A opção em relação aos modos de
gestão e de organização que se adoptam nas autarquias locais é uma decisão
soberana. Mas, Angola e Timor-Leste, terão que contrariar o actual sistema organizacional
burocrático de raiz taylorista.
M. Azancot de Menezes* | Jornal Tornado
Angola e Timor-Leste, dois países
irmãos da lusofonia, preparam-se para realizar eleições autárquicas. Os novos
modos de regulação que irão entrar em vigor após as eleições terão como
resultado, pelo menos é essa a expectativa, a ampliação das áreas de intervenção
do poder local, com a transferência de competências das estruturas centrais
para o nível local. Naturalmente, com a entrega de recursos e meios
financeiros.
O processo que irá culminar com
as eleições autárquicas está em andamento. Em Angola prevê-se que as eleições
autárquicas se realizem em 2020. Em Timor-Leste, o programa de governo, num
processo faseado, aponta as datas de 2012, 2022 e 2023.
Independentemente das datas, sem
descurar a sua relevância, todo este conjunto sequencial de acções ligado às
futuras eleições autárquicas remete para as novas formas de organização e
gestão, portanto, obviamente, coloca em relevo a problemática da formação de
recursos humanos para a administração local.
O que dizem os políticos
angolanos, timorenses e portugueses sobre as eleições autárquicas que se
avizinham
Em Abril de 2019, o ministro da
Administração do Território e Reforma do Estado de Angola confirmou que as
eleições autárquicas estão previstas para 2020 e que a legislação aprovada
“prevê que se procure abranger o máximo possível de realidades municipais”,
sejam “municípios pequenos e grandes, mais e menos populosos, com mais e com
menos arrecadação de receita..”. (Fonte: dw.com, 2019).
Segundo o governante angolano,
também haverá uma preocupação com os recursos humanos, nomeadamente a colocação
de quadros especializados em áreas de trabalho entendidas essenciais no âmbito
da administração local (Fonte: dw.com, 2019).
Para responder à problemática dos
recursos humanos o ministro angolano adiantou que prevê vários domínios de
intervenção no quadro da preparação dos municípios para a autonomia para
permitir que “os municípios possam encontrar espaços financeiros para a
admissão de alguns quadros e reforçá-los em algumas áreas críticas..”, estando
prevista uma “acção de formação de quadros para as autarquias.” (Fonte: Jornal
de Angola, 2019).
Em 2009, o antigo ministro dos
negócios estrangeiros timorense, afirmou que depois das eleições para os sucos
(a menor divisão administrativa) haveria eleições “em Setembro, para escolher
os líderes comunitários” e que “vão realizar-se eleições autárquicas, no âmbito
da reforma do sistema administrativo que está a ser implementado em Timor.”
(Fonte: Jornal Expresso, 2009).
Posteriormente, em 2012, o então
ministro da Administração Estatal de Timor-Leste, defendeu a realização de
eleições municipais e referiu que iriam “começar os preparativos, com a criação
de comissões instaladoras nos 13 distritos do país para que em 2015 possamos
realizar eleições municipais.” (Fonte: Agência Lusa, 2012).
O programa do V Governo
Constitucional da República Democrática de Timor-Leste (RDTL) referiu-se à
criação de entre três a cinco municípios e que as comissões preparatórias iriam
avaliar os 13 municípios com o objectivo de compreender se existem os
requisitos mínimos necessários.
Em 2017, o Vice-Presidente do
CNRT e Vice-Ministro da Administração Interna de Timor-Leste, destacou a boa
relação com Portugal, principalmente no reforço do poder local. Se ganhassem as
eleições legislativas (não aconteceu mas com coligação formaram o actual
governo), afirmou o governante, “podemos ter poder local em Timor-Leste.”
(Fonte: e.global, 2017).
Também, no Programa de Governo do
VIII da RDTL, vigente em 2019, é referido claramente que a “modernização da
Administração Pública e a elevação da sua eficácia inclui necessariamente a sua
descentralização e desconcentração”.
Na opinião do VIII Governo
Constitucional da RDTL, a “transferência de atribuições, competências e
responsabilidades aos órgãos locais e municipais, capacitando-os e criando
condições para que possam prestar serviços de qualidade, é um dos aspectos
fundamentais do processo de descentralização”. O actual governo, no seu
programa, refere que se deve “organizar faseadamente as eleições para os órgãos
representativos do Poder Local durante os anos 2012, 2022 e 2023” .
Em Julho de 2019, o presidente da
Assembleia da República de Portugal, no âmbito da abertura das conversações
oficiais entre os Parlamentos de Portugal e de Angola, considerou a realização
das eleições autárquicas em Angola como um acto importante e reiterou a
disponibilidade de Portugal para colaborar com as autoridades angolanas no que
fosse útil (Fonte: Jornal de Angola, 2019).
As mensagens políticas de Angola
e de Timor-Leste que destaquei, mas poderiam ser muitas mais e diversificadas,
têm duas características em comum, a preocupação do processo preparatório ser
faseado, mais lento do que o eleitorado desejaria, e uma outra preocupação, a
preparação dos recursos humanos.
Ora bem, o que se pode dizer em
relação aos recursos humanos? Quais são os potenciais destinatários de um
programa de formação no quadro da administração local?
Os destinatários e as
competências no processo de formação para as autarquias
Quando se pensa em desenvolver
programas de oferta profissional é fundamental haver uma estruturação tendo por
base os diferentes segmentos profissionais para que se possa caracterizar os
destinatários da formação, na situação em análise, no âmbito da administração
local.
No caso de Timor-Leste, país com
1167242 habitantes (pouco mais de um milhão) em 2015, à excepção de algumas
informações estatísticas obtidas através do último Censo (2015) realizado, não
tenho conhecimento de estudos aprofundados sobre esta matéria, e mesmo que
haja, pelo que conheço do país, muito há a fazer de forma elaborada e com
objectivos estrategicamente bem definidos.
Em relação a Angola, com cerca de
26 milhões de habitantes (25 789 024) segundo o Censo de 2014, talvez a partir
do Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ) se possa ter uma ideia
aproximada em relação à capacidade de oferta existente, e necessária, bem como
sobre as áreas a desenvolver.
No âmbito do processo de
inquirição da Estratégia Nacional de Formação de Quadros (ENFQ) quanto ao
universo de funcionários da administração pública, atenção que estamos em 2019,
“estima-se que dos cerca de 105 mil dirigentes e quadros, 27 mil (12%) estejam
na administração pública central, e 77.656 (88%) na administração pública local
– provincial e municipal (Fonte: PNFQ, 2012).
Ainda no âmbito da ENFQ
identificaram-se seis áreas de desempenho para as quais há necessidade de se
desenvolver de forma prioritária, em termos de competências técnicas e
comportamentais.
Segundo o PNFQ (2012), as seis
áreas de desempenho incluem:
Conhecimentos de administração e
gestão (apoio ao gestor de topo);
Sistemas de informação e
informática;
Gestão de recursos humanos;
Técnicas de planeamento e
programação;
Capacidade de comunicação;
Ética e sentido de responsabilidade
(para a melhoria do serviço público).
Os responsáveis pelo
processo de diagnóstico para identificação do público alvo no quadro da
preparação para a administração local, muito provavelmente, irão deparar com
diversas situações de assimetrias, em relação ao género, ao grau de
escolarização, por exemplo, nas zonas do interior haverá pessoas menos
escolarizadas, etc., sendo certo que todos estes e outros aspectos, se não
forem devidamente acautelados irão reflectir-se no processo geral,
principalmente porque ainda há défice de uma cultura de formação, havendo
necessidade, por isso, de se construir uma estratégia de formação.
Planeamento estratégico da
formação
A avaliar por estudos realizados
sobre o investimento na valorização dos recursos humanos da administração local
deve haver uma “intervenção orientada para fazer evoluir cada autarquia no
sentido de se transformar numa «organização qualificante», ou seja, capaz de
aprender com a experiência, nas dimensões individual e colectiva” (Cabrito,
Canário e Cavaco, 2005).
A ideia que transparece aponta no
sentido de se atribuir importância à formação de gestores de formação. Neste
sentido, a meu ver, Angola e Timor-Leste, após identificação das futuras
autarquias, para cada uma delas, deveria preparar «Gestores de formação», ao
nível da pós-graduação, tal como defendem os autores que citei, para que possam
tornar-se “o suporte para o desenvolvimento de capacidades de planeamento
estratégico da formação que contribuam para a construção de organizações de
natureza qualificante” (Cabrito, 2005).
Atribuições e competências do
«Gestor de formação» em cada autarquia
O papel central do «Gestor de
formação» seria, para cada autarquia, responsabilizar-se pelo processo de todo
o planeamento estratégico da formação de tal forma que pudesse, munido de
competências específicas obtidas através do tal programa de formação
pós-graduada, contribuir de forma significativa para a mudança de pessoas e de
organizações.
Em concreto, a ideia seria fugir
à formação mais tradicional, caracterizada por ser um “somatório de acções de
formação avulso”, como designa de forma eloquente Cabrito (2005), e
haver, desde logo, uma evolução no conceito para um “dispositivo de
formação” (vivências em grupo).
Uma outra vertente fundamental no
que diz respeito ao papel do «Gestor de formação» de cada autarquia seria, no
âmbito da sua missão, abandonar o tradicional método expositivo muitas vezes
(erradamente) aplicado em contexto de formação profissional de adultos e
apostar noutras metodologias de ensino-aprendizagem para o desenvolvimento de
competências, portanto, assente numa «Aprendizagem baseada em problemas»,
tomando em consideração os problemas reais inerentes à autarquia em que estiver
afecto, priorizando a formação em contexto.
Apostar na formação pós-graduada
de «Gestores de formação» para a futura administração local com o perfil que
descrevi, e repito, com atenção direccionada para a construção de uma cultura
de formação profissional que presta importância simultânea às pessoas e ao
desenvolvimento organizacional, numa lógica de projecto para a resolução de
problemas (e não ensinar soluções), tendo presente que o mais importante são os
recursos endógenos (fomentar a interacção no contexto da organização), entre
outras vertentes, salvo melhor opinião, poderia ser uma aposta estratégica de
Angola e de Timor-Leste no âmbito da administração local, na medida em que, é
absolutamente necessário contrariar o actual sistema organizacional burocrático
de raiz taylorista.
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Divisão administrativa de
Timor-Leste
O território da República
Democrática de Timor-Leste compreende as seguintes 13 divisões
administrativas:
Município de Aileu;
Município de Ainaro;
Município de Baucau;
Município de Bobonaro;
Município de Covalima;
Município de Díli;
Município de Ermera;
Município de Lautém;
Município de Liquiçá;
Município de Manatuto;
Município de Manufahi;
Município de Viqueque;
Região Administrativa Especial de
Oe-Cusse Ambeno.
Cada município é constituído por
postos (67 no total) e estes por sucos (442), cada um constituído por várias
knuas (aldeias).
Divisão administrativa de Angola
O território angolano compreende
18 províncias, divididas por municípios que por sua vez se subdividem em
comunas.
Eis as províncias da
República de Angola:
Bengo;
Benguela;
Bié;
Cabinda;
Kuando-Kubango;
Kwanza-Norte;
Kwanza-Sul;
Cunene;
Huambo;
Huíla;
Luanda;
Lunda-Norte;
Lunda-Sul;
Malanje;
Moxico;
Namibe;
Uíge;
Zaire.
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