sábado, 29 de setembro de 2018

Cavaco Silva, o pedregulho em que Portugal tropeçou durante duas décadas


Hélder Semedo* | opinião

Não bastava Salazar ter permanecido como condutor de rédeas curtas e opressoras durante cerca de quatro décadas nos rumos de Portugal, um fascista “orgulhosamente só”, para depois da liberdade e democracia conquistadas em 25 de Abril de 1974, surgir um seu igual, eterno provinciano tacanho e magano, que vindo das passas, dos figos, das gasolinas e das amêndoas algarvias, se alapou na chefia do PSD e posteriormente na condução dos destinos autoritários e neoliberalistas, muitas vezes fascizantes, com que ilustrou o seu percurso e ações políticas enquanto primeiro-ministro e/ou presidente da República.

Cavaco fez regredir e travou o progresso de Portugal, lidou com a pobreza e outras injustiças sociais com dedicado desprezo, fez enriquecer amigos e familiares e granjeou o epíteto de “senhor do quem dá mais mas não me comprometam”. A borrar a sua pretensiosa e propalada honestidade e impecabilidade na lide dos interesses do Estado e de todos os portugueses restaram, restam, uns quantos amigos e casos obscuros (alguns até muito negros) em envolvências criminosas e/ou suspeitas disso, sendo, talvez, mais flagrante o do “homem do BPN e Cª”, Oliveira e Costa – amigo do peito de Cavaco. Não sendo de excluir o caso de um outro seu fiel companheiro de partido, de governação e de amizades, Dias Loureiro, que viu processo de indícios de crime arquivado ou incinerado sem que os portugueses tenham compreendido o motivo, mas a que chamaram e chamam “caso abafado”.  Ao que dizem há casos afogados na fictícia pasta da bem denominada revelação lá para os lados das “calendas gregas”. Assuntos encerrados mas a escorrerem lodo nauseabundo de um passado não menos mal cheiroso, dos tempos servis, cúmplices e abonatórios de sebentos Donos Disto Tudo, ao estilo de Salgado.

Cavaco, é este mesmo figurão político, detentor de mais anos nos poderes de Portugal, depois de Salazar, por eleição e/ou por via de nomeações, que surge de vez em quando com a sua voz de sons sumidos e fífias dignas de além túmulo, exibindo a sua dislexia permanente e as calinadas na língua portuguesa, dizendo disto ou daquilo, gratuitamente, algumas vezes estupidamente por concessão feliz daquilo que a democracia permite e até tolera ou provou a quantidade de portugueses propensos ao engano e aos seráficos personagens dessa estirpe que se declara democrática.  

Foi ele mesmo que ainda há poucos dias surgiu a opinar sobre a Procuradora-Geral da República e respetiva nova nomeação daquele braço da justiça, da fiscalização do cumprimento da lei e dos crimes a punir se for caso disso. Vil, insidioso, embriagado na sua mediocridade e talvez temência do passado que possa vir a ser desenterrado…

Sobre Cavaco e o pomo das suas declarações pegou no caso um jornalista do Expresso, Daniel Oliveira, que em emissão de opinião deu por título “A Chazada Marcelista”. Daí trazer um breve excerto de abertura:

“Cavaco não percebeu que uma das razões para Marcelo ser popular é ter vindo depois de Cavaco. É não ser Cavaco. É ser o oposto de Cavaco. Com o ataque sonso que fez e a severa chazada que recebeu apenas deu ao Presidente, depois de uma decisão politicamente difícil, mais umas vitaminas”

Daniel prossegue:

“Aníbal Cavaco Silva aguentou dois anos calado. Ou pelo menos sem opinar sobre o mandato do seu sucessor. Mas, com a direita passista e mediática (redundância) em fúria com a saída da procuradora, transformada contra a sua vontade em Passionaria do justicialismo, ele não aguentou. Achou que estava ali um chamamento. E se Passos saltou do seu túmulo político, Cavaco saiu do seu jazigo. Para dizer, esperando que o País estremecesse: “Sou levado a pensar que esta decisão política de não recondução de Joana Marques Vidal é talvez a mais estranha tomada no mandato do Governo que geralmente é reconhecido como Geringonça”.

O acesso ao texto completo encontra em Expresso, AQUI.

A exemplo de parceiros seus de tristes memórias, Cavaco Silva, vil e sinuoso, veio a terreno (“saiu do jazigo”) demonstrando sentir-se incomodado com a não manutenção da PGR que havia escolhido ainda no seu mandato de PR, Joana Marques Vidal, substituída por Lucília Gago, por escolha do PR Marcelo Rebelo de Sousa. No podre da mentalidade cavaquista ele sentiu-se com autoridade para uma vez mais exibir a sua monstruosa ignorância e doentia “massa cinzenta”, sobrepondo a algo de assunto do Estado o destile de antigos venenos que o têm acompanhado ao longo da sua vida política nos cargos que desempenhou.

Pretendendo espalhar o veneno costumeiro, que como vulcão o impregna pelas entranhas, Cavaco atirou-se à “Geringonça” com raiva própria dos grandes ignorantes e/ou enfermos de porcas maldades que agora até são somente demonstrativas da sua genialidade banal (segundo Saramago). E disse, entre mais umas quantas bacoradas:

"Sou levado a pensar que esta decisão política de não recondução de Joana Marques Vidal é a mais estranha tomada pelo Governo, que geralmente é conhecido como ‘gerigonça’” concluiu o antigo Presidente da República.” Ver em Público.

Teve a resposta adequada e esclarecedora do atual PR, veiculada, por exemplo, pela RTP, a ver no respetivo site:

"O Presidente da República lembra que a decisão de nomear a nova Procuradora-geral da República foi dele e não do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa recusa comentar a crítica de Cavaco Silva sobre o assunto, por uma questão de cortesia e de sentido de Estado.”

Assim foi encerrado (tenhamos esperança) um tema que era afinal de ‘lana caprina’. No caso de Marcelo, sabemos que já lá vão muito anos que a sua opinião sobre quem se senta na cadeira maior da PGR só deve cumprir um mandato, pese embora dever ser mais longo no tempo – talvez oito anos. Salta à vista o chamado vale tudo de Cavaco na sua doentia parolice de político impregnado na mediocridade de que faz garbo à semelhança de um qualquer tolo rei que vai nu mas se julga coberto com vestes dignas de grandezas inigualáveis.

Porém, Cavaco Silva não falou por falar, nem somente para, estupidamente, pretender envenenar o panorama político. Ele também não resistiu à sua larga dose de narcisismo bacoco e ex-chefe de pandilha até agora bem sucedido pessoal e materialmente - que é o que primordialmente sempre importa aos gananciosos e avaros concentrados no seu próprio umbigo. Cavaco Silva há-de ter os seus fantasmas, de olhos fechados e abertos, e por certo que é temente à justiça como qualquer outro mortal. Afinal, ele apesar de saber que está no fim de linha de vida, quer sentir-se vivo e a gladiar com os seus fantasmas, resistindo a submeter-se à sua condição de “múmia” ou de habitante de jazigo, que já era mesmo quando desempenhava o cargo de presidente da República num Palácio de Belém abastardado ao bolor, à fossa, à futilidade, a feitos empolados por claques partidárias e da alta finança devidamente recompensadas a partir de Belém, de São Bento e sabe-se lá mais de onde.

Na verdade, no sentir do passado quotidiano na vigência do consulado cavaquista (os que se lembram e sentiram) Cavaco Silva representou um escolho, uma barreira, um  gigantesco pedregulho que nos privou de avançar à semelhança de muitos dos melhores exemplos de países da UE – porque era ali que já estávamos cimentados. Tínhamos todas as ótimas condições se uma pandilha de “abusados” instalados em partidarismos e esconsos interesses de alta finança e ilhargas não agissem como sempre agiram, visando benefícios próprios em prejuízo de Portugal e dos portugueses, vastamente abençoados por Cavaco. Mas não só. Porque na vigência de consulados socialistas e parciamente do CDS, aconteceu praticamente o mesmo. Era o chamado Bloco Central. Algo da espécie de organização criminosa, na maioria por provar devido a muito bem organizada impunidade. Salvo num ou noutro caso. Desses se poderá dizer com toda a propriedade: Morrerás sendo o cofre maior dos males causados aos portugueses.

*Coimbra

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