Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
Sob pandemia, o teletrabalho é um direito que nem sempre esteve ao alcance de todos os trabalhadores.
Muitos porque desempenhavam funções que exigiam a sua presença nos locais de trabalho, alguns porque esse direito lhes foi negado. A lei foi rápida a impor a obrigação do teletrabalho, mas não cuidou de garantir que essa transição, para além de temporária, se fazia sem abusos e disrupções excessivas.
Quem vive o teletrabalho sabe que
este não é um privilégio. Sem regras bem definidas, a suposta liberdade de
gestão do tempo pode tornar-se num contínuo de trabalho, sem fronteiras claras,
no espaço e no tempo, com a vida pessoal. E isto sem falar dos abusos mais
extremos, da desproteção em caso de acidente laboral doméstico à instalação de
programas informáticos (ou videovigilância!) violadores das regras de
privacidade. Sem regras bem definidas, o tempo e o dinheiro poupados em
deslocações podem transformar-se em isolamento social e profissional e em perda
de salário por acréscimo de despesas com eletricidade e Internet, quase nunca
asseguradas pela entidade empregadora. O Estado espanhol tornou obrigatória a
compensação ao trabalhador pelo acréscimo de despesas
Sem regras definidas, a conjugação do teletrabalho com o encerramento das escolas e de serviços de apoio social leva a uma intolerável sobrecarga familiar. Sobretudo para as mulheres, o teletrabalho significa o risco de um regresso ao lar com novas obrigações e formas de exploração, agravado em contextos de más condições de habitabilidade ou de violência doméstica.
Ao longo do último ano, a maior parte dos serviços essenciais foi garantida pelo trabalho presencial de muitas pessoas, tantas vezes com baixos salários e insuficientes condições sanitárias. O reconhecimento do papel desses trabalhadores e trabalhadoras, com direitos laborais e remuneração adequada, não implica que o teletrabalho é um privilégio - e muito menos um maravilhoso mundo novo. Não é. Muito pelo contrário, é uma realidade perigosa e complexa. A atomização do trabalho quebra as formas de solidariedade e ação coletiva dos trabalhadores, pondo em causa a já muito precária democracia no terreno laboral.
*Deputada do BE
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