segunda-feira, 27 de março de 2023

A CULPA NUNCA É DE QUEM TRABALHA

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

Quando olhamos para França e percebemos a sorte que os franceses têm com o seu sistema de pensões que lhes vai permitir reformarem-se aos 64 anos, um sistema mais eficaz que a generalidade dos sistemas europeus no combate à pobreza entre os idosos, temos dificuldade em perceber como é que o país está a ferro e fogo por causa deste tema. Mas se pensarmos que até agora os franceses se podiam reformar aos 62 e que a lei foi aprovada sem votação na Assembleia Nacional, utilizando um mecanismo previsto na Constituição, percebemos que o risco da revolta se transformar num virar de costas à Democracia é real.

Se um banco como o Credit Suisse se estatela no chão e as autoridades suíças salvam os accionistas mas deixam cair os credores que apostaram nos produtos de maior risco, e se entre esses credores estão vários fundos de pensões, é normal que o povo trabalhador some dois com dois e não goste do que vê. Se o Silicon Valley Bank se estatela no chão e as autoridades norte-americanas resolvem salvar todos os depositantes, mesmo aqueles que lá tinham mais de 250 mil dólares, é normal que o povo trabalhador perceba que são os contribuintes quem paga essa garantia. Num caso e no outro, Suíça e Estados Unidos, o que se pergunta é se esses procedimentos podem ser usados noutras geografias, deitando por terra a promessa de que o povo não voltaria a pagar pela incompetência dos banqueiros?

Por cá, o exército de indignados vai crescendo com as indemnizações e ordenados em empresas públicas, a acumulação de ordenados de políticos próximos do poder, os lucros recorde de empresas e os dividendos em crescendo aos accionistas, enquanto o povo trabalhador a única coisa que vê crescer é a perda de poder de compra. O mesmo se passa na generalidade dos países de uma União Europeia que, dentro de um ano, vai a votos para eleger 705 euro-deputados. Se as direitas mais conservadoras, nacionalistas e anti-imigração, que governam na Hungria, na Polónia e em Itália, se juntassem à restante extrema-direita passariam a ser a terceira maior força política em Estrasburgo. Hoje, ninguém tem dúvidas que haverá um forte crescimento dos partidos ultra-nacionalistas nas Eleições Europeias do próximo ano.

A França, que tem levado a extrema-direita até muito perto do poder, mas que nunca lhe permitiu ocupar o Eliseu, já deu a vitória a Le Pen nas últimas europeias e, pelo caminho que as coisas levam, no próximo ano vai ser ainda mais fácil. Por toda a Europa, a extrema-direita cresce nos parlamentos nacionais e prepara-se para tentar dinamitar as instituições europeias por dentro. Os que o fazem são políticos oportunistas, do calibre de André Ventura, sem o mínimo de competência para resolver o problema das pessoas, mas muito competentes a aproveitar a desilusão e a revolta dos que, perante o aprofundamento das desigualdades, vão ficando cada vez mais para trás. Como se explica a estas pessoas que é um erro votar na extrema-direita? Não se explica. Infelizmente, ainda vamos assistir a muita maldade por essa Europa fora, até que toda a gente perceba o valor da solidariedade. Mas, se o capitalismo desumanizado empurra os trabalhadores para os braços da extrema-direita, não se culpem os trabalhadores.

* Jornalista

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