Alberto Pinto
Nogueira* – Público, opinião
Crime é o
comportamento humano que uma lei anterior à sua prática declarou passível de
uma pena.
Falo como jurista
módico que fui e nem é preciso ser um emérito catedrático para entender que é,
pura e simplesmente, criminoso o que a União Europeia (UE) tem submetido
alguns dos seus estados. Não apenas politicamente, mas também no sentido
restrito: crime, facto que cabe no que as leis penais desenham como matéria
criminal.
O que agora a UE, o
Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu impuseram a uma pequena
ilha do Mediterrâneo – Chipre – constitui um acto criminoso que se chama furto,
se não até um roubo. Ou abuso de confiança.
Angela Merkel, nova
imperatriz da Europa, esqueceu – se alguma vez teve presente – não só os
trágicos acontecimentos da Segunda Guerra como ainda os ensinamentos que o
também seu compatriota, escritor e filósofo, Thomas Mann, no seu discurso de
1953, em Hamburgo, transmitiu: “…os alemães não devem voltar nunca mais a
aspirar a uma Europa alemã…”. E, num ápice, lateralizou, que lhe convém, o
acordo de Londres de 1953.
Nessa altura, 26
países (Grécia, Espanha, Itália, Irlanda e os restantes) perdoaram a dívida de
milhões de dólares à Alemanha, permitiram-lhe longos prazos de amortização,
condicionaram o pagamento das prestações à sua capacidade financeira, sendo
que, e apesar disso, por várias vezes, a Alemanha não cumpriu o acordado. E as
razões de uma dívida monstruosa como era a da Alemanha, não vinha de má gestão,
de más políticas, mas antes de uma guerra devastadora que dizimou milhões de
seres humanos. Há, apesar de tudo, um grande distanciamento.
O ano de 1953 não
se perdeu, propriamente, nos confins da História ou nos primórdios da
Humanidade. Está ainda ali na porta de trás do nosso tempo e do de Angela
Merkel, que entende que a Europa é dela porque a herdou, comprou e, para tirar
dúvidas, a conquistou. Como o outro diria!
E, já que assim
supõe, impôs aos “parceiros” da eurolândia que se subordinasse o resgate
financeiro de Chipre à cobrança de uma taxa de 6,75% aos depósitos bancários
inferiores a 100.000 euros e de 9,99% aos que ficarem acima de tal patamar.
E o Governo de
Chipre, ainda de tenra idade, já assimilou as regras: subordinação e ajoelhar
às normas de Angela Merkel. Sem lei alguma, congelou as contas bancárias dos
cidadãos cipriotas, encerrando os bancos. Que se saiba, os depósitos bancários
têm um fundamento jurídico, um contrato: o banco guarda o dinheiro, é só fiel
depositário, deve devolvê-lo quando e sempre que o cliente quiser. Em Chipre, o
Governo deu ordens aos bancos, estes aos funcionários e os clientes ficaram sem
o dinheiro. Sem qualquer norma jurídica que revogasse os termos de tais
contratos. Sem sequer aprovação da medida pelo Parlamento cipriota.
E isto significa
que, por ordem do Eurogrupo, sempre às ordens da “morsa adormecida”, na feliz
expressão de Eduardo Prado Coelho, os cidadãos cipriotas foram objecto de
abusos de confiança ou furtos em massa.
Se é que, pela Europa fora, ainda vigora aquela normazinha da Declaração
Universal dos Direitos do Homem que lá nos ia permitindo ser um pouquinho
proprietários das nossas poupanças, salários, reformas e empréstimos nos bancos
depositados. Na sequência de tal norma universal é que as Constituições da
Europa e os Códigos Penais de todos os países nos vieram dizer que é crime
fazer o que se fez aos cidadãos cipriotas.
Mas Angela Merkel e
seus “compagnons de route” seguem antes aquele princípio do secretário-geral do
seu partido e que diz que a “Europa fala alemão”, desprezando o seu filósofo e
escritor Thomas Mann.
Mas para onde nos
leva?
*O autor é
procurador-geral adjunto
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