Inútil argumentar racionalmente
com os que optaram pela extrema direita: espalhar amor e acolhimento é nossa
maior defesa agora
Débora Nunes | Outras Palavras*
Milhões de brasileiros, e
sobretudo brasileiras, nos enchemos de alegria e emoção com as manifestações de
29.09.2018. O sentimento de estarmos juntos e sermos fortes contra o
obscurantismo propiciou essa emoção prazerosa, essa euforia emancipada que a
liberdade nos dá. As imagens inesquecíveis da maior manifestação feminista da
história do mundo falam por si: milhões de pessoas desfilando em paz, cada uma
portando em si mesma os traços de suas escolhas. Gente poeta e músico cantando
suas rimas pela liberdade; gente preta ostentando sua cores, seus cabelos
frizados, suas homenagens aos ancestrais; gente gay e sua bandeira
multicolorida rindo e dançando pela euforia de serem quem são e se amarem sendo
assim; gente de todo tipo se abraçando ao encontrar um companheiro ou
companheira de lutas nesse Brasil que exigiu tanto de duas gerações pra
restabelecer a democacia e sair da semi-escravidão. Lindo de ver pra nós que
estamos nesse desafio cotidiano de sermos nós mesmos, de pagar o preço de viver
como acreditamos ser o certo, de buscarmos profundamente a igualdade e a
emancipação. Sobretudo nós, mulheres.
Mas como nos viram aqueles que
ainda não declararam sua autonomia, nem sentiram o sabor da liberdade de serem
quem são? Olharam pra nós com medo. Viram o perigo de que os valores
tradicionais “da família” pudessem ser abalados inclusive em suas casas. Viram
nossos sorrisos, beijos e abraços como “libertinagem” confrontando seus
próprios desejos escondidos de serem espontâneos. Viram aquela massa de
mulheres botando por terra o establishment, o “modo normal de ser”, como algo
de desestruturador de suas vidas. Essa vida que buscam manter intocável, mesmo
que doa, com medo da incerteza do novo, com medo da liberdade.
A liberdade causa medo porque
significa também responsabilidade, significa ter que estar à altura do que
virá, sem poder controlar. A corrida em busca de um “pai severo” que livre os
que têm medo da incerteza fez as intenções de voto para o candidato da direita
subir. Os argumentos que envolvem o comunismo, a Venezuela, Cuba, os “ladrões
do PT” são só uma desculpa, na maior parte das vezes. Muito pouca coisa, racionalmente,
poderiam fazer as pessoas terem medo de um governo do PT, cujas escolhas de
aliança com as elites foi oposta àquela de Chavez, de confronto total.
Quando uma criança tem medo de um
monstro imaginário atrás da porta, o abraço da mãe, ou pai, é muito mais
efetivo que a frase “não tem monstro nenhum, filho”. Não adianta argumentar
racionalmente com esses que resolveram votar na extrema direita. É muito mais
uma necessidade de se sentirem protegidos e amados, sem pagar o preço da
responsabilidade pelos próprios atos. Não deixar que essa onda de medo atinja a
nós mesmos e espalhar amor e acolhimento é nossa maior defesa agora. Reforçar o
“campo mórfico” da compaixão em face do medo dos outros, vibrando empatia pelas
fraquezas tão humanas de quem tem medo é mais poderoso que esbravejar contra o
que nos ameaça. Vamos conversar calmamente com quem está confuso, confiar nas
vitórias que já tivemos até aqui e manter a paz de espírito para vencer. O que
acontecer nos encontrará fortes e dispostxs a defender a liberdade, a igualdade
e a fraternidade, valores universais destinados a ganhar, como nos mostra a
História.
*Inês Castilho - Jornalista,
cineasta e pesquisadora, integra o corpo editorial de Outras Palavras, foi
editora do jornal Mulherio, realizadora dos filmes de curta-metragem
"Mulheres da Boca" e "Histerias" e cofundadora do Nós
Mulheres, primeiro jornal feminista de São Paulo.
- Publicado em 7 de Outubro de 2018
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