quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

ATIVISTAS DE MACAU COM O SOUTHERN WEEKLY




A manifestação de apoio aos jornalistas do semanário de Cantão que terá sido alvo de censura contou ontem com a presença de activistas de Macau, para os quais a publicação é ainda a única voz independente no Continente. No largo do Senado também foram empunhados cartazes pela liberdade de imprensa.

Maria Caetano – Ponto Final - hoje

As manifestações de apoio à equipa redactorial do jornal Southern Weekly (“Nanfang Zhoumo”), mantiveram-se ontem, pelo segundo dia, à porta das instalações do grupo de media, em Cantão, com a presença de activistas de Macau. Também no Largo do Leal senado, uma pequena iniciativa promovida por quatro jornalistas assinalou a polémica, na qual os trabalhadores do Southern Newspaper media Group alegam ter sido alvo de censura por parte do chefe do Departamento de Propaganda na capital de Guangdong, Tuo Zhen, e das chefias da publicação.

Na última segunda-feira, cerca de três centenas de pessoas concentraram-se à porta do Southern Weekly. Ontem, os protestos contra a censura e pela liberdade de imprensa prosseguiram com uma centena de pessoas, entre as quais cinco residentes de Macau.

“Estavam lá mais de 100 pessoas, a maioria a apoiar o ‘Southern Weekly’”, descreve Roy Choi Chi Chio, que com outros quatro residentes decidiu participar na manifestação da província vizinha. “Algumas pessoas tinham com elas a bandeira nacional e imagens de Mao para apoiar o Governo e acusar o jornal de traição – os outros chamavam-lhes ‘partido dos 50 cêntimos’”, conta, sobre um grupo de indivíduos que se reuniu junto às instalações, não para apoiar os jornalistas, mas antes para os criticar.

A expressão “partido dos 50 cêntimos” (“wu jiao dan”) constitui jargão dos internautas chineses para aludirem àqueles que alegadamente são pagos pelas autoridades do país para publicarem comentários favoráveis ao Partido Comunista Chinês nos microblogues e redes sociais. A nota de cinco jiao – no valor de 50 cêntimos – foi acenada contra o grupo que criticava o jornal. “As duas partes tiveram algumas discussões”, diz Choi, membro da Associação Novo Macau.

“Sonho da constitucionalidade”

Os protestos foram motivados por alegados cortes e alterações ao editorial de Ano Novo da edição publicada a 3 de Janeiro do Southern Weely. Segundo fizeram saber os jornalistas da publicação, em comunicado publicado através de microblogues, originalmente o texto apelava “à realização do grande sonho da constitucionalidade”, acabando o título da coluna por ser alterado para “Estamos mais perto do que nunca da realização do nosso sonho”.

“Apenas se a constitucionalidade for alcançada e se o poder for efectivamente vigiado, os cidadãos poderão em tom alto e confiante expressar as suas críticas. E apenas então cada pessoa poderá crer, no seu coração, de que é livre de viver a sua vida. Só então poderemos construir uma nação verdadeiramente forte e livre”, propalava o texto original, traduzido pelo China Media Project, uma organização com sede em Hong Kong, citada na imprensa internacional.

Entre as mudanças, que acabaram por suavizar o discurso pró-reformista do editorial, foram também publicadas gralhas, que incluíam o uso de caracteres errados e a deturpação de expressões coloquiais comuns, contra as quais se insurgiram numa primeira hora os editores do jornal. Nos contactos através da rede de microblogues chinesa Sina Weibo, acusavam o chefe do Departamento de propaganda de Guangdong de ter alterado o texto sem que este tivesse sido sujeito a nova revisão. Durante o última fim-de-semana, no sábado, exigiram uma investigação ao caso junto da direcção do jornal.

O pessoal do jornal publicou nesse dia uma carta aberta na qual denunciava uma situação continuada de violação da liberdade de imprensa. “O que aconteceu foi apenas o disparar do gatilho. Um cálculo incompleto mostra que em 2012 o Southern Wekly teve 1304 artigos alterados ou que acabaram por não ser publicados. O jornal sofreu no ano passado uma acção de censura inaudita, que eliminou artigos e até páginas inteiras”, citou a organização internacional Uncut – Index on Censorship, que monitoriza a situação da imprensa no Irão, China, México e Egipto.

De acordo com um outro comunicado dos funcionários, citado ontem pelo South China Morning Post, as rasuras e alterações terão sido da iniciativa da própria administração do jornal. O texto explicou que o secretario do partido no Nanfang media Group, Yang Jian, e um director do departamento de informação do grupo terão exigido as mudanças no editorial e a inserção de uma introdução elogiosa para o Partido Comunista Chinês.

De acordo com o comunicado dos jornalistas, a ordem para alterações foi dada a Huang Can, editor-chefe do Southern Weekly, que por seu turno pediu a Wu Xiaofeng, seu número dois, que redigisse o texto. O editorial foi entregue ao director de informação do grupo, que finalizou a redacção. Nenhuma das mudanças foi consentida pelo editor original do texto, segundo adiantava ontem a imprensa de Hong Kong.

“O jornal mais aberto do Continente”

Apesar de ameaças de greve por parte dos jornalistas da publicação, as operações do semanário deverão ter prosseguido normalmente e nenhum funcionário foi identificado nas manifestações de apoio de ontem e de segunda-feira. Roy Choi confirna: “Não vi ninguém do Southern Weekly na manifestação. Acho que continuam a trabalhar normalmente. Não sei qual a posição deles agora. Através do weibo (microblogue), sei apenas que estão furiosos como nunca”.

Não obstante a tensão entre os dois grupos de manifestantes, as autoridades de segurança limitaram a intervenção junto dos manifestantes. “A polícia tentou apenas manter a ordem e manteve o controlo da situação. Mas alguns agentes filmavam os manifestantes, preparando-se para instalar uma câmara de CCTV numa árvore da rua. Os manifestantes indignaram-se e perguntaram de quem era a ordem. Dois funcionários desistiram então da tarefa de instalar a câmara, mas deverão ter terminado o trabalho durante a noite”, explica Choi.

O grupo de Macau, à semelhança do que tem vindo a ser norma nas organizações juvenis locais, combinou a deslocação a Cantão através da rede social Facebook, na noite de segunda-feira, e partiu ontem cedo a capital provincial.

A causa dos jornalistas da cidade é abraçada Choi e pelos outros jovens como essencial para a abertura política do país. “A censura fez com que a velocidade da reforma política na China abrandasse, com intervenção brutal do Governo e do partido, que não dizem a verdade à população. O Southern Weekly é o jornal mais aberto do Continente. Se algum dia for silenciado, não sei o que poderá acontecer”, diz o activista de Macau.
“As pessoas já não aguentam mais o discurso da hipocrisia. Este acontecimento vai levar a que mais pessoas se oponham publicamente ao Governo e ao partido”, acredita o jovem, esperando que a reforma do sistema político possa ser precipitada o mais cedo possível.

“Há quem se ande a esforçar de mais”

Sem uma deslocação a Cantão, mas com os jornalistas do Southern Weekly em mente, quatro profissionais da imprensa local organizaram também uma pequena iniciativa de apoio no Largo do Leal Senado. Ava Chan esteve entre os que acenaram cartazes onde se podia ler “Ainda que o Southern Weekly seja silenciado, há ainda milhares de pessoas que desejam ouvir a verdade”.

A jornalista da publicação online All About Macau e membro da Associação dos Jornalistas de Macau explica que “não foi uma acção muito organizada”.

“Apenas escrevemos no Facebook e convidámos as pessoas interessadas a juntarem-se a nós. Além de mim, estiveram outros três jornalistas. Foi algo de muito pequena escala. Escrevemos cartazes e exibimo-los em apoio ao jornal Southern Weekly, de Cantão. Tirámos uma foto e publicámo-la no Facebook”, descreve.

A fraca adesão reflecte a espontaneidade da acção, e também o que Chan considera ser a pouca preocupação da população local com o que sucede do lado d ela da fronteira. “A sociedade não está muito preocupada com o que se passou nos últimos dias. As pessoas entendem que é algo que apenas afecta os media de Cantão, que tem pouco que ver com o seu quotidiano. Mas, para mim, é uma intromissão que começa no Continente, mas pode alargar-se a Hong Kong, Taiwan e Macau”, considera.

“Se não fizermos nada agora em reacção ao controlo e supressão pelo Governo [Central], em breve teremos uma mão maior a impedir-nos de reportar a verdade”, defende.

Para a jornalista, “há situações óbvias, com um aumento dos casos [de interferência nos media] nos últimos dois anos em Taiwan, Hong Kong e Macau – e, naturalmente, no Continente”. “A frequência está a agravar-se. Se não reagirmos, irá certamente piorar”.

A censura a que se refere, entende também, é muitas vezes auto-infligida nas órgãos de imprensa – e, por vezes, devido a receios infundados. “De alguma forma, há quem se ande a esforçar de mais. Talvez quadros médios nos media ou em departamentos de Governo ligados aos media sejam demasiado zelosos dos interesses dos seus patrões. Têm medo de expor opiniões diferentes daquelas que pensam que são a do patrão, ainda que não seja este o caso. Quem está no meio pensa demasiado”, afirma.

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