Mohammad
bin Salman torna-se herdeiro do trono. Despreparado e belicoso, apoiador
de terroristas e desprezado pela própria CIA, ele pode desestabilizar o reino e
incendiar uma das regiões mais conflagradas do mundo
Pepe
Escobar | Outras Palavras
Bem
quando comentaristas de geopolítica faziam apostas para uma mudança de regime
no Qatar – orquestrada por uma Casa de Saud [da Arábia Saudita] desesperada –,
a mudança de regime acabou por acontecer em Riad, orquestrada pelo Príncipe
Guerreiro, Destruidor do Iêmen e Bloqueador do Qatar, Mohammad bin Salman
(MBS).
Considerando
a impenetrabilidade daquela oligarquia familiar do petrodólar do deserto
travestida de nação, dar conta desse mais recente Game
of Thrones árabe é tarefa de uns poucos estrangeiros com acesso
garantido. E também não ajuda que o abundante dinheiro dos lobbiessauditas
– e dos Emirados – em Washington reduza virtualmente todos os think-tanks e
jornalistas venais à mais abjeta máquina de calúnia e difamação.
Alta
fonte no Oriente Médio, próxima da House
of Saud, e dissidente de fato do consenso construído em Washington,
não poupa palavras: “A CIA está muito insatisfeita com a demissão do
[ex-príncipe coroado] Mohammad bin Nayef. Mohammad bin Salman é visto como
patrocinador de terroristas. Em abril de 2014, as as famílias reais dos
Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita estiveram à beira de ser derrubadas
pelos EUA, por causa do terrorismo. Fez-se então um acordo, pelo qual Nayef
assumiria o reino, para pôr fim ao terrorismo.”
Antes
do golpe de Riad, uma insistente narrativa percorria seletos círculos
geopolíticos no Oriente Médio. Segundo ela, os seviços secretos dos EUA teriam
interrompido “indiretamente” outro golpe contra o jovem emir do Qatar, Xeique
Tamim al-Thani, orquestrado por Mohammad bin Zayed, príncipe coroado de Abu
Dhabi, com a ajuda do exército de mercenários de Eric Prince da
Blackwater/Academi, nos Emirados Árabes Unidos. Zayed é nada menos que o mentor
de MBS.
Nossa
fonte esclarece: “os eventos estão conectados. O príncipe é CIA, mas
provavelmente conteve qualquer atentado contra o Qatar. A CIA bloqueou o golpe
no Qatar e os sauditas reagiram derrubando o eleito da CIA, Mohammed bin Nayef,
que deveria ser o próximo rei. Os sauditas estão assustados. A monarquia está
em dificuldades, porque a CIA pode pôr o exército na Arábia contra o rei. MBS
fez um movimento defensivo.”
A
fonte acrescenta que “MBS está caindo por todos os lados. Iêmen, Síria, Qatar,
Iraque, etc. são, todos esses, fracassos de MBS. A China também não está
satisfeita com MBS, que está criando problemas também em Xinjiang. A Rússia não
pode estar satisfeita com o a evidência de que MBS esteve e continua por trás
dos baixos preços do petróleo. Quem são seus aliados? Só tem um, seu próprio
pai, que não se pode dizer que seja competente.” O rei Salman está virtualmente
incapacitado, vítima de demência.
A
fonte é muito clara: “É muito possível que a CIA aja contra a monarquia na
Arábia Saudita.” É como dizer que a guerra entre o presidente Trump e setores
seletos do Estado profundo nos EUA subiriam a um nível completamente novo.
E
para complicar ainda mais o quadro, há o fator Jared da Arábia. Não há o que
faça qualquer ator insider sério confirmar qualquer coisa sobre o
golpe (abortado) no Qatar. Mas se esse golpe realmente aconteceu e foi
abortado, Jared Kushner pode ter recebido informação interna, considerando suas
conexões.
Segundo
a mesma fonte, “Jared Kushner está essencialmente falido na Quinta
Avenida 666, e carece da ajuda financeira dos sauditas. Nessa situação,
está fazendo tudo que os sauditas mandam. 666 Fifth está em tão
péssima situação financeira, que nem o sogro pode resgatá-lo.”
Operação
Húbris do Deserto
Essa
complexa sucessão de eventos realmente confirma o famoso
memorando de dezembro de 2015 da inteligência alemã (BND) –, segundo o qual
a Casa de Saud adotara “uma impulsiva política de intervenção”. O memorando da
inteligência alemã detalhava o modo como a Casa de Saud, na Síria, financiara a
criação do Exército da Conquista – basicamente a Jabhat al-Nusra, codinome
al-Qaeda na Síria ressuscitada – bem como o grupo Ahrar al-Sham, irmão
ideológico desses todos. Tradução: a Casa de Saud ajuda, apoia e arma o
terrorismo salafista-jihadista. E isso num regime que agora acusa o Qatar de
fazer o mesmo (Doha apoiou grupos diferentes).
No
Iêmen, a inteligência alemã preocupava-se porque a guerra de MBS contra os
houthis e o Exército do Iêmen só interessava à al-Qaeda na Península Arábica.
Agora, a guerra de MBS – guerreada com armas norte-americanas e britânicas –
também já provocou ser catástrofe humanitária horrenda.
Como
é possível que um ignorante arrogante sujo doente de húbris como MBS tenha
chegado tão perto de incendiar todo o sudoeste da Ásia [Oriente Médio, na
terminologia eurocêntrica]? E não só o sudoeste da Ásia: ondas de desespero
começam a chegar aos círculos de investimento ocidentais, ante o risco que de
MBS e suas ações de tiroteio ensandecido para todos os lados rapidamente
destruam incontáveis poupanças para aposentadoria por todos os lados.
Para
compreender é preciso conhecer alguns detalhes. O que se tem hoje é o 3º
Reinado saudita – fundado por Ibn Saud em 1902, mantendo sempre a mesma aliança
tóxica com os clérigos
wahhabistastrogloditas. Ibn Saud governou só Najd no início; depois, em
1913, anexou a Arábia Ocidental xiita (onde está todo o petróleo), e em 1926,
Hejaz, na costa do Mar Vermelho. Um reino da Arábia Saudita “unido” só começou
a existir em 1932.
Ibn
Saudi morreu em 1953. A mais influente de seu harém de esposas foi, pode-se
dizer assim, Hassa al-Sudairi. O casal teve sete filhos. O rei Salman (hoje
consumido pela demência senil), Nayef e MBS são Sudairis. MBS é o primeiro dos
netos de Ibn Saud com real possibilidade de chegar ao trono.
Alguns
outros príncipes são mais competentes que MBS. Nayef, serviu durante muito
tempo como ministro do Interior, foi o czar saudita do contraterrorismo (o que
fez dele queridinho da CIA). Há Mitab bin Abdullah, ministro da Guarda Nacional
da Arábia Saudita; o notório príncipe Turki, ex-chefe de inteligência,
ex-embaixador nos EUA e ex-melhor amigo de Osama bin Laden; e Khaled bin
Faisal, governador de Meca e ex-ministro da Educação.
MBS
está apostando tudo na sua “Visão 2030″ – que em teoria poderia empurrar a
economia saudita para além da dependência única no petróleo, mas implica uma
modernização política virtualmente impossível: afinal de contas, a House of
Cards [literalmente: “castelo de cartas”] saudita é não reformável.
Considere-se a lista cômica, das 13 “exigências” agora impostas ao Qatar –
serviço de MBS – incluindo a belicosa virtual excomunhão do Irã e o fechamento
da rede al-Jazeera.
Não
é surpresa que praticamente todos os grandes atores geopolíticos estejam
trabalhando já em cenários de guerra – embora só a Alemanha tenha exposto
oficialmente essas preocupações. O Qatar é observador na OTAN. Doha já decidiu
que não se curvará às absurdas “exigências” dos sauditas. O que virá a seguir?
MBS – o mais perigoso “líder” de todo o quadro geopolítico hoje – se deixará
humilhar? Ou lançará mais uma guerra alucinada, pervertida, que ele jamais
vencerá e que, dessa vez, convulsionará todo o planeta?
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