Ocorrido há 43 anos, o massacre
de 27 de maio de 1977 deixou feridas em muitas famílias angolanas, que ainda
não cicatrizaram. Muitos acham que a lei de justificação de óbitos, em debate
no Parlamento, não é solução.
O massacre
do 27 de maio ocorreu há precisamente 43 anos. Em 1977, milhares de
angolanos foram torturados
e mortos, acusados de tentativa de golpe de Estado contra o então governo
do Presidente António Agostinho Neto.
Mas segundo o vice-presidente da
Fundação 27 de Maio, José Fragoso, o que ocorreu foi uma "manifestação
popular" e não uma intenção de destituir o primeiro estadista
angolano. "O MPLA teima
em dizer que aquilo foi um golpe de Estado e nós não concordamos com esta
linguagem, que não ajuda para a reconciliação. Aquilo foi uma manifestação
popular porque naquela altura para se adquirir um quilo de arroz morria-se nas
bichas. Foi isso que nos levou a fazer a manifestação", explica em
entrevista à DW África.
Em 2014, a Fundação 27 de maio
apresentou uma queixa-crime na Organização das Nações Unidas (ONU). Para José
Fragoso, isso terá influenciado o Presidente angolano, João Lourenço, a criar
uma comissão sobre o massacre, que já resultou na elaboração de um diploma
legal, atualmente em discussão no Parlamento. O documento regula todos os
conflitos políticos ocorridos desde 1975.
Não basta uma lei para resolver o
caso
A solução do caso 27 de maio
poderá passar pela lei de justificação de óbitos? José Fragoso, também
integrante da comissão, é peremptório: esta lei é um recuo. "Não
ajuda. Nem sequer o ente querido da vítima tem a possibilidade de adquirir uma
certidão porque o artigo 28 do regulamento, que nos foi apresentado na
reunião, criou um questionário onde o ente querido tinha de saber os
motivos da morte do seu ente querido, o local e a hora do fuzilamento, o local
e hora onde se acha enterrado. Imagina isso!"
Nelito Ekuikui, deputado da União
Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), concorda: "Esta lei
vem apenas dar aos parentes das vítimas do 27 de maio a oportunidade de
conseguirem uma certidão de óbito e desta forma terem a documentação, a certificação
do passamento físico dos seus."
O jurista e deputado independente
Lindo Tito também considera que não basta esta lei para resolver o problema do
massacre. "A questão do 27 de Maio é muito mais profunda por ser um
conflito interno de um partido político. Esta lei pretenderá apenas aferir a
certidão de óbito aos familiares das vítimas do massacre de 27 de maio, mas
também de outros acontecimentos", sublinha.
Para quando uma "comissão de
verdade"?
Até ao momento, não se sabe o
número exacto de angolanos mortos em 1977, porque a comissão de inquérito
liderada, na altura, pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos não divulgou os
resultados, diz José Fragoso.
O jovem deputado da UNITA Nelito
Ekuikui entende que se deve criar "uma comissão de verdade" que integre
cidadãos não implicados no conflito, "membros neutros que não
participaram em nenhuma das partes do conflito, capazes de ir buscar a verdade
material", para "sarar as feridas que ainda sangram" até hoje.
"É fundamental que os angolanos saibam o que se passou", frisa.
Muitos analistas angolanos
enaltecem a abertura do Presidente angolano na abordagem deste assunto
considerado sensível. Também defendem a responsabilização criminal dos autores
morais e materiais do massacre de 1977.
Mas Nelito Ekuikui pensa que se
deve apenas despoletar uma responsabilidade civil. "Volvidos vários anos,
Angola caminha para um processo de reconciliação nacional que é irreversível.
Nós não podemos, outra vez, ir pela via de responsabilização criminal dos
autores. Já a responsabilização civil, eu penso que sim. Deve-se indeminzar as
famílias e conferir maior dignidade aos descendentes", defende.
José Fragoso quer que os
implicados também sejam responsabilizados criminalmente. "Embora o nosso
slogan seja 'perdoar sim, mas esquecer nunca', eles devem ser
responsabilizados porque a fome e a miséria a que assistimos é resultado
do 27 de maio. Porque morreram os melhores filhos, patriotas, os poucos quadros
que o colono tinha deixado, foram todos mortos. Só um ou outro é que escapou."
A DW África também tentou ouvir a
comissão de inquérito e o MPLA, o partido no poder, mas sem sucesso.
Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche
Welle
Na imagem: Alegada tentativa de golpe de Estado de 1977, a que se seguiu um massacre, roubou a vida a milhares de opositores do regime de Agostinho Neto (na foto)
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