A manifestação de
apoio aos jornalistas do semanário de Cantão que terá sido alvo de censura
contou ontem com a presença de activistas de Macau, para os quais a publicação
é ainda a única voz independente no Continente. No largo do Senado também foram
empunhados cartazes pela liberdade de imprensa.
Maria Caetano –
Ponto Final - hoje
As manifestações de
apoio à equipa redactorial do jornal Southern Weekly (“Nanfang Zhoumo”),
mantiveram-se ontem, pelo segundo dia, à porta das instalações do grupo de
media, em Cantão, com a presença de activistas de Macau. Também no Largo do
Leal senado, uma pequena iniciativa promovida por quatro jornalistas assinalou
a polémica, na qual os trabalhadores do Southern Newspaper media Group alegam
ter sido alvo de censura por parte do chefe do Departamento de Propaganda na
capital de Guangdong, Tuo Zhen, e das chefias da publicação.
Na última
segunda-feira, cerca de três centenas de pessoas concentraram-se à porta do
Southern Weekly. Ontem, os protestos contra a censura e pela liberdade de
imprensa prosseguiram com uma centena de pessoas, entre as quais cinco
residentes de Macau.
“Estavam lá mais de
100 pessoas, a maioria a apoiar o ‘Southern Weekly’”, descreve Roy Choi Chi
Chio, que com outros quatro residentes decidiu participar na manifestação da
província vizinha. “Algumas pessoas tinham com elas a bandeira nacional e
imagens de Mao para apoiar o Governo e acusar o jornal de traição – os outros
chamavam-lhes ‘partido dos 50 cêntimos’”, conta, sobre um grupo de indivíduos
que se reuniu junto às instalações, não para apoiar os jornalistas, mas antes
para os criticar.
A expressão “partido
dos 50 cêntimos” (“wu jiao dan”) constitui jargão dos internautas chineses para
aludirem àqueles que alegadamente são pagos pelas autoridades do país para
publicarem comentários favoráveis ao Partido Comunista Chinês nos microblogues
e redes sociais. A nota de cinco jiao – no valor de 50 cêntimos – foi acenada
contra o grupo que criticava o jornal. “As duas partes tiveram algumas
discussões”, diz Choi, membro da Associação Novo Macau.
“Sonho da
constitucionalidade”
Os protestos foram
motivados por alegados cortes e alterações ao editorial de Ano Novo da edição
publicada a 3 de Janeiro do Southern Weely. Segundo fizeram saber os
jornalistas da publicação, em comunicado publicado através de microblogues,
originalmente o texto apelava “à realização do grande sonho da
constitucionalidade”, acabando o título da coluna por ser alterado para
“Estamos mais perto do que nunca da realização do nosso sonho”.
“Apenas se a
constitucionalidade for alcançada e se o poder for efectivamente vigiado, os
cidadãos poderão em tom alto e confiante expressar as suas críticas. E apenas
então cada pessoa poderá crer, no seu coração, de que é livre de viver a sua
vida. Só então poderemos construir uma nação verdadeiramente forte e livre”,
propalava o texto original, traduzido pelo China Media Project, uma organização
com sede em Hong Kong, citada na imprensa internacional.
Entre as mudanças,
que acabaram por suavizar o discurso pró-reformista do editorial, foram também
publicadas gralhas, que incluíam o uso de caracteres errados e a deturpação de
expressões coloquiais comuns, contra as quais se insurgiram numa primeira hora
os editores do jornal. Nos contactos através da rede de microblogues chinesa
Sina Weibo, acusavam o chefe do Departamento de propaganda de Guangdong de ter alterado
o texto sem que este tivesse sido sujeito a nova revisão. Durante o última
fim-de-semana, no sábado, exigiram uma investigação ao caso junto da direcção
do jornal.
O pessoal do jornal
publicou nesse dia uma carta aberta na qual denunciava uma situação continuada
de violação da liberdade de imprensa. “O que aconteceu foi apenas o disparar do
gatilho. Um cálculo incompleto mostra que em 2012 o Southern Wekly teve 1304
artigos alterados ou que acabaram por não ser publicados. O jornal sofreu no
ano passado uma acção de censura inaudita, que eliminou artigos e até páginas
inteiras”, citou a organização internacional Uncut – Index on Censorship, que
monitoriza a situação da imprensa no Irão, China, México e Egipto.
De acordo com um
outro comunicado dos funcionários, citado ontem pelo South China Morning Post,
as rasuras e alterações terão sido da iniciativa da própria administração do
jornal. O texto explicou que o secretario do partido no Nanfang media Group,
Yang Jian, e um director do departamento de informação do grupo terão exigido
as mudanças no editorial e a inserção de uma introdução elogiosa para o Partido
Comunista Chinês.
De acordo com o
comunicado dos jornalistas, a ordem para alterações foi dada a Huang Can,
editor-chefe do Southern Weekly, que por seu turno pediu a Wu Xiaofeng, seu
número dois, que redigisse o texto. O editorial foi entregue ao director de
informação do grupo, que finalizou a redacção. Nenhuma das mudanças foi
consentida pelo editor original do texto, segundo adiantava ontem a imprensa de
Hong Kong.
“O jornal mais
aberto do Continente”
Apesar de ameaças
de greve por parte dos jornalistas da publicação, as operações do semanário
deverão ter prosseguido normalmente e nenhum funcionário foi identificado nas
manifestações de apoio de ontem e de segunda-feira. Roy Choi confirna: “Não vi
ninguém do Southern Weekly na manifestação. Acho que continuam a trabalhar
normalmente. Não sei qual a posição deles agora. Através do weibo
(microblogue), sei apenas que estão furiosos como nunca”.
Não obstante a
tensão entre os dois grupos de manifestantes, as autoridades de segurança
limitaram a intervenção junto dos manifestantes. “A polícia tentou apenas
manter a ordem e manteve o controlo da situação. Mas alguns agentes filmavam os
manifestantes, preparando-se para instalar uma câmara de CCTV numa árvore da
rua. Os manifestantes indignaram-se e perguntaram de quem era a ordem. Dois
funcionários desistiram então da tarefa de instalar a câmara, mas deverão ter
terminado o trabalho durante a noite”, explica Choi.
O grupo de Macau, à
semelhança do que tem vindo a ser norma nas organizações juvenis locais,
combinou a deslocação a Cantão através da rede social Facebook, na noite de
segunda-feira, e partiu ontem cedo a capital provincial.
A causa dos jornalistas
da cidade é abraçada Choi e pelos outros jovens como essencial para a abertura
política do país. “A censura fez com que a velocidade da reforma política na
China abrandasse, com intervenção brutal do Governo e do partido, que não dizem
a verdade à população. O Southern Weekly é o jornal mais aberto do Continente.
Se algum dia for silenciado, não sei o que poderá acontecer”, diz o activista
de Macau.
“As pessoas já não
aguentam mais o discurso da hipocrisia. Este acontecimento vai levar a que mais
pessoas se oponham publicamente ao Governo e ao partido”, acredita o jovem,
esperando que a reforma do sistema político possa ser precipitada o mais cedo
possível.
“Há quem se ande a
esforçar de mais”
Sem uma deslocação
a Cantão, mas com os jornalistas do Southern Weekly em mente, quatro
profissionais da imprensa local organizaram também uma pequena iniciativa de
apoio no Largo do Leal Senado. Ava Chan esteve entre os que acenaram cartazes
onde se podia ler “Ainda que o Southern Weekly seja silenciado, há ainda
milhares de pessoas que desejam ouvir a verdade”.
A jornalista da
publicação online All About Macau e membro da Associação dos Jornalistas de
Macau explica que “não foi uma acção muito organizada”.
“Apenas escrevemos
no Facebook e convidámos as pessoas interessadas a juntarem-se a nós. Além de
mim, estiveram outros três jornalistas. Foi algo de muito pequena escala.
Escrevemos cartazes e exibimo-los em apoio ao jornal Southern Weekly, de
Cantão. Tirámos uma foto e publicámo-la no Facebook”, descreve.
A fraca adesão
reflecte a espontaneidade da acção, e também o que Chan considera ser a pouca
preocupação da população local com o que sucede do lado d ela da fronteira. “A
sociedade não está muito preocupada com o que se passou nos últimos dias. As
pessoas entendem que é algo que apenas afecta os media de Cantão, que tem pouco
que ver com o seu quotidiano. Mas, para mim, é uma intromissão que começa no
Continente, mas pode alargar-se a Hong Kong, Taiwan e Macau”, considera.
“Se não fizermos
nada agora em reacção ao controlo e supressão pelo Governo [Central], em breve
teremos uma mão maior a impedir-nos de reportar a verdade”, defende.
Para a jornalista,
“há situações óbvias, com um aumento dos casos [de interferência nos media] nos
últimos dois anos em Taiwan, Hong Kong e Macau – e, naturalmente, no
Continente”. “A frequência está a agravar-se. Se não reagirmos, irá certamente
piorar”.
A censura a que se
refere, entende também, é muitas vezes auto-infligida nas órgãos de imprensa –
e, por vezes, devido a receios infundados. “De alguma forma, há quem se ande a
esforçar de mais. Talvez quadros médios nos media ou em departamentos de
Governo ligados aos media sejam demasiado zelosos dos interesses dos seus
patrões. Têm medo de expor opiniões diferentes daquelas que pensam que são a do
patrão, ainda que não seja este o caso. Quem está no meio pensa demasiado”,
afirma.
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