segunda-feira, 26 de março de 2018

CATALUNHA | Puigdemont fica preso enquanto aguarda decisão de extradição


O juiz alemão decidiu manter o ex-presidente da Generalitat na prisão

O tribunal de primeira instância de Neumünster, na Alemanha, decidiu manter o ex-presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, enquanto decide sobre a ordem de detenção europeia emitida pelas autoridades espanholas. O processo de extradição poderá demorar até 60 dias.

A informação é avançada pela agência de notícias alemã DPA.

Puigdemont foi detido no domingo, às 11.19 da manhã, pouco depois de cruzar de carro a fronteira da Dinamarca. Vinha da Finlândia, onde tinha estado a promover o processo independentista catalão.

Esta tarde esteve a declarar diante do juiz, que o informou sobre o mandado de captura europeu. Caso Puigdemont tivesse aceitado a extradição, o processo ficaria concluído no prazo de dez dias, mas como o ex-presidente da Generalitat se opôs, então este segue para as mãos da procuradoria-geral do landalemão de Schleswig-Holstein. Esta deverá decidir se existem ou não motivos para a extradição, cabendo ao Tribunal Superior Regional ouvir depois ambas as partes e decidir no prazo de 60 dias.


Puigdemont é acusado de rebelião e peculato na organização do referendo de 1 de outubro e consequente declaração unilateral de independência.

Susana Salvador | Diário de Notícias

ZENU | Filho de ex-Presidente de Angola constituído arguido


José Filomeno dos Santos está impedido de sair de Angola

O filho do ex-Presidente angolano José Filomeno dos Santos foi constituído arguido e está impedido de sair do país, disse o sub-procurador-geral da República de Angola, Luís Benza Zanga.

Em causa está uma investigação a uma alegada transferência irregular de 500 milhões de dólares para um banco britânico, que já levou à constituição como arguido de Valter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola.

A informação foi prestada esta segunda-feira aos jornalistas pelo sub-procurador-geral durante um encontro com deputados angolanos.

José Filomeno dos Santos foi presidente do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola até janeiro passando, por nomeação do pai e ex-chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, tendo sido então exonerado pelo atual Presidente da República, João Lourenço.

Neste processo foram constituídos arguidos, além de José Filomeno dos Santos e Valter Filipe, outros três cidadãos angolanos, conforme explicou o sub-procurador-geral, Luís Benza Zanga.

A Lusa noticiou a 20 de março que uma agência britânica de combate ao crime vai devolver 500 milhões de dólares (406 milhões de euros) ao Banco Nacional de Angola, cuja transferência está a ser investigada no Reino Unido.

A Agência Nacional de Crime (NCA) britânica confirmou à agência Lusa que a Unidade Internacional de Corrupção está a investigar uma possível fraude de 500 milhões de dólares contra o Banco Nacional de Angola.

"Em dezembro de 2017 e janeiro de 2018, a NCA utilizou as novas disposições da Lei de Finanças Criminais de 2017 para impedir a transferência de ativos. A autorização necessária para que os fundos sejam devolvidos às autoridades angolanas foi obtida agora", indicou.

Um porta-voz da Agência adiantou que a investigação "está em curso" e saudou a "cooperação até à data com as autoridades angolanas para chegar a uma conclusão satisfatória para este assunto".

Embora as autoridades britânicas não tenham confirmado o nome das pessoas envolvidas, deverá tratar-se do ex-governador do Banco Nacional de Angola Valter Filipe, que foi interrogado e indiciado pelo crime de peculato e branqueamento de capitais pela Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana na semana passada.

Valter Filipe é acusado de estar envolvido na transferência ilícita de 500 milhões de dólares para uma conta no exterior do país.

O procurador-geral adjunto e coordenador da Direção Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP), João Luís de Freitas Coelho, confirmou a existência de outras pessoas no processo, "que também têm alguma responsabilidade na saída ilegal deste dinheiro" de Angola, mas que não identificou.

Valter Filipe foi ouvido um dia depois de ter regressado a Angola, proveniente da África do Sul, e a suposta transferência de 500 milhões de dólares foi realizada em setembro de 2017, um mês antes da sua demissão do cargo a seu pedido, para uma conta do banco Credit Suisse de Londres.

Lusa | Expresso | Foto: Getty

O destino de “Zenu”: o texto para ler num dia surpreendente em Angola


Tinha tudo para ser ele. Desde logo porque é o filho varão. Dos dez irmãos, José Filomeno dos Santos só é mais novo do que Isabel. E depois porque ela, a primogénita, que podia fazer-lhe sombra, parecia não estar para aí virada. Isabel tornou-se a primeira figura da sua geração em Angola a ser internacionalmente famosa, aproveitando os cinco anos que tem a mais que o irmão para levar um bom avanço no caminho do êxito público, mas o seu mundo eram os negócios. E o outro eventual candidato, Manuel Vicente, o único fora do círculo da família, começou a ter a sua sorte traçada assim que deixou de ser presidente da Sonangol para assumir a vice-presidência de Angola.

Pouco importava se ninguém sabia muito bem quem ele era até ser nomeado, em 2012, administrador do Fundo Soberano de Angola. O filho do Presidente não era ainda capa de revistas, mas nos círculos do poder em Luanda já existia há uns anos a ideia de que era dali que viria o futuro do país. Pelo menos desde 2007, quando uma primeira referência ao seu nome surgia em Portugal, num artigo do jornal “Público” precisamente sobre a ascensão de Isabel, em que era escrito que “a sucessão política” estava “orientada para o seu irmão, José Filomeno dos Santos”. Formada em Londres, onde adquirira experiência a trabalhar em multinacionais, em 2007, Isabel dos Santos estava a crescer como empresária, vendendo a ideia de que era não só independente do pai mas também uma seguidora fiel das regras do direito privado europeu. Com ela seria by the book. Não iria misturar as coisas, passaria bem sem ocupar cargos públicos. A cadeira da Presidência não era o seu campeonato.

A ideia foi amadurecendo. O rapaz podia ter o perfil para o que era preciso: contentar os pobres, contemporizar os ricos. Num relatório confidencial sobre o potencial sucessor do Presidente de Angola, produzido em maio de 2010 pela agência de intelligence norte-americana Stratfor e mais tarde publicado na íntegra pela organização de fugas de informação WikiLeaks, José Filomeno era retratado como o único dos filhos de José Eduardo dos Santos que parecia preocupar-se com a situação social do país: “Quando viaja até às províncias, ele faz uma avaliação crítica e rigorosa da situação, às vezes destacando uma certa lentidão ou má-fé das autoridades locais em fazerem o seu trabalho. No regresso partilha essas situações com o pai, o que tem reforçado o seu papel de fonte de informação do chefe de Estado.”

O interesse da Stratfor, uma fonte de informações de relevo para multinacionais e para o Governo norte-americano, especializada em identificar oportunidades e riscos em todas as zonas do globo, era o reflexo da importância que já era dada ao jovem José Filomeno dentro e fora de fronteiras.

A maior parte da informação relatada pela Stratfor vinha originalmente do Clube K, um site de notícias fundado em 2000 que se assumiu desde o início como um órgão de comunicação independente vocacionado para denunciar abusos de poder e corrupção em Angola, editado a partir dos Estados Unidos, Portugal, Holanda, França, Alemanha e Brasil por angolanos expatriados. Eram eles que diziam que o filho mais velho do Presidente angolano era uma pessoa atenta. E um homem educado.

“Porta-se como um cavalheiro”, escreveu o Clube K no seu site, no texto que foi apropriado pela Stratfor. “Quando vai à padaria comprar pão, saúda as pessoas, mesmo as que não conhece. É capaz de dar prioridade às senhoras. Quem com ele se cruza, sobretudo os jovens, acaba por ter a impressão de que é uma figura simples e bastante educada, que nem parece ser filho de quem é.”

José Filomeno dos Santos fez então o que era esperado. Em 2012, logo a seguir às eleições gerais ganhas pelo pai com 72% dos votos, no primeiro confronto direto com eleitores em 20 anos, surgiu a nomeação do filho varão como administrador de um novo fundo soberano, há muito anunciado, capaz de garantir o futuro de Angola, tornando o país menos dependente do petróleo. “Zenu”, a alcunha do jovem financeiro, estava a dar o passo aparentemente certo para vir a ser o legítimo herdeiro de “Zedu”.

O Fundo Soberano de Angola, também designado FSDEA, com ativos iniciais de 5 mil milhões de dólares, foi lançado oficialmente a 17 de outubro desse ano. O primeiro comunicado da nova entidade dizia que o objetivo era “promover o desenvolvimento socioeconómico do país e criar património para as gerações futuras”. Falava de uma “carta social” e de “grandes desafios sociais”, como o acesso do povo a água potável ou a serviços de saúde. O secretário presidencial para os assuntos económicos e antigo diretor nacional do Tesouro, Armando Manuel, era empossado como presidente, tendo “Zenu” e um outro jovem gestor, Hugo Gonçalves, como administradores. Armando Manuel afirmava que o Fundo iria “assegurar uma receita financeira e uma receita social elevadas”. O próprio José Filomeno era citado a realçar a criação de “oportunidades com um impacto positivo na vida atual de todos os angolanos” — agricultura, distribuição de água e eletricidade, transportes.

Numa entrevista ao “Diário Económico”, publicada no dia seguinte, José Filomeno dizia que o Fundo continuaria “a ser alimentado pelas receitas da venda de barris de petróleo”. Numa notícia do Expresso, Armando Manuel assumia que o ritmo de injeção de dinheiro no Fundo iria ser de 100 mil barris de petróleo por dia, o equivalente na altura a 3,5 mil milhões de dólares por ano. Essas contas eram repetidas pelo próprio “Zenu”, em declarações também ao Expresso, em que aproveitava para reforçar a sua veia social: o grande objetivo “era melhorar cada vez mais a vida da população em geral e, deste modo, ir reduzindo as assimetrias”.

Além disso, tudo iria ser feito de forma transparente, de acordo com um novo comunicado divulgado dois meses depois, para que o “povo angolano” pudesse monitorizar o progresso do programa de investimentos. “O nosso plano é trazer um crescimento socioeconómico para todos”, sublinhou José Filomeno dos Santos ao “Financial Times”. “Não é trazer um crescimento para certos indivíduos em particular.” A ambição era grande. E a tentação também. Num país em que 95% das exportações são petróleo e a produção diária andava nos 1,5 milhões de barris em 2012, 100 mil barris eram 7% do bolo.

O projeto tinha a cara do filho varão. Em seis meses houve um salto rápido. Com apenas 35 anos, “Zenu” passava de administrador a presidente do Fundo. A 21 de junho de 2013 era anunciada a sua súbita promoção. O pai tinha resolvido fazer uma pequena remodelação governamental. Tirou a pasta das Finanças a Carlos Alberto e deu o cargo a Armando Manuel, ao mesmo tempo que corria com o ministro da Construção, Fernando Fonseca.

A jogada política provocou alguma agitação. O grupo parlamentar Convergência Ampla de Salvação de Angola, a CASA, pediu ao Tribunal Constitucional para que anulasse o decreto presidencial que tinha criado o Fundo, uma vez que essa iniciativa teria de ser aprovada pela Assembleia da República, mas os juízes não lhe deram razão. Citado pelo serviço público internacional de televisão e rádio alemão, Deutsche Welle, o diretor da organização não-governamental angolana Open Society, Elias Isaac, explicava que o problema não se prendia com o facto de existirem “mecanismos institucionais do Estado que vão verificar se os objetivos deste Fundo estão a ser cumpridos ou não”, mas sim com o facto de em Angola já terem sido “constituídos outros fundos que foram à falência”. E o Governo, concluía o ativista, nunca tinha chamado ninguém à responsabilidade. Daí a importância do envolvimento do Parlamento.

Não havia como voltar atrás. O Presidente decidira. Calado, de pose reservada e introspetivo como o pai, mas com uma atitude mais sensível, viria mesmo “Zenu” a ser o novo “Zedu”?

SEMPRE EM TRÂNSITO

José Filomeno de Sousa dos Santos nasceu a 9 de janeiro de 1978 em Luanda, quando o pai era ministro das Relações Exteriores do Governo do então Presidente Agostinho Neto. José Eduardo dos Santos tinha casado com uma russa que conhecera na universidade em Baku, no Azerbaijão, na época em que aquele país fazia parte da União Soviética. Com a independência de Angola, em 1975, Tatiana Kukanova viera com o marido e com a pequena Isabel, então com dois anos, instalando-se no Bairro Alvalade.

Mas “Zedu” não aguentou o casamento durante muito tempo e em 1977 já se tinha envolvido com a sua secretária no Ministério. Filha de pai cabo-verdiano e mãe angolana, Filomena de Sousa — “Necas” como sempre foi conhecida entre amigos e familiares — tinha estudado na escola comercial Vicente Ferreira antes de começar a trabalhar para o Governo. E antes de se apaixonar pelo jovem ministro, então com 35 anos.

José Eduardo dos Santos e “Necas” não chegaram a casar. Nem a viver juntos. Com a morte de Agostinho Neto e a sua ascensão a líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e, por inerência, a Presidente do país, “Zedu” iria, de qualquer modo, garantir que nada faltaria a nenhum dos seus sucessivos núcleos familiares, à medida que ia tendo filhos de diferentes mulheres.

José Filomeno passou os primeiros anos de vida na rua Porto Alexandre, perto do mercado do Bairro Popular, na casa dos avós maternos. A mãe vira-se obrigada a deixar de morar sozinha, em Vila Clotilde (hoje Vila Alice), para ter ajuda na educação e nas rotinas diárias da criança.

Para todos os efeitos, o miúdo foi assumido pelo pai. Quando frequentou a escola Ngola Kanini, antiga João Crisóstomo, no quarteirão da escola portuguesa e do liceu francês de Luanda, e mais tarde, quando se transferiu para o estabelecimento do ensino secundário Juventude em Luta, logo ali ao lado, ia e vinha num Mercedes fornecido pela Presidência, acompanhado sempre de dois guarda-costas.

Os antigos colegas de carteira recordam-se dele como um rapaz “muito recatado”. Tirando a sua condição especial de ser filho de quem era, não dava nas vistas. Com a vida mais estabilizada, a mãe mudou-se para a rua Comandante Stona, nos arredores do Bairro Alvalade, e acabou por casar com um antigo militar das FAPLA, o exército do MPLA, de quem viria a ter mais duas crianças.

Ao mesmo tempo que assegurava uma boa educação formal para o filho varão, José Eduardo dos Santos parecia querer manter à distância a ex-companheira, à medida que a sua vida sentimental ia ficando cada vez mais complicada. Ainda na primeira metade da década de 80, Zedu viu nascer mais dois herdeiros, Welwitschea — ou Tchizé — e o músico José Paulino, que viria a adotar o nome artístico de Coréon Dú. Ambos eram fruto de uma relação iniciada com uma terceira mulher, Maria Luísa Abrantes. Considerada como uma “personalidade extravagante” nos círculos sociais, “Milucha” Abrantes, que até há pouco tempo foi presidente da extinta Agência Nacional de Investimento Privado, ficou célebre por ter feito um escândalo na rua ao cruzar-se com “Necas”. Um episódio que seria contado e recontado em Luanda.

“Milucha” e “Necas” estavam a criar os filhos do Presidente, cada uma no seu bairro, mas a cidade estava a ficar pequena. E ficou ainda mais pequena quando José Eduardo dos Santos teve um quinto filho, em 1988, José Avelino, com uma quarta mulher, vindo finalmente a casar-se com uma quinta mulher, Ana Paula Lemos, uma hospedeira do avião presidencial que subiria ao altar em maio de 1991, grávida de cinco meses de Eduane Danilo.

Por esta altura, quando fez 12 anos, “Zenu” deixou a escola Juventude em Luta e foi viver para Estocolmo, depois de a mãe ter sido nomeada de forma aparentemente oportuna como secretária para os assuntos económicos na embaixada angolana na Suécia, acompanhando-a mais tarde na mudança de posto para a embaixada em Londres, a cidade para onde também tinha ido Tatiana com Isabel. “Milucha” fora entretanto com os filhos para os Estados Unidos. O ambiente, apesar da guerra civil em curso, desanuviara em Luanda, na guerra emocional do líder do MPLA.

Em Londres entrou para a Universidade de Westminster, de onde saiu com uma licenciatura em Engenharia Eletrónica e um mestrado em Finanças e Gestão de Sistemas de Informação. Nos tempos livres aprendeu a tocar piano. Gostava muito de música. Foi nesse período, numa das vindas de férias a Luanda, que conheceu Maíra Fernandes. Segundo o perfil traçado pelo Clube K, “Zenu” “arranjou uma bolsa para a namorada pela Sonangol” e em 1997 ela “seguiu para Inglaterra”.

Depois de o cadáver de Jonas Savimbi, o líder da UNITA, o partido rival do MPLA, ser exibido na televisão, em 2002, anunciando o fim da guerra civil, José Filomeno dos Santos estava pronto para regressar de vez a casa. Após o casamento com Maíra, em 2004, foi morar para o Bairro Alvalade, não muito longe de onde passara a infância, e começou a acumular casas na capital angolana, duas, três, quatro. Uma delas na praia.

O primeiro emprego na AAA, a seguradora da Sonangol, durou até 2005. Foi quando decidiu experimentar o sector privado, seguindo o exemplo de um jovem empresário, Mirco Martins, enteado de Manuel Vicente de quem se tornara muito amigo em Inglaterra, quando ambos estudavam Engenharia Eletrónica, embora em diferentes cidades.

Começou num escritório pouco sofisticado e meio escondido nas imediações da Livraria Lello, o antigo largo da pastelaria e café Gelo, perto da marginal que abraça a baía de Luanda. Terão sido aí as primeiras reuniões da consultora Quantum Global, a ‘progenitora’ do Banco Quantum Invest, o seu primeiro projeto no mundo da finança. E foi aí que conheceu o homem com quem passou a fazer parcerias — um gestor e empresário com ligações a Cabinda, uma eventual ascendência portuguesa e detentor de dupla nacionalidade, suíça e angolana. Jean-Claude Bastos de Morais tornou-se omnipresente na sua vida.

Embora na biografia que publicou no site pessoal, Jean-Claude diga que fundou a Quantum Global em 2003, o site oficial do grupo afirma que a primeira das várias companhias que o empresário tem vindo a criar foi fundada somente em 2007. Era a Quantum Global Wealth Management, que em 2012 viria a transformar-se na Quantum Global Investment Management, com dupla sede: na Suíça e em Angola. Quando isso aconteceu — a mudança de nome — já Jean-Claude e “Zenu” tinham fundado juntos o Banco Quantum, o primeiro banco de investimento em Angola, rebatizado, em 2010, Bank Kwanza Invest.

Rafael Marques, o jornalista mais conhecido de Angola e o mais temido pelo regime, não perdeu tempo e logo em dezembro de 2012 aprofundou o passado de “Zenu”, analisando a situação num longo artigo. A Quantum Global já estava a gerir fundos de milhares de milhões de euros para o Banco Nacional de Angola e, embora na data de lançamento do Fundo o filho do Presidente tivesse dito que iria vender a sua participação acionista no Bank Kwanza, um jornal sul-africano, o “Mail & Guardian”, publicou uma entrevista em que José Filomeno dizia em contrapartida que a Quantum Global estava a gerir temporariamente a carteira de investimentos da nova entidade, até se poder abrir um concurso público para isso.

Algo estava mal explicado. O gestor desligava-se do seu antigo negócio por um lado, desfazendo-se das ações que podiam provar que era dono de um grupo privado, mas mantinha a relação com as empresas e os seus ex-sócios de uma outra forma? Como ter a garantia de que não iria usar testas de ferro para continuar como acionista oculto da Quantum e do Bank Kwanza. Seria mesmo verdade que aquele jovem sensível às “assimetrias” entre os angolanos ricos e os angolanos pobres tinha estofo para guiar o país no futuro?

O primeiro sinal de que as coisas podiam não ser assim tão promissoras de uma nova era com a subida do filho ao poder surgiu numa notícia publicada pelo Expresso logo em junho de 2013, dias depois de ter sido nomeado presidente do Fundo. “Após um prolongado impasse, que se arrastou por mais de 30 meses, a compra de 90% da Escom, empresa do grupo Espírito Santo, deverá estar finalmente concluída nos próximos dias”, dizia a notícia. “O comprador será o Fundo Soberano de Angola, agora presidido por José Filomeno dos Santos, filho do Presidente angolano.”

O dinheiro da reserva destinada a criar novas fontes de receita para o futuro era, afinal, um instrumento para resolver negócios pendentes?

No Governo acreditou-se que o Fundo iria ocupar por direito próprio o espaço que tinha sido até então um território da Sonangol — de onde acabara de sair Manuel Vicente, o peso mais pesado do regime de Angola, ao ter acumulado o poder de gerir a maior empresa pública do país com a diversificação dos ativos da petrolífera fora da esfera do sector energético e dos limites físicos do país. Talvez os ministros adivinhassem o que iria na cabeça de José Eduardo dos Santos. De que era por ali, e não pela Sonangol, que o dinheiro a sério passaria a jorrar. “A saída da Sonangol do negócio [da Escom] corresponde a uma alteração significativa da política de investimentos de Angola”, escrevia o Expresso. “Com a criação do Fundo Soberano, este passa a ser o principal instrumento do Governo para a realização de grandes operações financeiras dentro e fora do país.”

Para aliviar a pressão provocada pelos comentários cada vez mais sonoros de que o pai o tinha colocado como líder do Fundo de modo a abrir-lhe a porta da sucessão, “Zenu” tentou rebater essa ideia na imprensa. “A minha nomeação não tem nada a ver com uma campanha política de espécie alguma”, disse o delfim à Reuters, uma agência de notícias global. Queria que toda a gente o ouvisse. Era por causa do seu currículo que ele estava onde estava. “Passei a maior parte da carreira no sector financeiro, tanto na banca como nos seguros, a fazer avaliações de investimento semelhantes às que estamos a fazer.”

A justificação de que subiu exclusivamente por mérito deu a deixa para o “Financial Times” esmiuçar o assunto. Era provavelmente o mais novo no mundo à frente de um fundo soberano. E não vinha carimbado para o lugar com uma formação nas melhores escolas de gestão, porque Westminster é apenas a 100ª melhor universidade inglesa, num ranking de 127. Tirando a hipótese de ter ido para o cargo por via sanguínea, sobrava então o argumento da experiência profissional. “A biografia do senhor dos Santos diz que antes de ser nomeado para o Fundo Soberano de Angola trabalhou em várias indústrias, incluindo trading, seguros e banca e ‘ocupou cargos’ na Glencore [multinacional anglo-suíça]. Verificou-se que a experiência do senhor dos Santos na Glencore estava relacionada com um estágio através da Sonangol — a petrolífera do Estado angolano — que durou entre três e seis meses no final dos anos 90. Ninguém na Glencore conseguiu confirmar que tivesse tido um emprego lá.”

Para o bem e para o mal, agora era uma figura pública. Tudo poderia ser usado contra si. A rádio Voz da América contava como um amigo de “Zenu” tinha sido detido no sul de França quando viajava de carro, a caminho do Mónaco, com três milhões de euros na bagageira. Ia acompanhado por um funcionário do general Bento Kagamba — o controverso homem de negócios casado com uma sobrinha do Presidente, que o Ministério Público brasileiro investigou por ter montado um esquema com prostitutas de luxo entre São Paulo, Lisboa e Luanda. O amigo disse às autoridades francesas que só 100 mil euros é que eram dele. Segundo o “Maka Angola”, o site de Rafael Marques, o amigo era o principal sócio do filho do Presidente para os negócios imobiliários.

UM FUNDO SEM FUNDO

A compra da Escom tal como tinha sido noticiada não chegou a acontecer, mas o episódio mostrava que talvez “Zenu” fosse facilmente permeável à forma habitual de gerir o dinheiro em Angola. Cedo a realidade se instalou no novo gabinete ocupado pelo jovem gestor de topo. Em novembro de 2013, depois de um primeiro ano em que o Fundo perdeu os primeiros 4,8 milhões de dólares, José Filomeno dos Santos formalizava um contrato com o grupo Quantum Global, “mediante o qual esta entidade deverá atuar como gestor de investimento com relação aos dinheiros e propriedades que lhe sejam designados, de tempos em tempos, pelo FSDEA, todos os investimentos e reinvestimentos feitos com esses dinheiros e propriedades e as receitas dos mesmos e todos os ganhos e lucros dos mesmos resultantes”.

Até hoje, o Fundo Soberano de Angola publicou dois relatórios anuais. Só em 2014, de acordo com o mais recente desses relatórios, divulgado há um ano, José Filomeno decidiu pagar 117 milhões de dólares em contratos feitos com seis consultoras, três delas diretamente relacionadas com o grupo Global Quantum, que cobraram 75 milhões de dólares.

Tirando as companhias facilmente identificadas com a Global Quantum, na lista surge ainda uma Stampa CG, a quem foram pagos 17 milhões. Sem referências na internet, trata-se de uma companhia incorporada no Chipre, em outubro de 2013. E que tem como administrador Jean-Claude Bastos de Morais. Uma outra empresa, a Tomé International AG, que recebeu 20 milhões do Fundo, foi fundada na Suíça em maio de 2012 como consultora especializada em energias alternativas, tendo sido comprada em dezembro de 2013. Nos registos comerciais suíços consta uma mudança de morada em janeiro e 2014. A empresa transferiu-se de cidade, de Baar para Zug, e ficou a 900 metros de distância da Quantum Global. No site oficial da Tomé International, onde passou a vir escrito que a consultora tem experiência em gerir “o desenvolvimento de infraestruturas críticas e de larga escala em todo o mundo” e que esses projetos vão da América do Sul à Europa e a África, nada diz sobre a sua estrutura acionista. Mas nos contactos, além da sede em Zug, também vem um endereço em Luanda, uma caixa postal na rua Comandante Gika. A mesma rua onde fica a sede do banco da Global Quantum.

Nem a consultora de recursos humanos contratada para dar uma ajuda no recrutamento de pessoas para o fundo escapou a esta lógica fechada. A Uniqua Consulting GmbH, que recebeu 5,8 milhões de dólares pela consultoria prestada em 2014, era até fevereiro deste ano propriedade da Quantum Global. Sendo que nos últimos quatro meses passou a ser detida por uma empresa com sede em Chipre, a Varintia Holding Limited. Cujo administrador é Jean-Claude Bastos de Morais.

Todas as seis consultoras contratadas pelo Fundo têm, pois, Jean-Claude por trás. Ou seja, dos 121 milhões de dólares pagos em consultorias, em 2014, 117 milhões foram parar ao amigo e antigo sócio de “Zenu”. Uma outra sociedade da Global Quantum recebeu, além disso, um adiantamento de 7,2 milhões de dólares, a propósito de um contrato assinado em maio de 2014. Eram as duas primeiras prestações para uma consultoria no valor de 11,6 milhões e com a duração de três anos que “visa o desenvolvimento de um modelo econométrico para simulação de aspetos da economia nacional que permita aos economistas especialistas do Fundo compreenderem de forma eficaz os processos fundamentais que afetam a economia nacional”.

Por cima desses valores todos, houve ainda 23 milhões de dólares atribuídos pelo Fundo a uma organização chamada African Innovation Foundation (AIF) “para o financiamento de projetos de cariz social”, sendo que foram pagos 11 milhões à cabeça. “Os acordos de doação celebrados entre as partes preveem a realização de um total de dez projetos no âmbito do Programa de Impacto Social para Angola, o qual será coordenado pela AIF. No âmbito dos acordos de doação celebrados entre as partes, a AIF disponibilizará ao Fundo relatórios de atividades semestrais e anuais sobre cada um dos projetos a desenvolver.” Esses relatórios não estão, no entanto, publicados pelo Fundo. E quem é que está por trás da African Innovation Foundation? Jean-Claude Bastos de Morais.

“Tudo o que sai da cabeça de ‘Zenu’, sai da cabeça de Jean-Claude”, acredita Rafael Marques. O antigo sócio de José Filomeno no Bank Kwanza Invest considera-se, ele próprio, uma “máquina de ideias”, chegando a assumir-se numa entrevista a um jornal suíço como “o cérebro” do Fundo Soberano de Angola, o homem que deu a ideia para que ele fosse criado.

Independentemente de quem foi a ideia, o certo é que num ano, em vez de aumentar de valor, o Fundo perdeu 157 milhões de dólares. Pela pouca informação que existe, até ao final de 2014, o Fundo tinha 2,7 mil milhões aplicados em obrigações e títulos do tesouro, sendo que a maioria desse dinheiro serviu para comprar títulos com maturidades superiores a um ano. Menos de 280 milhões de euros foram jogados na bolsa. Tudo somado, 3 mil milhões de dólares de capital investido deram 15,6 milhões de proveitos. Ou seja, tiveram 0,52% de rentabilidade, apesar de todo o dinheiro extra gasto em consultorias de gestão. E nunca entrou um barril de petróleo a mais que fosse das receitas do Estado desde que o Fundo foi lançado.

Em abril deste ano, os ‘Panana Papers’, a maior fuga de informação de sempre, levaram uma rede africana de centros de jornalismo de investigação, a ANCIR, a publicar no Expresso e noutros jornais um artigo onde se revelava os bastidores das relações entre “Zenu” e Jean-Claude com um ex-diretor da Quantum Gobal e atual diretor do Bank Kwanza, Marcel Krüse, e com Ernst Welteke, administrador de ambas as entidades e ex-presidente do banco central alemão, o Bundesbank, de onde foi forçado a demitir-se. O artigo abordava o pagamento do Fundo de Soberano de Angola numa única transação de 100 milhões de dólares a uma empresa chamada Kijinga, bem como outros pagamentos a companhias em paraísos fiscais criadas pela operadora de offshores Mossack Fonseca, cujos beneficiários finais estão ainda por descobrir. “O sistema estabelecido pelos arquitetos responsáveis pelo FSDEA e o Banco Kwanza é um esquema perfeito”, escrevia o ANCIR. “Há um conselheiro financeiro, uma fonte de fundos, bancos privados e inúmeros beneficiários desconhecidos. As possibilidades de criar atividades ilícitas, especialmente no que toca a capital político, são tão ilimitadas quanto as formas de as levar a cabo.”

O cenário promissor anunciado em 2012 não está a acontecer. Jean-Claude parece ser apenas o mais visível dos calcanhares de Aquiles que o filho varão do Presidente tem vindo a colecionar. Somam-se as suspeitas de testas de ferro. O amigo Jorge Gaudens Sebastião comprou 49% do Standard Bank alegadamente em seu nome, além de o representar de forma não assumida como investidor no complexo de edifícios que está a ser construído na ilha da Chicala. Joaquim Sebastião, antigo diretor do Instituto Nacional de Estradas (INEA) e atual presidente do Benfica de Luanda, é um dos outros nomes de que se fala. Consta que foi a algumas empresas fictícias de “Zedu” que terá entregue mais de 200 milhões de dólares em empreitadas sobrefaturadas.

Armando Manuel, que assumiu a pasta das Finanças em 2012 porque “Zenu” assim o quis, segundo uma fonte do palácio presidencial, tornou-se entretanto um dos seus mais fiéis aliados. Com Óscar Tito Fernandes, outro jovem empresário, formam um trio com várias ramificações empresariais. A amizade com o ministro terá estado na origem de um negócio que está a provocar uma onda de indignação pública.

O caso envolve a compra pelo Estado de um edifício de 35 andares por 115 milhões de dólares, apesar de o seu custo total ter sido de 40 milhões, segundo dados públicos da Mota-Engil, a construtora da obra. A 12 de setembro de 2014, José Eduardo dos Santos instruiu o ministro das Finanças que procedesse à aquisição do edifício através de um contrato de compra e venda entre o Governo e a Imob Angola — Empreendimentos Imobiliários, Lda., uma empresa detida em 45% por Maíra Isungi Campos Costa dos Santos, mulher de José Filomeno dos Santos, e em 10% por Óscar Tito Fernandes. Os restantes 45% pertenciam ao brasileiro Valdomiro Minoro, mas foram vendidos à Incasa, propriedade, em partes iguais, de Óscar Tito Fernandes e do brasileiro António Perruci Alves.

Dez dias depois da compra do prédio pelo Ministério das Finanças, a titularidade da Imob Angola passaria para as mãos de uma empresa-fantasma, a Bertoli Investment Participações, cujas sócias — Maria Isabel João e Domingas Zanda Muenho — são duas figuras desconhecidas registadas no notariado sem que os seus endereços estejam completos.

O tapete vermelho estendido a José Filomeno tem vindo a transformar-se, aparentemente, numa armadilha. Em Luanda, pessoas que têm acompanhado de perto o drama da sucessão de José Eduardo admitem como pouco provável a hipótese de ser “Zenu” a suceder-lhe. Não necessariamente por causa dos rumores de se ter envolvido em desvios do dinheiro do Estado. “Na verdade, não revela inclinação para a coisa, é muito inseguro e o pai não parece dar mostras de lhe depositar confiança para o substituir”, admite uma fonte da família.

“Zenu” sabe que, se quiser sobreviver, terá de ir mais longe do que já foi e entrar diretamente na política. “Não há futuro empresarial para os nossos príncipes, sem cobertura política” — confessa Jeremias Félix, um informático, militante do MPLA, desencantando com a atual liderança de Eduardo dos Santos. Mas para isso é preciso que José Filomeno chegue a tempo. A combinação dos dados, outrora propícia, mudou.

O pai já confirmou que vai fazer o que tinha dito que não ia fazer, recandidatando-se a Presidente nas eleições gerais de 2017, quando completar 75 anos, na esperança de aguentar as pontas do regime enquanto Angola não recuperar um pouco da grave crise financeira e económica que está a assolar o país. E a única irmã que lhe podia fazer sombra acabou de assumir a administração da Sonangol, num anúncio inesperado feito em maio e que pôs fim à teoria de que Isabel dos Santos nunca iria ocupar cargos públicos. “Zenu”, que tinha tudo para ser ele o sucessor, tem agora tudo para não o ser.

Micael Pereira | Expresso | com Gustavo Costa em Luanda

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 9 junho 2016

"Democratização acidental" em Angola?


Líderes diferentes na presidência de Angola e no MPLA acidentalmente propiciam a revitalização da democracia no país, diz Albano Pedro. Por isso, o constitucionalista defende que João Lourenço não deve comandar o MPLA.

Enquanto João Lourenço, que completa esta segunda-feira (26.03) seis meses na presidência de Angola, e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, se esforçam por esclarecer que há coesão e união no partido, as querelas entre os membros do MPLA que vêm a público demonstram exatamente o contrário.

Há correntes que entendem que a saída de José Eduardo dos Santos (JES) da liderança do MPLA iria diluir essa má impressão, até porque o também ex-Presidente do país já deu tudo o que tinha a dar. Por outro lado; JES prometeu que abandonaria a vida política este ano, mas muito recentemente, num encontro do MPLA, sugeriu um certo adiamento.

O sociólogo angolano Paulo de Carvalho lembra que, até aqui, "JES tem mandato à frente do MPLA, portanto não se trata dele querer continuar, mas trata-se dele pretender cumprir o seu mandato."

"Este assunto não diz respeito aos angolanos, propriamente, mas sim aos militantes do MPLA. Os partidos políticos são dos seus militantes. E esta questão diz respeito aos militantes do MPLA", considera ainda Paulo de Carvalho.

Promessa pública exigível do ponto de vista legal

Mas há correntes que não veem a situação de igual modo. Por exemplo o constitucionalista angolano Albano Pedro lembra que "há o problema de ele ter feito uma promessa e aqui há aspetos jurídicos importantes. Ele fez uma promessa pública, as promessas públicas do ponto de vista legal são exigiveis e, portanto, podem ser exigidas judicialmente."

Albano Pedro esclarece ainda que "ele poderá ser acionado junto do tribunal para que cumpra essa promessa, porque foi uma promessa pública que é exigível pelos militantes. Ele prometeu-lhes que abandonaria a vida política em 2018 e isso ficou claro. E, portanto, aqui está um aspeto de responsabilização jurídica que impende sobre a figura do Presidente da República."

Em quase 43 anos de independência, o Presidente da República sempre acumulou também a função de líder do partido, o MPLA. Essa prática que temporariamente está a ser quebrada levanta suspeitas de existência de dois centros de poder no país, um do atual Presidente João Lourenço e outro de José Eduardo dos Santos, que ainda não largou a liderença do MPLA.

João Lourenço não deve assumir liderança do MPLA

Enquanto muitos são a favor da unicidade de poderes, outros defendem justamente o contrário, como o constitucionalista Albano Pedro. "Seria bom que este processo de democratização acidental - acidental porque José Eduardo dos Santos nunca foi  um estadista com interesse efetivo de avançar para qualquer processo democrático e, aliás, foi ele que disse muitas vezes 'a democracia nao enche barriga' - deve culminar com o impedimento de João Lourenço de assumir as funções de líder do partido MPLA acumulando com a chefia do Estado", lembra.

"Se conseguirmos esse impedimento faremos com que mais facilmente se despartidarize os serviços públicos e por conseguinte mais facilmente se consiga combater a corrupção, porque a corrupção é fundamentalmente relacionada com a promiscuidade que existe entre o património do partido e o património do Estado", defende o constitucionalista.

Albano Pedro recorda que "foi sempre assim desde 1975, e portanto é preciso por fim a isso". E o constitucionalista conclui: "E se João Lourenço diz que quer combater a corrupção, isso passa por cortar a relação entre o partido e o Estado e isso significa que ele deve por de parte a hipótese de ser presidente do partido acumulando as funções simultâneas de chefe de Estado."

"Fantasma" de JES não tem lugar na nova era

Se por um lado para a democracia essa diferenciação de poderes pode representar um avanço, por outro existe um passado "tóxico" de governação da era de JES cujos os fantasmas não são desejados de forma alguma.

O sociólogo Paulo de Carvalho questiona: "Será que a manutenção de José Eduardo dos Santos a frente do MPLA é vantajosa para o rumo que Angola começou a tomar a partir de setembro passado com o novo Presidente João Lourenço?"

Carvalho pensa que não, "porque é possível haver interferências que poderão por em causa a recuperação económica, porque se Angola está praticamente na bancarrota, sem reservas alguém é responsável por isso. Então, alguém tem de assumir essa responsabilidade."

Nádia Issufo | Deutsche Welle

Cabo Verde quer que morna seja Património Cultural Imaterial da UNESCO


Governo cabo-verdiano entregou esta segunda-feira (26.03) a candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade. Resultado só será conhecido em dezembro 2019.

Internacionalizada pela voz de Cesária Évora, a morna é um dos mais antigos géneros musicais cabo-verdianos. Para o investigador César Monteiro,  que conta já várias publicações sobre cultura e música cabo-verdianas, é um símbolo de unidade nacional.

 "A morna é um fator de unidade nacional e um elo entre os cabo-verdianos residentes em Cabo Verde e as comunidades emigradas e, ao mesmo tempo, um fator de comunicação. A morna é a expressão da alma cabo-verdiana", descreve. 
     
O dossier de candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade foi entregue esta segunda-feira, na UNESCO e custou 150 000 euros ao Governo. São cerca de 6.000 páginas, fotografias, um filme de 10 minutos sobre este género musical e ainda manifestações de apoio de mais de 600 pessoas. É o produto de cinco anos de intenso trabalho coordenado pela historiadora Sandra Mascarenhas, que espera por um resultado favorável.

"Eu  creio que nós conseguimos ao longo desse tempo de trabalho fazer uma candidatura que ambicionamos ser ganhadora. Tecnicamente, responde a todos os requisitos que a UNESCO nos pede, neste momento".

Em entrevista à Rádio de Cabo Verde, a historiadora destaca como pontos fortes desta candidatura a valorização linguística do crioulo e a sua importância sócio-cultural no quotidiano de cidadãos de Cabo Verde.

 "Há um terceiro fator que também foi utilizado aquando da candidatura da Cidade Velha a Património Mundial e foi fundamental na classificação que é o facto de ser algo que nasce aqui no Atlântico da inter-penetração cultural de vários povos", acrescenta ainda Sandra Mascarenhas.

Por estas riquezas e pela qualidade técnica do dossier, também Abraão Vicente, ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, acredita que estão reunidas todas as condições para que a morna seja reconhecida como Património Imaterial da Humanidade.

 "Eu estou convencido que temos todas as condições para tal. Não sou expert da UNESCO, mas pela qualidade técnica do trabalho desenvolvido quer pelo Instituto de Património Cultural (IPC) quer pela equipa técnica, eu creio que temos todas as possibilidades de ter uma candidatura de sucesso".

Promover a morna dentro e fora do país

Agora que a candidatura foi entregue, começa uma outra fase que durará cerca de dois anos, pois os resultados só serão conhecidos em dezembro 2019. A estratégia passa por envolver toda a nação a fazer lobby por Cabo Verde, a começar pelo Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, e realçar junto da UNESCO a importância desta iniciativa para a nação cabo-verdiana.

 "A minha proposta de agenda pós entrega nesta segunda-feira é que ponhamos o próprio Presidente da República envolvido defendendo na UNESCO a candidatura da morna, ponhamos o Primeiro-ministro, o ministro dos Negócios Estrangeiros e toda a diplomacia cabo-verdiana, porque esta não é uma causa deste Governo, nós herdamos a ideia da morna a Património Imaterial da Humanidade mas não herdamos o dossier", explica o ministro.

Para já, a nível interno a morna já tem o seu dia nacional. No passado mês de fevereiro, o Parlamento cabo-verdiano aprovou, por unanimidade, a data de 03 de dezembro como Dia Nacional da Morna, dia em que nasceu Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por B. Léza (1905 - 1958), considerado um dos maiores compositores deste género musical e com uma influência inquestionável nas gerações futuras.

Este Dia Nacional da Morna visa homenagear todos os outros compositores, músicos e intérpretes, exaltar e reconhecer a sua importância e chamar atenção da sociedade cabo-verdiana para a necessidade de valorização do género musical. Se a distinção da UNESCO for alcançada, será outro grande passo para a morna.

Nélio dos Santos (Praia) | Deutsche Welle

DEMOCRACIA DE FACHADA | Eleições presidenciais no Egito para reeleger Al-Sisi


Cerca de 59 milhões de egípcios são chamados às urnas, entre segunda e quarta-feira. Sem rivais de peso após purga seletiva, a vitória de Abdel Fatah al-Sisi, o mentor do golpe de 2013, está praticamente garantida.

As assembleias de voto abriram esta manhã para as eleições presidenciais, tendo o vencedor anunciado, o Presidente Abdel Fatah al-Sisi, votado no bairro de Masr al Yadida, no Cairo, antes do restantes eleitores.

Levantam-se dúvidas sobre a natureza democrática desta eleição. "Falta o fator da concorrência nestas presidenciais", lembra Emad Aldin Hussain, editor-chefe do jornal egípcio Shorouk. "O principal rival do Presidente cessante não tem um peso político real e, além disso, declarou-se a favor de Al-Sisi uma semana antes de apresentar a sua própria candidatura. Por isso, muitos acreditam que o resultado já é conhecido e que o Presidente Al-Sisi vai vencer", explica.

Moussa Mostafa Moussa, o único candidato que não se retirou da corrida ou não foi detido, é um fervoroso adepto do Presidente e optou por uma campanha discreta. No final, acabou por reconhecer que se apresentou para que o escrutínio não se assemelhe a um referendo.

Todos os candidatos da oposição abandonaram a corrida eleitoral ou foram forçados a fazê-lo. O general Sami Anan, alvo de uma acção judicial, foi impedido de participar por se ter envolvido na campanha "sem a autorização das Forças Armadas".

O ex-primeiro-ministro Ahmed Shafik renunciou também à sua candidatura. Depois de ter sido conduzido a um hotel no Cairo quando regressava dos Emirados Árabes Unidos, onde estava exilado, o antigo comandante da Força Aérea egípcia foi autorizado a abandonar o edifício apenas depois de desistir da candidatura no início de janeiro, permanecendo na prática em prisão domiciliária. Outros quatro candidatos abandonaram a corrida por falta de mobilização.

Um vazio que beneficia Al-Sisi, mesmo com a popularidade em baixa devido à repressão da oposição e as duras medidas económicas sob pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), que levaram à subida dos preços. No Ocidente, o ex-marechal é visto como um garante da estabilidade.

Sem mudanças

O Presidente, de 63 anos, tenta também conquistar o apoio feminino. O actual Governo conta com seis ministras. E no plano religioso, Abdel Fatah Al-Sisi evita tomar uma posição radical contra o Islão. Acima de tudo, cultiva uma imagem de "menos conversa, mais ação". "Eu não sou um político que só fala, nunca o fiz. Estamos a construir o país, mas não com palavras", declarou.

Para o diretor do jornal egípcio Shorouk, a reeleição de Al-Sisi não trará grandes mudanças. "Significa que ele vai continuar a sua política, não vai mudar muito - em particular, na questão da abertura económica. E a nível político também não se espera uma abertura nos próximos quatro anos", prevê Emad Aldin Hussain.

"A avaliação depende da perspetiva: para os apoiantes de Al-Sisi, ele preservou a estabilidade e evitou a guerra civil. Os seus adversários dizem que as políticas económicas aumentaram a pobreza",lembra.

Nas eleições de 2014, o Presidente cessante obteve 97% dos votos, com uma taxa de participação de 47,5% segundo os números oficiais, muito contestados pela oposição. Entre esta segunda e quarta-feira (28.03), com a eleição praticamente decidida, a principal preocupação do Governo do Cairo consiste em garantir uma razoável taxa de participação para legitimar a reeleição de al-Sisi.

"Democracia de fachada"

"O atual sistema político no Egipto é considerado uma democracia de fachada. A preparação das eleições teve como principal objetivo garantir uma vitória esmagadora de Al-Sisi. E não há dúvidas de que vai sair vencedor", considera Günter Meyer, diretor do Centro de Estudos sobre o Mundo Árabe da Universidade de Mainz, na Alemanha.

A questão que se coloca é a da participação. "Em 2014, foi preciso um dia extra porque a participação foi demasiado baixa nos primeiros dois dias de eleições. Agora espera-se uma participação ainda mais baixa", acrescenta.

Entretanto, as embaixadas espanhola e britânica e a delegação da União Europeia (UE) no Cairo emitiram alertas acerca do perigo de ataques terroristas por ocasião das eleições presidenciais. No sábado (24.03), duas pessoas, entre elas um polícia, morreram na explosão de um carro-bomba em Alexandria.

O primeiro-ministro do Egito, Xerife Ismail, já garantiu que o atentado não vai desencorajar a participação dos egípcios no "processo democrático".

Abdel Fatah Al-Sisi prometeu não ir além dos dois mandatos constitucionais. Se assim for, será uma estreia no Egito moderno. Os cinco predecessores de Al-Sisi foram demitidos, morreram no cargo devido a causas naturais ou foram assassinados.

mjp, Fréjus Quénum, Bachir Amroune, Agência Lusa | em Deutsche Welle

Tratamento desumano de prisioneiros políticos saharauis em greve de fome


Sidi Abdallahi Abbahah, Abdallahi Lakfawni, El Bachir Boutanguiza e Mohamed Bourial, prisioneiros políticos saharauis do grupo Gdeim Izik, detidos na prisão de Kenitra, em greve de fome e isolamento desde 9 de Março, continuam os seus protestos apesar de toda a pressão.

Depois de várias queixas enviadas pela sua advogada francesa Olfa Ouled, às autoridades judiciais marroquinas, pedindo uma investigação do tratamento desumano a que os prisioneiros são submetidos devido ao isolamento, o estado de saúde dos detidos continua a ser preocupante.

A 21 de Março dois advogados da equipe de defesa visitaram os prisioneiros que estavam muito debilitados.

Deve sublinhar-se que a lei marroquina apenas autoriza o isolamento por motivos de segurança ou de precaução o que não se aplica aos prisioneiros de Gdeim Izik.

Os prisioneiros políticos estão em greve de fome desde 9 de março exigindo que as autoridades marroquinas melhorem as suas condições de detenção, transferindo-os para mais perto das suas famílias.

A única resposta das autoridades marroquinas a estas exigências até agora é o confinamento indeterminado dos prisioneiros que é proibido pelas Regras de Mandela. Essas regras padrão da ONU proíbem o confinamento solitário prolongado que é considerado tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante.

Até agora, as autoridades marroquinas não responderam ao último pedido enviado pela advogada Ouled na semana passada para abrir uma investigação urgente do tratamento desumano a que são sujeitos estes prisioneiros.

Esta situação demonstra, além disso, que a tortura dos prisioneiros políticos ainda está em curso e que nem as próprias autoridades nem os mecanismos para impedir a tortura são eficazes quando se trata de prisioneiros saharauis.

Ayúdanos a difundir: porunsaharalibre

Conselho de Direitos Humanos da ONU condena Israel


O embargo da venda de armas a Israel é um das resoluções da 37.ª sessão

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas adoptou quatro resoluções que condenam Israel e a ocupação ilegal da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Montes Golã, e as violações dos direitos humanos dos palestinianos.

Foi no âmbito da 37.ª sessão realizada entre os dias 26 de Fevereiro e 23 de Março, em Genebra, na Suíça, que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (NU) tomou um conjunto de medidas acerca de Israel, entre as quais um embargo da venda de armas a Israel.

Num comunicado, o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) indica que o apelo à comunidade internacional faz eco de campanhas internacionais a favor de um embargo da venda de armas a Israel desde o seu último ataque contra a Faixa de Gaza, em 2014. 

Outras resoluções apelam a que Israel se retire dos Montes Golã ocupados, tomados à Síria após a guerra de 1967, suspenda a construção de colonatos na Cisjordânia e regresse às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias. A última resolução condena Israel pelas violações dos direitos humanos dos palestinianos que vivem sob a ocupação.

«Embora as resoluções sejam sobretudo simbólicas, já que a ONU não possui um mecanismo para impor a sua aplicação, representam um revés diplomático para Israel e o seu principal aliado, os Estados Unidos», atenta o MPPM. 

Já a embaixadora dos EUA nas NU, Nikki Haley, aproveitou a oportunidade para acusar o conselho de «enviesamento» contra Israel e ameaçar a retirada do seu país desta instituição. 

O MPPM denuncia ainda o facto de Israel ter intensificado a colonização e as medidas visando a anexação dos territórios palestinos, «encorajado pelo apoio dos EUA e, em particular, pela decisão do presidente Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel e de para aí transferir a embaixada dos EUA».

O movimento cita o membro do Comité Executivo da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Hanan Ashrawi, que reconhece que, apesar da pressão e das ameaças do governo dos EUA e de Israel, «a maioria dos membros manteve-se firme».

«Ao adoptar essas quatro resoluções, o Conselho reafirmou o direito do nosso povo à independência e a um Estado soberano nas fronteiras de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital», sublinha Hanan Ashrawi. 

AbrilAbril

Imagem: A parte oriental de Jerusalém, ocupada por Israel em 1967, é considerada «território ocupado» pelo direito internacionalCréditosMohammed Saber/EPA / Agência Lusa

A política estrangeira do Presidente Macron


Thierry Meyssan*

Segundo o Presidente Macron, «A França está de volta» («France is back» - em inglês no texto). Ela pensaria jogar um papel internacional de novo, após dez anos de ausência. No entanto, Emmanuel Macron jamais explicou que política pensa fazer. Retomando elementos que já desenvolveu nestas colunas e recolocando-os, ao mesmo tempo, tanto no contexto europeu como no da História desse país, Thierry Meyssan analisa a viragem que acaba de ser iniciada.

Quando Emmanuel Macron se apresentou como candidato à presidência da República Francesa, ignorava tudo a propósito de Relações Internacionais. O seu mentor, o Chefe da Inspeção-geral de Finanças (um corpo de 300 altos-funcionários), Jean-Pierre Jouyet, deu-lhe uma formação acelerada.

O prestígio da França havia sido consideravelmente diminuído pelos dois presidentes precedentes, Nicolas Sarkozy e François Hollande. Devido à sua falta de prioridades e às suas inúmeras reviravoltas, a posição Francesa era percebida na actualidade como «inconsistente». Assim, ele iniciou o seu mandato encontrando-se com o maior número de Chefes de Estado e de Governo, mostrando que a França se reposicionava como uma potência mediadora, capaz de falar com todos.

Após os apertos de mão e os convites para banquetes oficiais, precisava de dar um conteúdo à sua política. Jean-Pierre Jouyet [1] propôs-lhe ficar no campo atlântico, apostando tudo nos Democratas norte-americanos que, segundo ele, deveriam regressar à Casa Branca talvez mesmo antes das eleições de 2020. Na altura em que os Britânicos deixam a União Europeia, a França estreitaria a sua aliança com Londres fortemente continuando ao mesmo tempo a manter relações com Berlim. A União deveria ser recentrada na governança do euro. Ela colocaria um termo ao livre-comércio com os parceiros que não o respeitam e criaria grandes empresas na Internet capazes de rivalizar com as da GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon). Deveria igualmente dotar-se de uma defesa comum contra o terrorismo. Junto com os seus aliados, ela deveria envolver-se na luta contra a influência russa. Finalmente, a França prosseguiria a sua acção militar no Sahel e no Levante.

Em Setembro de 2017, Jean-Pierre Jouyet foi nomeado embaixador da França em Londres. Em Janeiro de 2018, a França e o Reino Unido relançavam a sua cooperação diplomática e militar [2]. Ainda em Janeiro, os dois Estados formavam uma instância secreta, o «Pequeno Grupo», para relançar a colonização franco-britânica do Levante [3].

Esta política, que jamais foi abordada em público, ignora tanto a história da França como a demanda alemã para desempenhar um papel político internacional mais importante. A quarta maior economia do mundo é, com efeito, setenta anos após a sua derrota, ainda mantida num papel secundário [4].

No que diz respeito ao mundo árabe, o Presidente Macron enarca e antigo empregado da Rothschild & Cie adoptaram o ponto de vista dos seus dois consultores na matéria: o franco-tunisino Hakim El Karoui um outro ex-Rothschild & Cie para o Magrebe e do antigo embaixador em Damasco, Michel Duclos também um enarca para o Levante. El Karoui não é um produto da integração republicana, antes da alta burguesia transnacional. Ele alterna entre um discurso republicano, no plano internacional, e um outro comunitário no plano interno. Duclos é um autêntico neo-conservador, formado nos Estados Unidos de George W. Bush por Jean-David Levitte [5].

Ora, El Karoui nunca compreendeu que os Irmãos Muçulmanos são um instrumento do MI6 britânico, e Duclos que Londres nunca digeriu os acordos Sykes-Picot-Sazonov que lhe fizeram perder metade do seu império no Médio Oriente [6]. Os dois homens não vêem, pois, qualquer problema na nova «entente cordial» com Theresa May.

Ora, pode-se desde já verificar certas incoerências desta política. Em aplicação das decisões do «Pequeno Grupo», a França retomou o hábito da equipa do Presidente Hollande de repassar à ONU as posições dos seus empregados da oposição síria (os que se reivindicam da bandeira do mandato francês sobre a Síria [7]). Mas os tempos mudaram. A carta do actual presidente da «Comissão síria de negociação», Nasr al-Hariri, transmitida em nome da França ao Conselho de Segurança, difama não apenas a Síria mas também a Rússia [8]. Ela acusa uma das duas principais potências militares do mundo [9] de perpetrar crimes contra a Humanidade, o que viola a posição «de mediação» de um membro permanente do Conselho. Se Moscovo preferiu ignorar esta linguagem inconveniente, Damasco respondeu-lhe com rispidez [10].

Em suma, a política de Emmanuel Macron não difere muito da de Nicolas Sarkozy e de François Hollande mesmo se, devido à presença de Donald Trump na Casa Branca, ela se apoia mais no Reino Unido do que nos Estados Unidos. O Eliseu prossegue com a ideia de uma recuperação económica das suas multinacionais não em França, mas às custas do seu antigo Império colonial. Trata-se das mesmas escolhas que as do socialista Guy Mollet, um dos fundadores do Grupo de Bilderberg [11]. Em 1956, o Presidente do Conselho francês fez aliança com Londres e Telavive para conservar as suas acções no Canal do Suez nacionalizadas pelo Presidente Gamal Abdel Nasser. Ele propôs ao seu homólogo britânico, Anthony Eden, que a França integrasse a Commonwealth, que ela prestasse vassalagem à Coroa e que os Franceses adoptassem o mesmo estatuto de cidadania que os Irlandeses do Norte. [12]. Este projecto de abandono da República e de integração da França no seio do Reino Unido sob a autoridade da Rainha Isabel II jamais foi publicamente discutido.

Pouco importam o ideal de igualdade de direitos, expressa em 1789, e a rejeição do colonialismo expresso pelo Povo francês face ao golpe de Estado abortado de 1961 [13], aos olhos do Poder, a política estrangeira não deriva da democracia.

*Thierry Meyssan | Voltaire.net.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “Da Fundação Saint-Simon a Emmanuel Macron”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Abril de 2017.
[2] “A «Entente cordial» Franco-britânica”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 30 de Janeiro de 2018.
[3] « Syrieleaks : un câble diplomatique britannique dévoile la "stratégie occidentale" » («Sirialeaks :um telegrama diplomático britânico revela a “estratégia ocidental”»- ndT), par Richard Labévière, Observatoire géostratégique, Proche&Moyen-Orient.ch, 17 février 2018.
[4] É igualmente o caso do Japão.
[5] Jean-David Levitte, aliás «Diplomator», foi representante permanente da França nas Nações Unidas em Nova Iorque (2000-02), depois embaixador em Washington (2002-07).
[6] De um ponto de vista britânico, os acordos Sykes-Picot-Sazonov, de 1916, não são uma partilha equitativa do mundo entre os três impérios, mais uma concessão do Reino-Unido para se assegurar do apoio da França e da Rússia (Tripla Entente) contra o Reich alemão, a Austria-Hungria e a Itália (Triplice).
[7] « La France à la recherche de son ancien mandat en Syrie », par Sarkis Tsaturyan, Traduction Avic, Oriental Review (Russie), Réseau Voltaire, 6 octobre 2015. Em 1932, a França outorga à Síria, sob protectorado, uma nova bandeira. Ela era composta de três faixas horizontais representando as dinastias Fatímidas (verde), Omíadas (branco) e Abássidas (negro), símbolos dos muçulmanos xiitas quanto à primeira e sunitas quanto às duas seguintes. As três estrelas vermelhas representam as três minorias cristã, drusa e alauíta. Esta bandeira permanecerá em vigor no início da República Árabe Síria e regressará, em 2011, com o Exército Sírio Livre.
[8] « Accusation de la Syrie et de la Russie par la France », par François Delattre, Réseau Voltaire, 9 février 2018.
[9] “O novo arsenal nuclear russo restabelece a bipolaridade do mundo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Março de 2018.
[10] « Réponse de la Syrie à la France », par Bachar Ja’afari, Réseau Voltaire, 28 février 2018.
[11] “O que Você ignora sobre o Grupo de Bilderberg”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Komsomolskaïa Pravda (Rússia) , Rede Voltaire, 23 de Setembro de 2012.
[12] “When Britain and France nearly married” («Quando a Grã-Bretanha e a França quase se uniram»- ndT), Mike Thomson, BBC, January 15, 2007. «Frangland? UK documents say France proposed a union with Britain in 1950s : LONDON : Would France have been better off under Queen Elizabeth II ? », Associated Press, January 15, 2007.
Guy Mollet não retomava nisto a proposta de União franco-britânica, formulada por Winston Churchill e Anthony Eden em 1940, de fusão provisória das duas nações após a derrota francesa na luta face ao Reich nazi. Ele inspirava-se, de facto, no contexto da crise do Suez e na esperança de salvar o Império francês, na proposta de Ernest Bevin, onze anos antes, de criar um terceiro bloco face aos EUA e à URSS, juntando os impérios britânico, francês e neerlandês no seio de uma União Ocidental. Este projecto foi abandonado por Londres em favor da CECA (antecessora da União Europeia), no plano económico, e da OTAN no plano militar.
[13] Em 1961, um Golpe de Estado militar, organizado nos bastidores pela OTAN, tentou derrubar o General-presidente Charles De Gaulle e manter a política colonial francesa. Maciçamente, os Franceses recusaram apoiá-lo. « Quand le stay-behind voulait remplacer De Gaulle » («Quando o stay-behind queria substituir de Gaulle»- ndT), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 10 septembre 2001

EFEMÉRIDE | 26 de Março de 1871: A Comuna de Paris


Em 26 de março de 1871 eclodiu a insurreição conhecida como Comuna de Paris, com a instituição de uma ditadura proletária, esmagada por tropas francesas conservadoras e estrangeiras em maio do mesmo ano.

O tiro de partida para a insurreição havia sido dado um mês antes, quando manifestantes de esquerda haviam capturado 200 canhões da Guarda Nacional. Há exatamente oito dias, o governo conservador tentava em vão retomar as armas e, depois do fiasco e de forma totalmente inesperada, se retirou para Versalhes em 18 de março.

Foram várias as razões para a insurreição de Paris. A França havia perdido uma guerra para a Alemanha. Os termos da paz proposta pelos prussianos foram rejeitados pelo socialista Louis Blanc e o anarquista Joseph Proudhon. Quando o resto do país já havia capitulado, Paris manteve a resistência.

Revolta espontânea

As tropas prussianas mantiveram a cidade sitiada durante meses. As privações consequentes do cerco custaram a vida de milhares de pessoas. Mesmo depois da capitulação, em janeiro de 1871, o drama social dos parisienses era grande, pois o gabinete conservador nacional governava à revelia das necessidades da população de Paris. Tudo isso gerou uma revolta espontânea contra o governo em março de 1871.

Após a retirada do governo de Paris para Versalhes, os revolucionários vitoriosos deliberaram sobre novas medidas. Alguns queriam marchar imediatamente para Versalhes e prender o governo antigo. Mas a maior parte dos insurgentes não tinha ambições de longo alcance. Eles queriam simplesmente autonomia política local. Quer dizer, desejavam um governo de maioria de esquerda conquistado em eleição e com isso se tornarem independentes do governo nacional conservador. Por isso, o Comitê Central convocou uma eleição municipal para 26 de março de 1871.

Atender necessidades do proletariado

O resultado da eleição foi o desejado pela esquerda. Em 28 de março entrou para a comuna uma mistura de jacobinos, anarquistas e socialistas, que se denominou "A Comuna". Em seus dois meses de governo, ela aprovou uma série de leis. As principais visavam atender as necessidades mais prementes do proletariado parisiense.

Entre as mais profundas destacaram-se a separação entre o Estado e a Igreja, o fim dos privilégios dos nobres, a autonomia do governo de Paris e a famigerada "lei do refém", que ameaçava com a pena de morte aquele que cooperasse com o governo antigo.

A experiência da Comuna de Paris chegou ao fim com uma semana sangrenta, após dois meses caóticos que se seguiram ao começo entusiástico. As tropas do governo que se encontrava em Versalhes conquistaram a cidade de volta depois de batalhas sangrentas. A Comuna de Paris matou cerca de 500 presos, principalmente policiais e clérigos, inclusive o arcebispo da cidade.

Começou uma cruzada sangrenta de vingança depois da tomada de Paris pelas tropas governamentais. Eram executados todos os que faziam parte da Comuna de Paris ou pareciam ser simpatizantes. Historiadores calculam que as tropas governamentais mataram de 20 mil a 25 mil pessoas depois de conquistar a capital.

Rachel Gessat (ef) | Deutsche Welle

Imagem: Ruínas do Hotel de Ville, sede da Comuna

CATALUNHA | Milhares protestam contra detenção de Puigdemont


Cerca de 55 mil pessoas foram às ruas em Barcelona pedir a libertação de líder separatista catalão que foi detido na Alemanha. Confronto entre polícia e grupo de manifestantes deixa ao menos 50 feridos.

Milhares de pessoas protestaram neste domingo (25/03) em Barcelona contra a detenção do ex-chefe de governo da Catalunha Carles Puigdemont, foragido da Justiça espanhola. O líder catalão foi detido na Alemanha, quando ele tentava atravessar de carro a fronteira a partir da Dinamarca.

Um grupo de manifestantes se reuniu em frente a um edifício da Comissão Europeia na capital catalã. De lá, eles marcharam até o consulado da Alemanha.

Os manifestantes exigiam a libertação de Puigdemont e de outros cincos políticos separatistas que foram presos na sexta-feira por ordem do Supremo Tribunal.

"Esta Europa é vergonhosa", gritavam em frente ao edifício da Comissão Europeia. Alguns dos presentes levavam ainda cartazes e repetiam o slogan "Puigdemont, nosso presidente".

Outros manifestantes se reuniram em frente ao prédio da delegação do governo da Espanha. Um grupo entrou em confronto com a polícia ao tentar furar o cordão policial no entorno da região.

Manifestantes jogaram garrafas de vidro, ovos e outros objetos nos policiais, que responderam com violência. Na confusão, ao menos 50 pessoas ficaram levemente feridas, incluindo três agentes de segurança. Três pessoas foram detidas.

Segundo autoridades catalãs, ambos os protestos reuniram 55 mil pessoas. Os atos foram convocados pelos chamados Comitês de Defesa da República catalã (CDR) e pela Assembleia Nacional da Catalunha (ANC).

Grupos que defendem a independência da região bloquearam ainda várias estradas na Catalunha ou atrapalham a circulação de veículos.

Em Girona, cidade da qual Puigdemont foi prefeito, os manifestantes pintaram de amarelo a fachada da subdelegação do governo central e retiraram a bandeira da Espanha. O amarelo é a cor usada pelos separatistas para pedir a liberdade dos líderes presos.

Prisão na Alemanha

Puigdemont foi detido neste domingo na Alemanha. O motivo da prisão é uma ordem europeia emitida pela Justiça espanhola contra o político. Ele é processado em seu país pelos crimes de rebelião e malversação de fundos públicos em relação ao processo de independência iniciado na Catalunha em 2017.

A Justiça alemã decidirá na segunda-feira se Puigdemont permanecerá sob custódia da polícia enquanto aguarda o resultado do processo de extradição. Se retornar à Espanha, ele pode enfrentar até 25 anos de prisão.

Puigdemont deixou a Espanha para um autoexílio na Bélgica no ano passado, pouco depois de o Parlamento catalão fazer uma declaração simbólica de independência da Espanha.

CN/efe/ap/lusa/afp | em Deutsche Welle

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