaram tantas táticas de adiamento; e razão pela qual atuaram com tal e tamanho cuidado: estão lidando com ideólogos profissionais incompetentes, que simplesmente não jogam pelas regras não escritas, mas claras, das relações internacionais civilizadas. Eis o que faz a crise atual tão pior, até, que a Crise dos Mísseis Cubanos: uma superpotência, claramente, enlouqueceu.

Os norte-americanos são doidos o suficiente para correr o risco de mergulhar na 3ª Guerra Mundial por causa de Aleppo? Talvez sim, talvez não.

Mas e se reformularmos a mesma pergunta e perguntarmos:

Os norte-americanos são doidos o suficiente para arriscar uma 3ª Guerra Mundial para manter o próprio status como "única nação indispensável", "líder do mundo livre", "cidade no alto da colina" e todo o resto desse nonsense pró-imperialismo?

Nesses termos, eu diria que sim; e podem até já estar fazendo exatamente isso.

Afinal, os neoconservadores acertam ao sentir que, se a Rússia conseguir safar-se, tendo desafiado abertamente e derrotado os EUA na Síria, ninguém nunca mais levará muito a sério os anglo-sionistas.

Como vocês supõem que os neoconservadores sentem-se, quando veem o presidente das Filipinas, chamar Obama, publicamente de "filho de uma puta" e, na sequência, dizer que a União Europeia "que se foda"?

Claro, os neoconservadores ainda podem encontrar algum consolo na abjeta subserviência das elites políticas europeias, mas mesmo assim - eles sabem o que está escrito no muro e que o Império deles está ruindo rapidamente, não só na Síria, Ucrânia e na Ásia, mas também dentro dos EUA. O maior perigo aqui é que os neoconservadores podem tentar arregimentar a nação, seja encenando mais um ataque sob falsa bandeira ou disparando uma crise internacional real.

Nesse ponto do tempo, tudo que podemos fazer é esperar e contando com que haja resistência suficiente dentro do governo dos EUA para impedir que os EUA ataque a Síria antes da posse do próximo governo. E, por menos que eu apoie Trump, tenho de conceder que Hillary e a escória de neoconservadores russofóbicos que a cerca são tão horrendas, que Trump dá-me alguma esperança, pelo menos na comparação com Hillary.

Assim sendo, se Trump vence, nesse caso a estratégia dos russos estará basicamente justificada. Uma vez que Trump esteja na Casa Branca, há pelo menos a possibilidade de uma redefinição ampla das relações EUA-Rússia, a qual, é claro, começa por uma desescalada na Síria: enquanto Obama/Hillary categoricamente recusam-se a livrar-se do Daech (quero dizer: al-Nusra, al-Qaeda e suas várias denominações), Trump parece determinado a combater seriamente contraeles, ainda que isso signifique que Assad permanece no poder. Há aqui com muito maior probabilidade uma base para diálogo. Se Hillary for eleita, nesse caso os russos terão de encarar uma questão absolutamente crucial: o quão importante é a Síria no contexto da meta de ressoberanizar a Rússia e pôr abaixo o Império Anglo-sionista? Outro modo de formular a mesma questão é: "a Rússia prefere confrontar o Império na Síria ou na Ucrânia?"

Um modo de aferir os humores na Rússia é observar a linguagem de uma recente lei proposta pelo presidente Putin e aprovada na Duma e que trata da questão da Acordo Rússia-EUA para Gestão e Disposição do Plutônio [orig. Russia-US Plutonium Management and Disposition Agreement (PMDA)]. Nesse caso, mais uma vez, os EUA não cumpriram obrigações geradas por tratado; e a Rússia agora cancelou o acordo. Interessante é a linguagem escolhida pelos russos para listar as condições sob as quais aceitariam voltar a participar nesse acordo e, basicamente, aceitariam retomas qualquer tipo de negociação que envolva armamentos:

- A redução da infraestrutura militar e do número de soldados dos EUA estacionados no território de estados-membros da OTAN que se uniram à aliança depois de 1º/9/2000, que devem voltar aos níveis em que estavam quando o acordo inicial foi firmado e se tornou vigente.

- O fim da política hostil dos EUA em relação à Rússia, que deve ser confirmada pela abolição da Lei Magnitsky de 2012 e das condições da Lei de Apoio à Liberdade da Ucrânia de 2014 que foram dirigidas contra a Rússia.

- A abolição de todas as sanções impostas pelos EUA contra pessoas físicas e jurídicas legais da Federação Russa.

- A compensação por todos os danos sofridos pela Rússia, por efeito da imposição de sanções.

- E os EUA que apresentem, o mais rapidamente possível, um plano claro para disposição de plutônio, coberto e aprovado pela PMDA.

Ora... os russos não são doidos. Sabem muito bem que os EUA jamais aceitarão tais termos. Assim sendo, do que se trata aqui, realmente? Trata-se de um modo diplomático, mas absolutamente sem ambiguidades, muito claro, de dizer aos EUA exatamente o que disse o presidente filipino Duterte (e que Victoria Nuland disse - ao telefone - à União Europeia).

Melhor os norte-americanos começarem a prestar atenção. Tomem tento.*

6/10/2016, The Saker, Unz Review, em Pravda.ru

Navios de guerra norte-americanos atacados com mísseis no Mar Vermelho



Múltiplos mísseis foram disparados no sábado contra três navios de guerra norte-americanos no Mar Vermelho, apesar de nenhum ter sido atingido e não haver vítimas, informou o exército dos EUA.

Um responsável da Defesa norte-americana indicou que a altercação aconteceu pelas 20.30 horas, não sendo claro quantos mísseis foram disparados contra os USS Mason, USS Nitze e USS Ponce.

O contratorpedeiro USS Mason, que navegava em águas internacionais ao largo do Iémen, usou medidas não especificadas de resposta aos mísseis, disse a mesma fonte.

Este disparo de mísseis foi o mais severo agravamento das tensões em relação ao envolvimento norte-americano numa guerra civil que já matou mais de 6.800 pessoas, feriu mais de 35 mil e obrigou à deslocação de três milhões desde que a coligação liderada pela Arábia Saudita lançou operações militares no ano passado.

Na quinta-feira, a marinha norte-americana lançou cinco mísseis de cruzeiro Tomahawk contra três radares móveis em território controlado pelos 'houthis' na costa iemenita do Mar Vermelho, após os rebeldes apoiados pelo Irão lançarem 'rockets' contra o USS Mason duas vezes em quatro dias.

Os 'houthis' negam conduzir tais ataques.

Apesar de os Estados Unidos estarem a dar apoio logístico à coligação liderada pela Arábia Saudita, que combate os rebeldes, os lançamentos de quinta-feira representam a primeira ação direta de Washington contra os 'houthis'.

Jornal de Notícias

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