"É difícil não nascer branco"
- Lima Barreto (18881-1922) / Diário Íntimo
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
O dia 13 de maio, escolhido pela
historiografia oficial, como símbolo da liberdade, representa apenas o término
de quase 400 anos de um longevo sistema escravocrata.
O Brasil, há 130
anos, foi o último país no Ocidente a abolir a escravidão. Em contraponto a
esta data, na qual foi assinada a Lei Áurea (1888), o 20 de novembro - Dia da
Consciência Negra - remete-nos à morte da figura libertária de Zumbi dos
Palmares (1655-1695). Esta data encontrou maior receptividade pela
população afrodescendente devido à luta deste líder em relação à escravidão.
Zumbi liderou o famoso Quilombo dos Palmares (1630-1895) que se localizava na
Serra da Barriga, atual região do estado de Alagoas.
Instituído, em âmbito nacional,
mediante a lei nº 12.519 de 10 /11/ 2011, o dia 20 de novembro - data da morte
de Zumbi - passou a ser uma efeméride graças à mobilização do Movimento Negro e
da liderança do ativista gaúcho, poeta e professor Oliveira Silveira
(1941-2009) - nascido em Rosário do Sul - que teve a iniciativa de propor o
reconhecimento deste líder negro como símbolo de resistência à
escravidão. A semente germinou, em Porto Alegre , no Grupo Palmares (1971) fundado
pelo próprio Oliveira.
A data da morte de Zumbi
foi alvo de longa pesquisa do professor Oliveira que se utilizou de uma
abalizada bibliografia, trazendo a público a importância de Zumbi para a
história do negro no Brasil., motivando o Movimento Negro Unificado Contra a
Discriminação Racial (MNU) a realizar um congresso, em 1978, ainda no período
da Ditadura Militar (1964-1985). Este Congresso elegeu Zumbi como um
ícone da luta contra a escravidão.
Na realidade a Abolição da
Escravatura (1888) concedeu, juridicamente, a liberdade ao escravizado, mas não
o passaporte da cidadania plena. Infelizmente, essa população
liberta se deparou com uma dura realidade marcada por fatores, como a pobreza,
a falta de instrução, o preconceito e a invisibilidade social. É evidente que,
neste contexto, a sobrevivência do liberto ficou restrita a espaços,
cujas características eram a baixa renda econômica e o esquecimento do poder
público, a exemplo em
Porto Alegre da Colônia Africana (Bairro Rio Branco), Ilhota
(Cidade Baixa), Areal da Baronesa e Mont’Serrat. Considerados no passado
territórios negros, estes locais foram o berço do samba de roda , das casas de
religião de matriz africana (Nação), dos blocos, cordões , escolas de samba e a
Liga da Canela Preta (futebol). A especulação imobiliária os descaracterizou,
deslocando seus moradores para locais afastados da urbe, como Restinga Velha
onde não havia a mínima infraestrutura. Os interesses econômicos
atropelaram a tradição africana que ali se fazia presente.
A conquista da cidadania plena exige, ainda,
nos dias atuais, uma luta constante contra o preconceito, visando ao
reconhecimento da contribuição da etnia negra na construção da Nação
brasileira. Marginalização e racismo são reflexos de um sistema
escravocrata que estruturou de uma maneira dual a sociedade brasileira. A saída
estratégica, da nossa elite conservadora e escravocrata, do século 19, dá
-se com Abolição de forma legal, porém sem alterar o sistema social do qual era
apenas o espelho. A sociedade se adaptou, visando a preservar, sob a aparência
jurídica de igualdade de todos perante a lei, a distinção social entre a casa
grande e a senzala.
A Abolição da Escravatura
(1888), não seria um processo inconcluso, como afirmou o historiador Décio
Freitas (1922- 2004), em seu livro Brasil Inconcluso (1986), se ao
ato jurídico fossem acrescidas mudanças sociais efetivas: uma reforma agrária
proposta pelo engenheiro e abolicionista André Rebouças (1838-1898) e a
implantação de um sistema educacional amplo e inclusivo.
Desde a assinatura da Lei Áurea
(1888), pela princesa Isabel (1846-1921), até os dias atuais, o caminho da
inclusão social tem sido árduo devido ao racismo (velado ou assumido) e à
intolerância às tradições africanas. Em pleno século 21, a escravidão, em suas
diversas formas, ainda nos espreita e reinventa-se por meio de mecanismos de
exploração, subtraindo a liberdade e a dignidade do ser humano.
O legado de séculos de
escravidão é o baixo percentual de afrodescendentes que ocupam, de forma
legítima, espaços de poder e de atuação junto à sociedade, tradicionalmente e
de forma majoritária, ao longo da história do Brasil, são ocupados por brancos,
como confirmam os dados estatísticos do IBGE. O Brasil foi o último país
no Ocidente a aboli-la. O dia 20 de novembro é uma data que nos
oportuniza uma reflexão acerca da nossa diversidade cultural, que é fruto
da contribuição multirracial, especialmente dos nossos irmãos africanos e seus
descendentes.
* Pesquisador e coordenador do
setor de pesquisa do Musecom
Imagens
1- Estátua de Zumbi (2008) em
Salvador (BA) / autoria da baiana Márcia Magno
2 - Zumbi dos Palmares
3 - Oliveira Silveira : Líder do
Movimento Negro no RS
1 comentário:
O Quilombo dos Palmares ( 1630-1895) / 1695 é da data correta da sua destruição. O autor
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