“Aquilo que é nulo não é
reestruturável” afirma professor de Direito constitucional sobre a nulidade da
dívida da EMATUM
O argumento do Governo de Filipe
Nyusi que não pode repudiar a dívida inconstitucional e ilegal da EMATUM e por isso está a reestrutura-la com os credores “não
há que fazer isso, porque aquilo que é nulo não é reestruturável, não há volta
a dar em relação” ao Acórdão do Conselho Constitucional (CC) explicou o
professor de Direito Constitucional, António Leão. O docente da Universidade
Católica de Moçambique assinalou o quão difícil foi o órgão de soberania
“cumprir a sua missão com as armadilhas que tem na própria lei” e disse ao
@Verdade que a fiscalização da constitucionalidade das dívidas da Proindicus e
MAM pode ter outra jurisprudência pois em Moçambique não há espaço para a
criação de precedentes.
O ministro da Economia e Finanças
disse a jornalistas, no passado dia 23 de Agosto, que após ouvir vários
especialistas de Direito o entendimento do Governo é que Moçambique tem que
aceitar a lei que foi acordada para dirimir conflitos resultantes da dívida
contraída em 2013 pela Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) mesmo violando a
Constituição da República, que é a lei do Reino Unido.
“O que ficou claro é que nós
temos que negociar, temos que negociar com os bondholders, temos que fechar,
temos de negociar com os bondholders de boa-fé”, esclareceu o ministro Adriano
Maleiane, num encontro informal com editores dos meios de comunicação em
Moçambique, onde argumentou que pagar aos credores “de boa-fé” é um
adiantamento para que o nosso país possa sair da situação de pais caloteiro que
impede a retoma de um Programa financeiro com o Fundo Monetário Internacional,
veda o acesso aos mercados de capitais e até limita os financiamentos de
instituições multilaterais e os milhões serão recuperados através das acções
que a Procuradoria-Geral da República está a encetar contra os moçambicanos que
se beneficiaram das dívidas ilegais e também contra o Grupo Privinvest.
No entanto o professor de Direito
Constitucional, António Leão, deixou claro que “não há que fazer isso, porque
aquilo que é nulo não é reestruturável, não há volta a dar em relação” ao Acórdão do Conselho Constitucional que declarou “a
nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a
respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as
consequências legais.”
“O poder Executivo deve, salvo melhor
opinião, abster-se de praticar actos tendentes a co-validação, sanação ou
reestruturação. Em segundo lugar nenhum tribunal pode condenar o Estado
moçambicano a praticar actos devidos em substituição de actos declarados
nulos”, declarou o académico da Universidade Católica.
Estado tem responsabilidade civil
pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes
Intervindo na Conferência que o
Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) organizou na semana finda em
Maputo, António Leão detalhou os efeitos específicos decorrentes do facto desta
decisão ter sido proferida pela jurisdição constitucional: “em primeiro lugar
esta decisão tem força obrigatória geral, se tivesse sido tomada por um
tribunal Administrativo ainda podia haver recurso para a instancia superior, a
partir do momento em que foi tomada pelo Conselho Constitucional esta decisão
tem forma obrigatória geral e é irrecurrível, não há recurso para esta decisão,
tem por isso força de lei”.
Ademais, o facto do Governo de
Nyusi não cumprir a decisão do CC, “é um dos poucos casos, a desobediência a
uma decisão do Conselho Constitucional, em que a Constituição de pronuncia
expressamente sobre a criminalização dos actos de desrespeito por uma decisão
da jurisdição constitucional, constitui crime de desobediência a prática de
actos subsequentes que sejam contrários a uma decisão desta natureza”.
Mas o professor Leão entende que
a “declaração de nulidade abre imediatamente a porta para uma outra forma de
tutela para estes terceiros de boa fé que eventualmente estejam aqui a ser
prejudicados, que é a figura da responsabilidade civil do Estado por actos ilegais
da função Administrativa”. “A fonte de obrigação já não são o empréstimo ou o
aval conferido pelo Estado mas a responsabilidade civil do Estado pelos danos
causados por actos ilegais dos seus agentes causados no exercício das suas
funções sem prejuízo naturalmente do direito de regresso à favor do Estado. É
neste plano, salvo melhor opinião, que deverá ser discutida a tutela dos
terceiros de boa fé, não me parece que seja possível fazer algo mais, ou algo
diferente relativamente a isto”, afirmou o professor da Universidade Católica
de Moçambique.
Nulidade da dívida da EMATUM não
garante que Conselho Constitucional tenha decisão igual para os empréstimos da
Proindicus e MAM
Ainda no entendimento do docente,
o primeiro constitucionalista que se pronuncia sobre o caso desde a decisão do
CC, “se há uma genuína vontade de acautelar o interesse de terceiros de boa fé,
como acredito que haja, há que escolher os mecanismos jurídicos e processuais
adequados (...) a fonte da obrigação já não é o empréstimo ou aval, a fonte da
obrigação é o Estado não ter controlado bem os seus funcionários e agentes e
por isso deve indemnizar os particulares que tenham sido prejudicados com estas
práticas”.
António Leão enfatizou o quão “é
difícil o Conselho Constitucional cumprir a sua missão com as armadilhas que
tem na própria lei. Todos actos do Estado são subordinados a Constituição e
depois há uma norma a dizer que só pode fiscalizar norma deixando de lado todo
um conjunto de actos inconstitucionais praticado pelo Governo”.
Questionado pelo @Verdade se
baseado no Acórdão sobre a nulidade da dívida da EMATUM os moçambicanos podem
esperar que o CC também declare nulos os empréstimos das empresas Proindicus e
MAM, contraído em situação similar de violação da Constituição da República e
das leis orçamentar, o professor Leão revelou que “não há de todo” qualquer
precedente, “há qualquer momento o Conselho Constitucional pode mudar a sua
jurisprudência, deverá fundamentar porque mudou, mas nada obriga que seja dessa
maneira”.
Adérito
Caldeira | @Verdade
Sem comentários:
Enviar um comentário