Artur Queiroz*, Luanda
As angolanas e angolanos da minha geração nasceram, ainda estava em brasa a fornalha da II Guerra Mundial e todos os horrores que levaram ao extermínio de comunistas e judeus. A comida começava a chegar às mesas e o mundo foi abalado pelas bombas atómicas que os EUA despejaram sobre Nagasaki e Hiroshima. Tomaram o gosto pelos genocídios e nós crescendo neste clima de ódio e extermínio, numa sociedade colonial onde a maioria negra era segregada e escravizada à luz do estatuto do indigenato. Tanta angústia, tanto medo, tanta flor morreu em botão.
Eis que do “Estado da Índia” sopraram ventos de esperança. Estávamos em 1955 e nacionalistas originários de Goa, Damão e Diu reclamaram a independência da colónia portuguesa. No ano seguinte nasceu o MPLA. No Oriente, a União Indiana cortou relações com Portugal. E no Tribunal de Haia, o ministro indiano das relações exteriores disse aos membros da legação portuguesa que, se o seu país quisesse, a colónia acabava em 24 horas. Os políticos e intelectuais angolanos perceberam a mensagem e partiram para a reivindicação da autonomia, sob a bandeira do movimento popular acabado de nascer.
Esses nacionalistas do início tiveram hesitações, alguns mudaram de campo, outros arrependeram-se mas o núcleo duro ficou nas fileiras do MPLA até à morte, Esses foram os exemplos vivos dos jovens da minha geração. A querela sino-soviética teve um efeito nefasto no seio do “amplo movimento” e homens como Viriato da Cruz ou Matias Miguéis regrediram e resolveram mudar de campo e até de bandeira. Depois todas e todos cerraram fileiras à volta de Agostinho Neto. Em 1972 surgiu uma erupção tribalista mas com apoios internacionais. E o que nada valia, acabou por fazer muito mal a Angola, em 1974/1975. Falo da facção de Daniel Chipenda.
No mesmo período surgiu nova dissidência, a Revolta Activa. Ia causando um verdadeiro descalabro. Se a liderança de Agostinho Neto não fosse tão forte, hoje não restava pedra sobre pedra. Mas repito: A gente da minha geração nunca abandonou o MPLA, fossem quais fossem as circunstâncias. Alguns de nós deixaram a militância activa mas nada mais que isso e regressam quando é preciso.
Hoje mandaram-me esta pergunta: Achas que o funeral de José Eduardo dos Santos deveria ter lugar em Barcelona? E acreditas que o ex-presidente teria apoiado o “Adabel”? Lembrei-me logo daquela canção: Dizem que deus existe/talvez sim, talvez não/ mas é seguro que almoça/sentado à mesa do patrão.
Quem me fez esta pergunta sabe bem qual é a resposta. O antigo Chefe de Estado tem de repousar eternamente na Pátria que ajudou a fundar. O antigo Comandante em Chefe defendeu com unhas e dentes a soberania nacional e a integridade territorial. É um crime não ter um funeral de Estado para todos podermos despedir-nos dele e gritarmos muito alto Obrigado, Camarada Presidente!
Sou contra o culto dos mortos.
Cremou e acabou, nada de padre nem confissão. Mas o Presidente José Eduardo tem
de ser homenageado pela Nação Angolana,
As angolanas e angolanos da minha geração que um dia aderiram ao MPLA, vão morrer no MPLA, aconteça o quer acontecer, nem que chovam canivetes e picaretas. Mesmo que nos humilhem, nos tratem mal, nos abandalhem, nos ignorem. Tenho a certeza absoluta de que o Presidente José Eduardo dos Santos jamais diria – nem a brincar – que o melhor é votar na UNITA. Se alguém disser o contrário está obviamente a cuspir na sua memória e a insultar todas e todos os angolanos da nossa geração.
Nós não ficamos sentados em cima
do muro nunca. E muito menos quando o amplo movimento mais precisa de nós. A
propósito, hoje a cómica de voz rasca apoiada pela TPA entrevistou o Ismael
Mateus para a CNN Portugal. O Presidente João Lourenço deu-lhe protagonismo, em
Penso que respondi cabalmente e sem subterfúgios.
*Jornalista
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