domingo, 11 de maio de 2025

Angola | Vigília Contra a Liberdade -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda >

Angola Julho de 1974. O Almirante Rosa Coutinho chegou a Angola como presidente da Junta Governativa, quando os independentistas brancos e seus esquadrões da morte punham os musseques de Lunda a ferro e fogo. Milhares de civis mortos. A Imprensa, propriedade dos colonos milionários, apoiava os massacres. 

A Rádio Eclésia denunciava as execuções (limpeza étnica) nos espaços dos realizadores independentes: Sebastião Coelho, Brandão Lucas e Zé Maria. A Voz de Angola informava, doutrinava e esclarecia nos programas A Voz Livre do Povo e Contacto Popular. Os oficiais do Movimento das Forças Armadas (MFA) que dirigiam a Emissora Oficial (RNA), Comandante Garrido Borges e Capitão Alcântara de Melo, reestruturaram a Informação da estação para ficar de acordo com os “novos tempos” da Revolução de Abri.

O Almirante Rosa Coutinho iniciou funções e imediatamente travou a fundo os esquadrões da morte e outras organizações dos independentistas brancos. Taxistas, agentes da polícia portuguesa e bufos da PIDE invadiram o Palácio da Cidade Alta com a intenção de lincharem o presidente da Junta Governativa. Falharam. Líderes independentistas foram expulsos de Angola. A mesma “tropa” invadiu os Estúdios Norte, na Travessa da Sé, onde Sebastião Coelho produzia e realizava o seu programa Café da Noite. Partiram tudo. O radialista escondeu-se no telhado e assim escapou ao linchamento. A intimidação funcionou. Ele extinguiu o programa.

Os mesmos grupos extremistas cercaram a emissora Voz de Angola para invadirem o estúdio onde Manuel Berenguel apresentava e produzia o programa A Voz Livre do Povo, que ia pra o ar entre as 19 e as 20 horas. No estúdio ao lado, Zé (ZAN) Andrade e eu preparávamos o programa Contacto Popular, que ia par o ar depois do noticiário das 20 horas. Fomos todos enfrentar os invasores: Guardas, técnicos e jornalistas. Fugiram! Gravámos o som das ameaças e inultos. Fizemos dois programas especiais. Para impedir novas investidas, o secretário da Informação, Comandante Correia Jesuíno, mandou reforçar a guarda com fuzileiros navais.

Uns dias antes da tomada de posse do Governo de Transição, uma delegação da FNLA foi à Emissora Oficial (RNA) para matar os jornalistas e depois fazer uma vigília. Os guardas eram agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) e deixaram entrar os matadores. Fui recebê-los à entrada do edifício e corri com eles. Os agentes da polícia assistiram a tudo como se não tivessem nada a ver com o assunto. Alguns invasores estavam armados! Informei-os que na próxima eram recebidos por gente igualmente armada.

Uns dias depois, já com o Governo de Transição, mandaram uma delegação de Daniel Chipenda, irmão dilecto da FNLA, kaxiko dos racistas de Pretória e o provocador de serviço. A mesma cena. Os polícias deixaram entrar os bandoleiros. Corri com eles.  Avisei com uma linguagem insultuosa, que ali ninguém se deixava intimidar. Tudo mentira. Eu estava cheio de medo. Mas se iam matar-me e depois fazer a vigília, pelo menos os matadores ficavam a saber que não nos intimidavam. Logo a seguir, os secretários de Estado da Informação da UNITA e da FNLA foram à Rádio para censurarem os noticiários. 

Nem morto! Escondi as notícias das 13 horas e foram para o ar sem censura, às 13 em ponto. Os censores foram embora, deprimidos e frustrados. Queriam fazer uma vigília à porta da RNA mas desistiram porque mal terminou o noticiário fui ao gabinete do director e despedi-o assim: Seu filho da pata que te pôs! Perdi a confiança em ti. Não trabalhas mais comigo. 

Só voltei em 1992. Ao final de uma manhã de sábado, estava na RNA com o ministro da Informação, Rui de Carvalho, o director-geral da Rádio, César Barbosa, e o director da TPA José Guerreiro. Um oficial da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) informou que pelo menos 100 homens armados da UNITA avançavam a partir da Maianga, pela Zona Verde. O objectivo era atacar a estação. Iam matar-nos e depois fazer uma vigília. Num instante chegaram homens da corporação para reforçarem os que já defendiam as instalações. Grande tiroteio na vigília. Mas os matadores encontraram tanto fogo que recuaram. Não nos intimidaram.

Esta quinta-feira a UNITA convocou uma vigília para as instalações da Rádio Nacional. Apareceram dezenas de deputados e jagunços ou jagunços deputados. Velas acesas por alma dos jornalistas da emissora. Intimidação pura e dura. Ataque intolerável à liberdade de imprensa. Cerco ameaçador a um órgão de comunicação social. Regresso aos esquadrões da morte de 1974 e 1975. Regresso aos “comandos” assassinos de Ben Ben e Salupeto Pena no arranque da rebelião armada, após a derrota eleitoral de Savimbi e do Galo Negro.

A Ordem dos Advogado de Angola não condenou este atentado ao coração do regime democrático. Os excelentíssimos bastonários passados também não se pronunciaram. O Sindicato dos Jornalistas está em silêncio. A investigadora Cesaltina Abreu silenciosa. Nem peida. As leis eleitorais são a sua especialidade. O Luaty Beirão, nada na manga. Este grande democrata também se chama Brigadeiro Mata Frakus. Na ganza da política virou General Leva nos Cornos dos Fortes. O ministro da tutela é irrisório politicamente. Não foi capaz de condenar este gravíssimo atentado à liberdade de imprensa. Ignorou as vítimas que são as e os jornalistas da RNA. O MPLA adoptou um silêncio sepulcral.

O Tribunal da Relação de Luanda aceitou uma providência cautelar e assim impediu o “diálogo nacional sobre o pacote legislativo eleitoral” organizado pela Ordem dos Advogados de Angola. Os argumentos dos advogados que assinaram a providência cautelar são interessantes. O Acórdão dos desembargadores também é muito interessante. O comunicado dos antigos bastonários da Ordem dos Advogados é interessantíssimo. Todos têm argumentos válidos e bem fundamentados. Eu não reconheço qualquer motivo válido que impeça o diálogo sobre um pacote legislativo. Mas também não estou inscrito na Ordem dos Advogados.

A Cesaltina Abreu e o Luaty Beirão ficaram admirados porque a decisão do Tribunal foi célere. A ignorância é muito atrevida. Se a decisão fosse morosa não tinha qualquer efeito. Como não tem qualquer efeito a queixa da Ordem do Advogados ao Tribunal Constitucional. É só conversa e baixa política. Este episódio é mais uma pedrada no edifício da Justiça. 

A dois anos do fim do mandato de João Lourenço tudo tresanda a podridão. Chegou a hora da direcção do MPLA assumir as suas responsabilidades e retirar o apoio político ao Presidente da República. Até ao congresso a liderança partidária fica a cargo do Bureau Político. Antes que João Lourenço acabe com o MPLA, o partido tem de cortar com ele. Ou acaba como a FNLA.

* Jornalista

Imagem: Almirante Rosa Coutinho/RTP arquivos

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