domingo, 18 de dezembro de 2016

VITÓRIA DE BASHAR AL-ASSAD E PUTIN EM ALEPPO PÔS O OCIDENTE EM SURTO DE PÂNICO


Martin Berger* - New Eastern Outlook, Moscou

Há possibilidade real de que se venha a expor completamente o verdadeiro papel que EUA e aliados europeus desempenharam na criação do chamado 'Estado Islâmico'

Até o final de novembro, União Europeia e Washington só fizeram tentar convencer a comunidade internacional de que nenhum dos lados no conflito sírio seria suficientemente forte para colher vantagem decisiva no campo de batalha.

Ao mesmo tempo, círculos políticos ocidentais tomaram todas as medidas possíveis para impedir que Damasco e Moscou intensificassem a ofensiva contra os terroristas do Estado Islâmico na Síria, sobretudo em Aleppo. Para essa finalidade, o secretário de Estado John Kerry aumentou os esforços diplomáticos para obter um acordo com a Rússia, sobre a Síria, antes de o atual governo deixar o posto –, como registra o Washington Post. Segundo o mesmo jornal, a Secretaria de Estado pouco se incomoda com a chamada “crise humanitária” em Aleppo; o que teme é que o governo assine acordo diferente com Moscou, que, na essência, põe os EUA ao lado de Bashar al-Assad.

É curioso que funcionários da União Europeia tenham posto as suas fontes de propaganda a operar em hora extra, forçando aquelas fontes a publicar todos os tipos de acusações mentirosas contra Moscou e Damasco, dizendo que teriam bombardeado especificamente escolas e hospitais. Fato é que há completo blecaute em todos os jornais e televisões sobre centenas de civis em Aleppo massacrados por militantes radicais, que impediram que a população local de deixar, servindo-se dos corredores humanitários abertos pelo governo do presidente Assad, os territórios que os militantes ocupavam. Mas todos fomos induzidos a crer que os extremistas seriam alguma espécie de heróis; e como prisioneiros os que arriscaram a própria vida para expulsar da cidade os extremistas, essa “peste negra”.

Nesse ponto, o palco da ONU virou cenário para que os governos de Grã-Bretanha, França e Alemanha se pusessem a ‘exigir’ que Damasco fizesse uma “pausa humanitária” em Aleppo. Mas não para garantir alívio aos habitantes da cidade sitiada, porque o ocidente não mandou um único caminhão de ajuda humanitário para Aleppo. Os representantes dos três países acima, como também os representantes dos EUA, sequer tiveram coragem de escoltar (para evitar que fossem emboscados pelos terroristas) os comboios que a Rússia enviou.

Em vez disso, o ocidente usou aquelas pausas para introduzir mais terroristas em Aleppo e garantir-lhes o fornecimento de equipamento militar. Muitas publicações provam que nesse período os jihadistas de Ansar al-Islam tinham capacidade militar máxima, quando negócios massivos de armas estavam sendo construídos no Leste da Europa e na Ucrânia, para contrabandear para a Síria quantidades massivas de armas fabricadas pelos soviéticos.

Contudo, as tropas sírias estão sendo extraordinariamente bem-sucedidas, até agora, na libertação de Aleppo, sucesso o qual resultou em Washington descobrir-se em posição muito estranha. O Financial Times já noticiou que os líderes da oposição síria já estão mantendo conversações secretas com a Rússia, para pôr fim às hostilidades em Aleppo. Pode acontecer de os EUA serem empurrados para fora da equação em vários conflitos chaves no Oriente Médio, inclusive na Síria. Com o desmascaramento do conceito de “oposição moderada”, EUA vão perdendo espaço para influenciar a Síria, na medida em que se vai comprovando que não há “moderados”, só há radicais da Frente Al-Nusra.

EUA e UE estão em pânico total por causa dos desenvolvimentos na Síria, porque há possibilidade real de que se venha a expor completamente o verdadeiro papel que EUA e aliados europeus desempenharam na criação do chamado “Estado Islâmico” [ing. ISIS]. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Mark Toner até já ‘exigiu’ que a Rússia fosse impedida de combater contra o terrorismo internacional na Síria. Imediatamente depois dessa declaração, representantes de França, Grã-Bretanha e Alemanha tentaram aumentar a pressão, contra a Rússia, pelo Conselho de Segurança da ONU.

O estado delirante em que se debatem as elites europeias governantes apareceu muito claramente, publicamente, quando o Guardian publicou a sua mais recente demanda: “Líderes europeus, especialmente o governo francês, estão alertando Vladimir Putin por canais privados de que se ele permitir que o presidente Bashar al-Assad da Síria converta uma já esperada retomada de Aleppo em vitória militar na maior parte do país, a Rússia será obrigada a pagar a conta da reconstrução.”

É como se os governantes em Londres, Paris e Berlin estivessem em situação de morte cerebral. Só a morte cerebral explica que tenham esquecido quem destruiu Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão e inúmeros outros países. Os EUA, com o apoio ávido que lhe dá a União Europeia, mataram centenas de milhares de civis, destruíram moradias e a infraestrutura indispensável à sobrevivência dos que não foram mortos, o que resultou num verdadeiro êxodo de migrantes, do Oriente Médio e África, para a Europa. Assim sendo, talvez sejam eles obrigados a conta da reconstrução, em vez de obrigar países europeus menores a receber refugiados que, para começar, eles, sim, geraram. E quanto à responsabilidade de Washington?

Tradução do texto original do New Eastern Outlook publicada no site Oriente Mídia – em Opera Mundi

Foto: Aleppo é centro de conflitos entre forças sírias, apoiadas pela Rússia, e rebeldes opositores ao governo de Bashar al-Assad, desde setembro de 2015 - EFE

RELAÇÕES RÚSSIA-EUA: ESCALADA DAS TENSÕES SOB RISCO DE GUERRA NUCLEAR


Ampla reportagem com importantes entrevistas: Peter Kuznick, diretor do Instituto de Pesquisas Nucleares da Universidade Americana (Washington); Annie Machon, ex-oficial autodemitida do serviço de inteligência britânico MI5; Timo Kivimäki, professor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidade de Bath (Inglaterra); e Catherine Shakdam, analista do sítio norte-americano de notícias Mint Press, e diretora-adjunta do Beirut Center for Middle Eastern Studies (Líbano)

Edu Montesanti*

"Podemos atacar [a Síria] quando quisermos. Eu decidi que os Estados Unidos devem tomar ação militar contra alvos do regime sírio". Estas afirmações do presidente norte-americano Barack Obama, proferidas em 31 de agosto de 2013, apontam hoje à mudança que vai além da guinada radical do Prêmio Nobel da Paz de 2009 em relação ao discurso de sua primeira campanha presidencial, em 2008: "Nenhum presidente deve ter o poder de iniciar um ataque, quando não existe ameaça direta contra os Estados Unidos". Obama decepcionou ao adotar, em geral, a mesma "política externa" (eufemismo para crimes internacionais) coercitivo-expansionista de seu antecessor na Casa Branca, George W. Bush, que falava "como o dono do mundo" como dizia Hugo Chávez. E em alguns aspectos, Obama foi além: nestes oito anos na Casa Branca, tem superado, em muito, os ataques com drones de seu antecessor republicano. Ele mesmo havia dito, ainda em 2013: "Alguns, certamente, vão discordar de mim, mas acho que os Estados Unidos são excepcionais".

A principal evidência observada nos discursos de Obama, e especialmente no caso da Guerra Civil síria desde o inicio de setembro de 2013 quando os EUA tiveram de recuar diante de uma Rússia que, interferindo imediatamente buscando soluções diplomáticas conforme prevê a Carta das Nações Unidas, impediu mais uma "intervenção humanitária" do governo norte-americano que deseja repetir na Síria a dose iraquiana, líbia e afegã, é que as relações internacionais já não estão completamente rendidas à hegemonia de Washington, pelo contrário: afirma-se um mundo multipolar que Tio Sam tenta, a todo custo, evitar - ainda que seus métodos imperialistas contrariem a própria Constituição (que desautorizam guerras de agressão), e todas as leis internacionais. Em outubro deste ano, Washington manifestou a disposição de impor uma zona de exclusão aérea na Síria, o que fatalmente entraria em choque com as forças russas que atuam em conjunto com as do exército sírio. Novamente, teve de recuar. O Kremlin advertiu: aquilo seria considerado "clara ameaça" aos militares russos, que derrubariam os jatos da OTAN. Segundo os russos, os arquitetos do plano deveriam "considerar seriamente as possíveis consequências" de suas ações, disse então o Major-General Igor Konashenkov. Em ambos os casos, o mundo pareceu na iminência de um confronto entre Estados e Rússia, as maiores potências nucleares do planeta.

Essa sucessão de revés norte-americano, somada ao fato de que os EUA - autores das únicas bombas atômicas lançadas na história - e seu sistema excludente e dominador precisam desesperadamente de inimigos a fim de justificar expansão global à base da força militar, tem acentuado a nova Guerra Fria. De acordo com todos os procurados pela reportagem para analisar a escalada das tensões entre Estados Unidos e Rússia cujo epicentro é a Síria, a Guerra Fria hoje - acirrada pela grande mídia ocidental, estende-se da Ásia ao Leste Europeu - é ainda mais perigosa que a do século passado mesmo em seus momentos ais críticos, com o agravante do risco ainda maior de um confronto nuclear em comparação ao período anterior. Diversos outros especialistas e centros de pesquisas internacionais apontam no mesmo sentido hoje. E embora seja muito elogiado pelas promessas de campanha de se aproximar da Rússia e reverter este sombrio cenário global, o presidente norte-americano recentemente eleito, Donald Trump, traz em seu histórico, no contexto de seus discursos, na equipe de governo que tem montado e na própria realidade politicamente histórica de seu país, sérias dúvidas se realmente seguirá por esse caminho. 

Nova (Velha) Guerra Fria: Epicentro e 'Conflitos Congelados'

Pela primeira vez desde a crise dos "euro-foguetes" de 26 de setembro de 1983, o "dia em que o mundo quase morreu" segundo palavras do escritor britânico e ex-editor do jornal The Sunday Times, os próprios EUA e Rússia reconhecem oficialmente o risco de que o atual conflito diplomático possa se transformar em um choque armado. No entanto, pode-se dizer ainda que a Guerra Civil síria é muito mais perigosa que qualquer momento da Guerra Fria, incluindo a famosa Crise de Mísseis de Cuba de 1962. Hoje, o potencial de conflito nas relações russo-americanas é maior do que na segunda metade do século passado.

Em 2011, Obama e Dmitri Anatolievitch  Medvedev, então presidente russo, assinaram o Tratado START 3 a fim de conter o avanço da OTAN e das armas nucleares. Ainda assim, continuou a expansão da NATO, aumentaram as tensões sobre a Síria e teve início a crise na Ucrânia, levando ao agravamento das relações entre ambos os países e à introdução de sanções económicas e políticas contra a Rússia. Em fins de julho de 2014, os EUA e a União Europeia (UE) impuseram diversas sanções que afetam tanto indivíduos quanto empresas e setores inteiros da economia russa., pela crise ucraniana. Já a Rússia decidiu manter as sanções contra os produtores agropecuários da Europa, e elaborou uma lista de mais de 200 pessoas da UE e dos EUA para recusar-lhes de vistos de entrada.

Para o historiador norte-americano Peter Kuznick, diretor do Instituto de Pesquisas Nucleares da Universidade Americana de Washington D.C., Obama adotou uma política confusa, com acertos em importantes questões como no caso do acordo nuclear com o Irã e, por outro lado como nas relações com a Rússia, tem tido uma mentalidade retrógrada. "Ele e outros políticos pensam que podem tratar a Rússia como Bush pai e Bill Clinton fizeram na década de 1990. Levou algum tempo para que percebesse que Vladimir Putin não é Boris Yeltsin. Yeltsin se dispunha a conceder quase tudo em favor dos EUA, incluindo a perigosa expansão da OTAN mesmo que altos funcionários dos EUA tivessem prometido a Gorbachev que não expandiriam a OTAN nem sequer um polegar para o leste europeu. A OTAN agora se expandiu para mais 12 nações, as duas últimas durante a administração de Obama". O acordo estabelecia que, em contrapartida, a então União Soviética retiraria suas 260 mil tropas da Alemanha Oriental para a reunificação da Alemanha, o que efetivamente ocorreu.

Perguntado se vivemos uma nova Guerra Fria, Kuznick é categórico na resposta: Há, sim, uma nova Guerra Fria e a situação é muito perigosa agora. Ela tem sido impulsionada em grande parte por Obama, Clinton e John Kerry, e esta Guerra Fria está ativa há muitos anos". Talvez tenha começado em 2003 com a invasão dos EUA ao Iraque. Talvez, em 2008 com o anúncio de Bush de que desejava expandir a OTAN rumo à Geórgia e à Ucrânia. A Líbia foi um grande golpe. Piorou em 2014 com o golpe em Kiev, seguido pela anexação da Criméia e a guerra civil em Donbass". Para o historiador, esta atual Guerra Fria é ainda mais perigosa que a vivida no século passado devido ao fato que, naquela ocasião, ambas as partes respeitavam determinados limites, o que não ocorre agora.

Annie Machon, ex-oficial do serviço de inteligência britânico MI5, quem se demitiu nos anos de 1990 pelos excessos em espionagem da entidade, acrescenta que a nova Guerra Fria é produzida pelos Estados Unidos, pois o regime de Washington precisa de inimigos "para justificar o enriquecimento de seu complexo militar-industrial que está afundando o país e brutalizando o mundo, enquanto enriquece as oligarquias dos Estados Unidos em detrimento da sociedade civil em todo o mundo". A afirmação de Annie de que aos Estados Unidos interessam uma nova Guerra Fria com os russos, é também ratificada pelo fato de que o documento intitulado "Estratégia Militar Nacional" dos Estados Unidos de 1995, pela primeira vez, explicava o conceito de futuros conflitos com Rússia e China, bem antes que Putin chegasse ao Kremlin. Para a ex-funcionária da inteligência britânica, a atual Guerra Fria começa na Internet. "Agências de espionagem ocidentais perceberam o potencial para o domínio total da internet, criando um sistema de vigilância que a KGB ou Stasi [inteligência da Alemanha Oriental] nem sonhava em ter. Graças a Edward Snowden, estamos começando agora a nos dar conta do horror cheio da vigilância sob a qual vivemos hoje".

Para Catherine Shakdam, analista do sítio norte-americano de notícias Mint Press e diretora-adjunta do Beirut Center for Middle Eastern Studies, no Líbano, é inevitável uma nova Guerra Fria dado que os EUA fazem valer seus interesses econômicos à base da força militar em todo o mundo. "A realidade dos EUA que devemos perceber atua para alinhar nações de acordo com seu próprio paradigma, de modo que todos os povos venham a  reconhecer o país como uma matriz sócio-política excepcional. O excepcionalismo dos Estados Unidos, há muito, transcendeu as leis e o sistema político: tornou-se uma perigosa  forma de fascismo". Para Catherine, o país é hoje muito mais perigoso que em várias décadas. "Antes, sua fome de poder era menor, sua arrogância ainda estava retida, seu excepcionalismo ainda não havia sido institucionalizado".

Kuznick considera que a Guerra Fria hoje tem três principais frentes: a da Urânia e da Crimeia, que para ele não se trata de conflitos esquecidos mas sim "congelados", que devem voltar a ser "quentes" a qualquer momento, e os outros dois ainda mais perigosos, o da própria Síria e o dos Estados bálticos e da Polônia. No primeiro caso, a grande dificuldade em se encontrar solução, segundo o historiador, reside na recusa de Kiev em implementar o Protocolo de Mink que, assinado por lideranças russas, ucranianas e as da República de Donetsk (região ucraniana pró-Rússia, falante da língua russa), visa cessar fogo e descentralizar o poder na região, entre outras importantes medidas em busca de soluções pacíficas. No segundo, vê com preocupação o fato de que Washington insista em fornecer armas a grupos terroristas como a Al-Nusra, afiliada local da Al-Qaeda. "Essas armas acabam parando nas mãos de membros do Estado Islamita e da própria Al-Qaeda", pontua Kuznick. No terceiro caso, ele observa o quanto é preocupante o fato de que a OTAN tenha colocado tropas, tanques e outros equipamentos militares na fronteira da Rússia. "A Rússia respondeu colocando seu sistema anti-mísseis S-400 ,e seu sistema de mísseis nuclear de Iksander em Kaliningrado, um pequeno enclave entre a Polônia e a Lituânia".

Neste sentido, enquanto lideranças da União Europeia recentemente acusaram o Kremlin de ser "assertivo" e que, por esta razão, deveria ser punido através de sanções econômicas, Annie responde: "Sim, a Rússia tem retaliado e realizado tarefas fronteiriças. A liderança deve ser vista como atuante, de outra maneira parecerá fraca e que não protege seu próprio povo. Portanto, a postura russa pode ser 'assertiva', mas não 'agressiva'". Catherine concorda: "O único 'crime' da Rússia tem sido o de resistir aos Estados Unidos, mestres na arte de enganar quando o assunto é guerra!".

Diversos analistas internacionais afirmam que a retórica anti-russa e anti-Putin de hoje por parte de Washington e dos grandes meios de comunicação norte-americanos, ultrapassam o discurso de ódio da era de McCarthy. "No entanto, as máquinas de propaganda habilitadas pelos meios de comunicação dos EUA justificam tudo isso e demonizam outro país, criando mais um novo bicho-papão para justificar ainda mais gastos com 'defesa'", diz Annie. Kuznick destaca que"o New York Times, o Washington Post e as elites de política externa dos Estados Unidos, neoconservadoras e neoliberais, estão pressionando para o confronto com a Rússia".

Bombas Químicas na Síria: Made in USA

A Síria, epicentro da atual Guerra Fria, já era durante os primeiros anos da administração de Bush filho um dos países que faziam parte dos planos de 'intervenção humanitária" Estados Unidos a fim de efetuar uma "troca de regime", o que é proibido pela Convenção de Genebra. O general norte-americano Wesley Clark, comandante da OTAN durante a Guerra de 1999 na Iugoslávia, revelou à rede de notícias norte-americana Democracy Now! que Washington planejava invadir sete países em cinco anos, cuja lista era esta, pela ordem: Iraque, depois a Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e, por fim, o Irã.

Na mesma época, dava-se a infiltração secreta e bilionária da CIA em solo sírio. Segundo cabo secreto liberado por WikiLeaks emitido em abril de 2009 por Maura Connelly, então embaixada dos EUA na Síria, de 2005 a 2010 os EUA enviaram, secretamente, 12 bilhões de dólares à oposição síria, e financiou instalação de canal de TV via satélite, transmitindo dentro do país programas contra o regime de Bashar al-Assad. Em determinado trecho, o cabo diz que com o financiamento, "realizou-se várias oficinas para um seleto grupo de ativistas sírios, sobre 'mobilização estratégica'".

Pois a questão mais controversa para se encontrar saídas para o genocídio na Síria hoje é: para derrotar o Estado Islamita é necessário derrubar o presidente Bashar al-Assad? Os Estados Unidos, a OTAN e a mídia predominante garantem que sim, em contraposição à Rússia, a diversos outros países e a analistas internacionais. Pois os fatos a seguir respondem esta questão.

Em maio de 2013, Carla del Ponte, uma das inspetora da ONU na Síria, afirmou que terroristas locais denominados "rebeldes moderados" pelos Estados Unidos e pela OTAN, estavam fazendo uso de armamentos químicos em território sírio. No documento de 11 de dezembro de 2012, intitulado Terrorist Designations of the al-Nusrah Front as an Alias for al-Qa'ida in Iraq, o Departamento de Estado dos Estados Unidos reconhece que os "rebeldes moderados" incluem terroristas da Al-Nusra.

Em 9 de dezembro do mesmo ano, a CNN havia reportado: "Os Estados Unidos e alguns aliados europeus estão usando empreiteiros da defesa para treinar rebeldes sírios na proteção dos estoques de armas químicas na Síria, disseram à CNN um alto oficial dos EUA e vários diplomatas" (reportagem intitulada Sources: U.S. helping underwrite Syrian rebel training on securing chemical weapons).

Posteriormente, diversos jornais internacionais e agências de notícias como a Associated Press divulgariam tal fato, para logo se esquecer. A Associated Press noticiou em 31 de agosto de 2013 que "há muitas brechas na Inteligência dos EUA, incluindo quem ordenou o uso de armas químicas e onde elas podem estar agora". O britânico The Guardian reportou no mesmo dia que "os EUA agem baseados na Inteligência israelense, a qual, supostamente, interceptou comunicações na Síria. Israel é inimigo declarado da Síria, importante peça nos interesses regionais sionistas".

Essas armas são fornecidas secretamente pelos EUA por meio de países como Jordânia, Turquia, Catar e Arábia Saudita, revelada por alguns meios, entre eles o New York Times em 24 de março daquele ano (Arms Airlift to Syria Rebels Expands, With Aid From C.I.A.). Em 8 de dezembro de 2012, o mesmo New York Times já havia publicado que tais "rebeldes" pertencem à Al-Nusra (Syrian Rebels Tied to Al Qaeda Play Key Role in War).

Sobre isto, Catherine lembra que "o fato de que Washington se sente com o direito de se alinhar a esses poderes para acelerar sua agenda no Oriente Médio, demonstra o quanto os EUA têm aumentado sua periculosidade". Para Timo Kivimäki, professor de Relações Internacionais da Universidade de Bath na Inglaterra, deter a alegada "proteção de civis" que, sob pretexto de "efeito colateral" acabou matando até agora mais de 400 mil pessoas na Síria,  depende "unicamente do enfraquecimento da justificativa humanitária do intervencionismo norte-americano".

As acusações das grandes potências ocidentais, de que Assad ataca com armas químicas, nunca foi comprovada.

Possibilidades e Consequências de Confronto Nuclear

Segundo recente estudo do instituto norte-americano Bulletin of the Atomic Scientists divulgado em setembro de 2016, "mais de quatro-quintos dos republicanos e quase metade dos democratas entrevistados disseram que apoiariam a destruição nuclear de Teerã, se o Irã atacar um porta-aviões dos EUA matando seus mais de 2 mil tripulantes. Os entrevistados apoiaram esta ação, mesmo considerando que ela mataria 20 milhões de iranianos". O Bulletin possui em seu sítio na Internet um medidor do risco de ataque nuclear, chamado Doomsday Clock (Cronômetro do Dia do Juízo). Neste ano, o cronômetro apresentou o índice mais grave desde 1953. Risco igual, apenas em 1984. "A probabilidade de catástrofe global é muito alta, e as ações necessárias para reduzir os riscos de desastre devem ser tomadas muito em breve. Essa probabilidade não foi reduzida. O cronômetro marca. O perigo global perturba. Os líderes sábios devem agir imediatamente", diz o indicador.

Para Kuznick concorda que é muito sério o risco de confronto nuclear entre EUA e Rússia, cujas tensões são as piores em 54 anos. "O que Kennedy e Khrushchev aprenderam durante a Crise de Mísseis de Cuba [1962] é que, uma vez que uma crise se desenvolve, ela rapidamente perde o controle. Apesar do fato de que ambos estavam tentando desesperadamente evitar uma guerra nuclear em 1962, eles perceberam que tinham perdido o controle. Não foi um estado de espírito brilhante que nos salvou, mas sim uma pura e estúpida sorte. Eles se moveram, depois disso, para eliminar qualquer conflito que pudesse causar outra crise. Essa foi a iniciativa de Khrushchev, e Kennedy finalmente respondeu positivamente. Existem agora várias situações que poderiam sair do controle. Se isso acontecer, elas podem aumentar sem que ninguém queira. Quem retrocede? Quem aceita a derrota? Putin? Trump? Precisamos desarmar todas as crises antes de chegarem a esse ponto".

Kuznick lembra que das 15.300 armas nucleares no mundo, 95% ou mais são controlados pelos EUA e pela Rússia. É estimado que os russos possuam arsenal maior e mais potente, embora tais valores sejam sempre muito ocultados pelos possuidores de tais armas. O diretor do Instituto de Pesquisas Nucleares da Universidade Americana, quem tem dado palestras e concedido entrevistas em todo o mundo sobre os riscos de guerra nuclear, observa ainda que "a maioria das armas nucleares hoje são de 8 a 80 vezes mais poderosa que a bomba lançada sobre Hiroshima". Kuznick questiona: "O que aconteceria se houvesse uma guerra nuclear relativamente pequena? Sabemos que, se as cidades fossem queimadas, produziriam tanta fumaça que os raios solares seriam bloqueados e os temperaturas cairiam abaixo de zero por muitos anos. Humanos e grandes animais morreriam já que a agricultura seria destroçada. Toda a vida no planeta estaria ameaçada".

"A teoria do inverno nuclear que os cientistas desenvolveram nos anos de 1980 foi atacada e amplamente ridicularizada. Mas os últimos estudos mostram que os cientistas estavam apenas errados em subestimar a enormidade dos danos". Peter Kuznick mostra que a destruição causada por um confronto nuclear é pior do que se pensava na década de 1980. "Embora haja muito menos armas nucleares agora do que as 70 mil que já existiram, há muito mais que o suficiente para causar o inverno nuclear. Esse é o desafio para a nossa espécie. Devemos evitar conflitos e guerras que possam levar à guerra nuclear. Trump entende isso? Espero que sim".

Diante deste cenário, a analista internacional, Catherine Shakdam, afirma: "Eu diria que, enquanto Washington tem feito birras internacionalmente, Moscou tem sido um estrategista brilhante".

Trump e Putin: Perspectivas de Paz?

Putin e Trump tem trocado elogios bem antes da vitória do republicano nas eleições presidenciais de novembro deste ano. No dia 16, pouco mais de uma semana após a vitória, Trump e Putin falaram-se por telefone visando a uma cooperação construtiva durante entre ambos os países nos próximos anos. O senador republicano John McCain, congressista mais financiado pela indústria armamentista, afirmou seguindo a retórica midiática e dos altos escalões da política de seu país: "Devemos depositar tanta fé em declarações como aquelas feitas por um ex-agente da KGB que mergulhou seu país na tirania, assassinou seus oponentes políticos, invadiu seus vizinhos, ameaçou os aliados dos Estados Unidos e tentou minar as eleições americanas". 

Londres afirma que pressionará Trump até que assuma a presidência em janeiro, para que não se aproxime de Putin. A conversa de ambos gerou crise diplomática entre o país europeu e o norte-americano. Políticos locais admitiram que os britânicos travarão conversas "muito difíceis" com o presidente eleito nos próximos meses sobre sua abordagem à Rússia. Londres também critica as considerações de Trump, de que "a OTAN não é um presente que os Estados Unidos possam continuar dando à Europa", afirmando que os aliados europeus deveriam aumentar a participação financeira. O Ministério das Relações Exteriores britânico, Philip Hammond, passará os próximos dois meses tentando convencer os altos responsáveis da equipe de Donald Trump a não priorizar a luta contra os terroristas islamitas na Síria. Em 13 de novembro, em resposta a Trump, o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, escreveu artigo no jorna britânico The Observer ressaltando a importância da aliança que representa, a fim de fazer frente à "ameaça" russa.

Kuznick diz que concorda com o novo presidente eleito de seu país, que a OTAN tem sobrevivido em cima da inutilidade. "De fato, o mundo teria sido melhor se [Harry] Truman [presidente norte-americano de 1945 a 1953] nunca tivesse criado a OTAN. No mínimo, a OTAN hoje precisa reverter a recente expansão militar, e abandonar os planos de enviar milhares de soldados para os países bálticos". Por outro lado, não surpreende que exatamente o governo britânico, maior aliado de Washington em todas as empreitadas belicistas, seja o maior cliente da indústria armamentista local, de propriedade privada. Conforme estudo recente do Stockholm International Peace Research Institute, o apoio de Londres à produção e ao comércio de armas, através do subsídio direto e indireto, é muito desproporcional em relação à sua importância econômica.

Boas relações dos Estados Unidos com a Rússia dependem de se levantar as sanções econômicas ocidentais contra os russos, retirar as tropas de zonas provocativas (o arco de antigos parceiros soviéticos que se estende dos Estados Bálticos ao Mar Negro), abandonar o escudo antimísseis balísticos no Leste Europeu (Romênia, e construindo atualmente na Polônia), reconhecer o referendo popular da Crimeia, neutralizar a Ucrânia, e estabelecer um grupo de trabalho russo-norte-americano a fim de resolver os conflitos na Ossétia, Transnítria, Abecásia e no Alto Carabaque.

No Oriente Médio, particularmente na Síria, para manter as promessas de se aliar à Rússia no combate aos terroristas (até agora armados também pelos próprios Estados Unidos e aliados) Trump terá que contrariar diversos parceiros importantes, entre eles Israel e Arábia Saudita. O presidente Bashar al-Assad tem se mostrado animado com apoio dos Estados Unidos, prometido por Trump."Está "pronto" a cooperar com o Presidente eleito dos EUA Donald Trump", disse Bouthaina Shaaban, assessora do presidente sírio para a National Public Radio dos Estados Unidos no dia em que Trump foi eleito presidente, em 8 de novembro deste ano.

Trump não tem experiência política, nunca ocupou nenhum cargo político, apresenta inúmeras contradições em seus discursos (cujo contexto possui essência claramente imperialista) e não tem conhecimento de política externa, devendo contar para isso com seus assessores. Os nomes de escolhidos por ele para a equipe de governo são ultraconservadores e defensores de sanções contra a Rússia (como Jeff Sessions, escolhido para ser procurador geral), além daquilo que se costuma denominar de hawks, isto é, defensores da continuação da "política" imperialista dos Estados Unidos apoiando-se no uso da força militar a fim de impor seus interesses econômicos e geoestratégicos. "Ninguém sabe o que Trump vai fazer - e provavelmente, nem ele mesmo", afirma Kuznick. "Ele adotou o uso da tortura. Expressou o desejo de manter a prisão de Guantánamo. Ameaçou não apenas matar terroristas, mas também suas famílias. Tudo isso violaria o direito internacional", completa.

Annie não vê perspectivas animadoras enquanto o mundo não se afirmar como multipolar, ao que a Rússia tem desempenhado papel fundamental. "As economias dos Estados Unidos e do Reino Unido dependem fortemente do comércio de armas, pelo que requerem um estado de guerra perpétua. O terrorismo internacional, de alguma forma, contribui com isso, mas para a construção de uma figura do inimigo, a Rússia é a melhor aposta histórica, daí a demonização de Putin". Realmente, nada indica que Trump, por inaptidão ou falta de vontade política, mudará este cenário de III Guerra Mundial sob sério risco de ataques nucleares.


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