sábado, 14 de setembro de 2019

Angola e Timor-Leste: desafios para a futura administração autárquica


A opção em relação aos modos de gestão e de organização que se adoptam nas autarquias locais é uma decisão soberana. Mas, Angola e Timor-Leste, terão que contrariar o actual sistema organizacional burocrático de raiz taylorista.

M. Azancot de Menezes* | Jornal Tornado

Angola e Timor-Leste, dois países irmãos da lusofonia, preparam-se para realizar eleições autárquicas. Os novos modos de regulação que irão entrar em vigor após as eleições terão como resultado, pelo menos é essa a expectativa, a ampliação das áreas de intervenção do poder local, com a transferência de competências das estruturas centrais para o nível local. Naturalmente, com a entrega de recursos e meios financeiros.

O processo que irá culminar com as eleições autárquicas está em andamento. Em Angola prevê-se que as eleições autárquicas se realizem em 2020. Em Timor-Leste, o programa de governo, num processo faseado, aponta as datas de 2012, 2022 e 2023.

Independentemente das datas, sem descurar a sua relevância, todo este conjunto sequencial de acções ligado às futuras eleições autárquicas remete para as novas formas de organização e gestão, portanto, obviamente, coloca em relevo a problemática da formação de recursos humanos para a administração local.

O que dizem os políticos angolanos, timorenses e portugueses sobre as eleições autárquicas que se avizinham


Em Abril de 2019, o ministro da Administração do Território e Reforma do Estado de Angola confirmou que as eleições autárquicas estão previstas para 2020 e que a legislação aprovada “prevê que se procure abranger o máximo possível de realidades municipais”, sejam “municípios pequenos e grandes, mais e menos populosos, com mais e com menos arrecadação de receita..”. (Fonte: dw.com, 2019).

Segundo o governante angolano, também haverá uma preocupação com os recursos humanos, nomeadamente a colocação de quadros especializados em áreas de trabalho entendidas essenciais no âmbito da administração local (Fonte: dw.com, 2019).

Para responder à problemática dos recursos humanos o ministro angolano adiantou que prevê vários domínios de intervenção no quadro da preparação dos municípios para a autonomia para permitir que “os municípios possam encontrar espaços financeiros para a admissão de alguns quadros e reforçá-los em algumas áreas críticas..”, estando prevista uma “acção de formação de quadros para as autarquias.” (Fonte: Jornal de Angola, 2019).

Em 2009, o antigo ministro dos negócios estrangeiros timorense, afirmou que depois das eleições para os sucos (a menor divisão administrativa) haveria eleições “em Setembro, para escolher os líderes comunitários” e que “vão realizar-se eleições autárquicas, no âmbito da reforma do sistema administrativo que está a ser implementado em Timor.” (Fonte: Jornal Expresso, 2009).

Posteriormente, em 2012, o então ministro da Administração Estatal de Timor-Leste, defendeu a realização de eleições municipais e referiu que iriam “começar os preparativos, com a criação de comissões instaladoras nos 13 distritos do país para que em 2015 possamos realizar eleições municipais.” (Fonte: Agência Lusa, 2012).

O programa do V Governo Constitucional da República Democrática de Timor-Leste (RDTL) referiu-se à criação de entre três a cinco municípios e que as comissões preparatórias iriam avaliar os 13 municípios com o objectivo de compreender se existem os requisitos mínimos necessários.

Em 2017, o Vice-Presidente do CNRT e Vice-Ministro da Administração Interna de Timor-Leste, destacou a boa relação com Portugal, principalmente no reforço do poder local. Se ganhassem as eleições legislativas (não aconteceu mas com coligação formaram o actual governo), afirmou o governante, “podemos ter poder local em Timor-Leste.” (Fonte: e.global, 2017).

Também, no Programa de Governo do VIII da RDTL, vigente em 2019, é referido claramente que a “modernização da Administração Pública e a elevação da sua eficácia inclui necessariamente a sua descentralização e desconcentração”.

Na opinião do VIII Governo Constitucional da RDTL, a “transferência de atribuições, competências e responsabilidades aos órgãos locais e municipais, capacitando-os e criando condições para que possam prestar serviços de qualidade, é um dos aspectos fundamentais do processo de descentralização”. O actual governo, no seu programa, refere que se deve “organizar faseadamente as eleições para os órgãos representativos do Poder Local durante os anos 2012, 2022 e 2023”.

Em Julho de 2019, o presidente da Assembleia da República de Portugal, no âmbito da abertura das conversações oficiais entre os Parlamentos de Portugal e de Angola, considerou a realização das eleições autárquicas em Angola como um acto importante e reiterou a disponibilidade de Portugal para colaborar com as autoridades angolanas no que fosse útil (Fonte: Jornal de Angola, 2019).

As mensagens políticas de Angola e de Timor-Leste que destaquei, mas poderiam ser muitas mais e diversificadas, têm duas características em comum, a preocupação do processo preparatório ser faseado, mais lento do que o eleitorado desejaria, e uma outra preocupação, a preparação dos recursos humanos.

Ora bem, o que se pode dizer em relação aos recursos humanos? Quais são os potenciais destinatários de um programa de formação no quadro da administração local?

Os destinatários e as competências no processo de formação para as autarquias

Quando se pensa em desenvolver programas de oferta profissional é fundamental haver uma estruturação tendo por base os diferentes segmentos profissionais para que se possa caracterizar os destinatários da formação, na situação em análise, no âmbito da administração local.

No caso de Timor-Leste, país com 1167242 habitantes (pouco mais de um milhão) em 2015, à excepção de algumas informações estatísticas obtidas através do último Censo (2015) realizado, não tenho conhecimento de estudos aprofundados sobre esta matéria, e mesmo que haja, pelo que conheço do país, muito há a fazer de forma elaborada e com objectivos estrategicamente bem definidos.

Em relação a Angola, com cerca de 26 milhões de habitantes (25 789 024) segundo o Censo de 2014, talvez a partir do Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ) se possa ter uma ideia aproximada em relação à capacidade de oferta existente, e necessária, bem como sobre as áreas a desenvolver.

No âmbito do processo de inquirição da Estratégia Nacional de Formação de Quadros (ENFQ) quanto ao universo de funcionários da administração pública, atenção que estamos em 2019, “estima-se que dos cerca de 105 mil dirigentes e quadros, 27 mil (12%) estejam na administração pública central, e 77.656 (88%) na administração pública local – provincial e municipal (Fonte: PNFQ, 2012).

Ainda no âmbito da ENFQ identificaram-se seis áreas de desempenho para as quais há necessidade de se desenvolver de forma prioritária, em termos de competências técnicas e comportamentais.

Segundo o PNFQ (2012), as seis áreas de desempenho incluem:

Conhecimentos de administração e gestão (apoio ao gestor de topo);
Sistemas de informação e informática;
Gestão de recursos humanos;
Técnicas de planeamento e programação;
Capacidade de comunicação;

Ética e sentido de responsabilidade (para a melhoria do serviço público).

Os  responsáveis pelo processo de diagnóstico para identificação do público alvo no quadro da preparação para a administração local, muito provavelmente, irão deparar com diversas situações de assimetrias, em relação ao género, ao grau de escolarização, por exemplo, nas zonas do interior haverá pessoas menos escolarizadas, etc., sendo certo que todos estes e outros aspectos, se não forem devidamente acautelados irão reflectir-se no processo geral, principalmente porque ainda há défice de uma cultura de formação, havendo necessidade, por isso, de se construir uma estratégia de formação.

Planeamento estratégico da formação

A avaliar por estudos realizados sobre o investimento na valorização dos recursos humanos da administração local deve haver uma “intervenção orientada para fazer evoluir cada autarquia no sentido de se transformar numa «organização qualificante», ou seja, capaz de aprender com a experiência, nas dimensões individual e colectiva” (Cabrito, Canário e Cavaco, 2005).

A ideia que transparece aponta no sentido de se atribuir importância à formação de gestores de formação. Neste sentido, a meu ver, Angola e Timor-Leste, após identificação das futuras autarquias, para cada uma delas, deveria preparar «Gestores de formação», ao nível da pós-graduação, tal como defendem os autores que citei, para que possam tornar-se “o suporte para o desenvolvimento de capacidades de planeamento estratégico da formação que contribuam para a construção de organizações de natureza qualificante” (Cabrito, 2005).

Atribuições e competências do «Gestor de formação» em cada autarquia

O papel central do «Gestor de formação» seria, para cada autarquia, responsabilizar-se pelo processo de todo o planeamento estratégico da formação de tal forma que pudesse, munido de competências específicas obtidas através do tal programa de formação pós-graduada, contribuir de forma significativa para a mudança de pessoas e de organizações.

Em concreto, a ideia seria fugir à formação mais tradicional, caracterizada por ser um “somatório de acções de formação avulso”, como designa de forma eloquente Cabrito (2005), e  haver, desde logo, uma evolução no conceito para um “dispositivo de formação” (vivências em grupo).

Uma outra vertente fundamental no que diz respeito ao papel do «Gestor de formação» de cada autarquia seria, no âmbito da sua missão, abandonar o tradicional método expositivo muitas vezes (erradamente) aplicado em contexto de formação profissional de adultos e apostar noutras metodologias de ensino-aprendizagem para o desenvolvimento de competências, portanto, assente numa «Aprendizagem baseada em problemas», tomando em consideração os problemas reais inerentes à autarquia em que estiver afecto, priorizando a formação em contexto.

Apostar na formação pós-graduada de «Gestores de formação» para a futura administração local com o perfil que descrevi, e repito, com atenção direccionada para a construção de uma cultura de formação profissional que presta importância simultânea às pessoas e ao desenvolvimento organizacional, numa lógica de projecto para a resolução de problemas (e não ensinar soluções), tendo presente que o mais importante são os recursos endógenos (fomentar a interacção no contexto da organização), entre outras vertentes, salvo melhor opinião, poderia ser uma aposta estratégica de Angola e de Timor-Leste no âmbito da administração local, na medida em que, é absolutamente necessário contrariar o actual sistema organizacional burocrático de raiz taylorista.



*PhD em Educação / Universidade de Lisboa


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Divisão administrativa de Timor-Leste

O território da República Democrática de Timor-Leste compreende as seguintes 13 divisões administrativas:

Município de Aileu;
Município de Ainaro;
Município de Baucau;
Município de Bobonaro;
Município de Covalima;
Município de Díli;
Município de Ermera;
Município de Lautém;
Município de Liquiçá;
Município de Manatuto;
Município de Manufahi;
Município de Viqueque;
Região Administrativa Especial de Oe-Cusse Ambeno.
Cada município é constituído por postos (67 no total) e estes por sucos (442), cada um constituído por várias knuas (aldeias).

Divisão administrativa de Angola

O território angolano compreende 18 províncias, divididas por municípios que por sua vez se subdividem em comunas.

Eis as províncias da República de Angola:
Bengo;
Benguela;
Bié;
Cabinda;
Kuando-Kubango;
Kwanza-Norte;
Kwanza-Sul;
Cunene;
Huambo;
Huíla;
Luanda;
Lunda-Norte;
Lunda-Sul;
Malanje;
Moxico;
Namibe;
Uíge;
Zaire.

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