quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Portugal: O MENTIROSO

 


Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião
 
Pouco há a fazer senão demonstrarmos a nossa indignada repulsa. O homem é um mentiroso compulsivo. Há dois anos ameaçou-nos com o empobrecimento, "única alternativa", dizia, à soberba que de nós se apossara para vivermos "acima das nossas possibilidades." Íamos, pois ficar mais pobres do que temos sido. Depois, como a Fénix que renasce das cinzas, gozaríamos de um cintilante futuro. O rol de miséria que se seguiu causou-nos infortúnios e desditas sem nome. Agora, o mesmo homem, possuído de amnésia contumaz, veio afirmar que nenhum político seria capaz de afirmar tal destino. A SIC, pressurosa e cheia de zelo informativo, foi aos arquivos e retransmitiu a primeira e a segunda mensagens. Acaso para avivar a lembrança do desmemoriado ou, simplesmente, para reforçar o que dele sabemos: transformou a mentira numa banalidade.
 
O pior de tudo é que não nos podemos esconder nem fugir deste homem. Ele está em todo o lado, com rostos diversos e múltiplos, a mesma voz enfática, a mesma mentira travestida, as mesmas maneiras afáveis e frias. Mentir a nós, que temos cama, mesa e roupa lavada asseguradas, é o menos. Mentir aos desempregados, aos velhos, aos miúdos famintos nas escolas, aos moços e moças que não sabem o que fazer porque lhes foi tirada a mais ínfima parcela de sonho - essa, sim, é uma mentira monstruosa, a merecer todas as maldições, os maiores dos desprezos, a mais vil de todas as execrações.
 
Como é possível que haja gente, presuntivamente de bem, a apoiar este mentiroso que não só nos empobreceu materialmente como nos enfraqueceu a alma, nos amolgou o espírito com perseverança infame, e continua a impelir-nos para uma perdição tão maldosa que, ela própria, nos escapa; como é possível?
 
A mentira multiplicada quebrou a coesão e colocou portugueses contra portugueses, numa endemia moral que irá prolongar-se. Com extrema dificuldade, os governos que se seguirão conseguirão repor o que nos indicava como o povo mais lógico, por mais unido, da Europa. O mentiroso conseguiu o que mais ninguém obteve, com repressão ou com o montante. Levou-nos até ao desgosto da palavra, porque houve quem acreditasse na voz de tenor, falsamente casta, e na insistência maviosa dos temas.
 
Redignificar a função, reabilitar a grandeza do falar verdade, é tarefa de resgate incomum; e não vejo quem disponha da elevação necessária e urgente para tal empreitada. Os políticos entenderam a facilidade como norma de uma vitória sobre o tempo, e abandonaram, por incúria e ignorância, as convicções e a consciência de missão. O seu combate é outro. E no caso português muito mais evidente, pelas debilidades culturais dos intervenientes. O mentiroso comum é desprezível; o mentiroso político, abominável: pertence a uma época estimulada pela incerteza, e incapaz de se opor às estruturas ideológicas que tomaram conta da Europa.
 
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico
 

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