quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

NATAL DOS POBRES

 


Quando a mulher adormeceu
naquela noite de Natal,
o homem foi, pé ante pé,
pôr um sapato (dela, não seu)
com um embrulho de jornal
na lareirinha da chaminé.
Um casal pobre... um ano mau...
Era um pedaço de bacalhau.
Ora alta noite, pela janela,
com fome e frio, entrou um gato
que, no escuro, cheirando aquela
comida boa no sapato,
rasgou o embrulho, comeu, comeu
e, quente e farto, adormeceu.
De manhã cedo, ela acordou,
foi à cozinha e viu o gatinho
adormecido no seu sapato.
Voltando ao quarto, feliz, falou
para o seu homem: -- Meu amorzinho,
como soubeste que eu queria um gato?

 

Portugal: Somos todos familiares ou amigos de alguém que está a empobrecer

 

Luís Lima* - Sol, opinião
 
Para que servem as estatísticas? Como devemos reagir quando as estatísticas oficiais da União Europeia dizem que um quarto da população portuguesa se encontra em risco de pobreza ou de exclusão social, percentagem ligeiramente superior a 25%, valor que subiu um ponto percentual face à última estimativa?
 
Em Portugal, 2.700.000 portugueses estão no patamar da pobreza ou enfrentam um risco elevado de pobreza e ou de exclusão social. Com estes números, a probabilidade de cada um ter alguém da família ou conhecido próximo nestas circunstâncias é muitíssimo elevada. Somos todos familiares ou amigos de alguém que está a ficar pobre.
 
Há quem esteja pior, dirão os mais optimistas. Quase metade da população da Bulgária, mais precisamente 49%, está em risco de entrar para o exército dos pobres, que em toda a União, ultrapassa já os 124 milhões de cidadãos europeus, ou seja quase um quarto da população total da União Europeia.
 
Na frieza das notícias estatísticas, revela-se que o Eurostat, o departamento que contabiliza estes números, contempla sempre pelo menos uma de três formas de exclusão para considerar o risco de pobreza - pessoas claramente pobres, pessoas em situação de privação material grave e pessoas que vivam em agregados familiares com muito fraca intensidade de trabalho.
 
A fronteira situa-se no rendimento anual líquido inferior a 60% do rendimento médio líquidos dos adultos no país de referência, o que significa que este valor de referência também está em permanente queda, fazendo com que os pobres sejam cada vez mais pobres. Como se explica isto num país onde a esmagadora maioria das famílias possui casa própria?
 
Muitos destes proprietários integram já aquele quarto da população portuguesa referenciado pelo Eurostat como estando em risco de pobreza, num levantamento estatístico tornado público, por coincidência, no dia da chegada a Lisboa de mais uma missão da troika para avaliação do programa de assistência financeira a Portugal.
 
Será para acentuar este empobrecimento colectivo que há quem continue a apostar na desvalorização artificial do património construído e adquirido com tanto sacrifício pelas famílias portuguesas? Neste quadro, e ao invés do que acontece, o imobiliário português devia assumir-se como via para a nossa recuperação económica.
 
Isto obriga a que a aposta em projectos viáveis e necessários, como os da Reabilitação Urbana, não seja apenas um tema politicamente correcto para desenvolver em colóquios e encontros temáticos sobre a crise, assumindo-se, pelo contrário, como uma via para a recuperação da nossa economia, pela captação de investimentos e pela reanimação do turismo nas cidades.
 
Não devemos aceitar uma condenação sumária à pobreza como castigo por quaisquer pecados económicos, pecados cuja responsabilidade real está por provar que tenha sido nossa. E devemos, isso sim, potenciar o que conseguimos acumular sem desbaratar uma das nossas principais riquezas, o património imobiliário que fomos construindo.
 
*Presidente da APEMIP, assina esta coluna semanalmente
 

Greenwald acusa Agência de Segurança Nacional de chantagem - Carlos Latuff

 


Em depoimento ao Parlamento Europeu, jornalista afirmou que agência monitora dados por motivos diplomáticos e econômicos
 
Carlos Latuff, Rio de Janeiro – Opera Mundi
 
O cartunista e ativista Carlos Latuff é colaborador de Opera Mundi. Seu trabalho, que já foi divulgado em diversos países, é conhecido por se dedicar a diversas causas políticas e sociais, tanto no Brasil quanto no exterior. Para encontrar outras charges do autor, clique aqui.
 

POLÍTICA E IDEOLOGIA NA CHINA CONTEMPORÂNEA

 


Gruas e guindastes representam mais a China de hoje do que a foice e o martelo. São esses os grandes símbolos nacionais na atualidade.
 
Vinicius Wu – Carta Maior
 
A política chinesa é um dos maiores enigmas do mundo contemporâneo. A vitalidade e a estabilidade do regime comunista, duas décadas após a falência de seus congêneres do Leste Europeu, seguem intrigando analistas e observadores de diferentes países e vertentes ideológicas. As questões levantadas a seguir pretendem refletir sobre a estrutura política que, afinal, dará suporte àquela que será, em breve, a maior economia do planeta.

Especular sobre o presente e o futuro da nação de 1,3 bilhões de seres humanos é algo tão tentador quanto necessário - ao menos para aqueles que se preocupam com a compreensão do mundo no qual vivemos. Mas, de antemão, é preciso reconhecer que se trata de um terreno arriscado, afinal, a desinformação a respeito da realidade chinesa segue contribuindo para a reprodução de uma série de estereótipos em torno de diagnósticos pouco precisos no Ocidente. Além disso, a experiência nos ensina que análises a respeito da estabilidade de um determinado regime político devem ser cautelosas e pacientes. A história costuma ser bastante irônica com avaliações marcadas por assertivas definitivas e certezas irrevogáveis.

Consideradas essas premissas, é possível iniciar nosso raciocínio a partir da constatação de que o discurso de legitimação do regime transitou, nos últimos anos, do comunismo ao nacionalismo, perfazendo um caminho, aparentemente, sem volta. O partido comunista da China esforça-se, cada vez mais, em ser o partido "da" China.

A mobilização do orgulho chinês está diretamente relacionada à outra fonte fundamental de legitimação do regime que é a euforia diante do êxito econômico da China nas últimas décadas.

De tudo aquilo que se pode observar na China contemporânea, talvez nada parecerá tão óbvio quanto o fato do crescimento e da prosperidade terem se tornado dois dos pilares fundamentais da manutenção da hegemonia do Partido Comunista. Os dirigentes do partido sabem o quanto a satisfação das necessidades materiais dos chineses está diretamente relacionada à estabilidade política do país e, sob esse aspecto, o sistema tem sido extremamente eficiente.

Crescer, enriquecer e ir além do que já conquistaram - enquanto nação ou indivíduos - parece ter se tornado uma verdadeira obsessão nacional. Por toda parte, observa-se uma frenética corrida em direção ao crescimento, apoiado, principalmente, em pesados investimentos em infraestrutura, na expansão da indústria automobilística e na construção civil. Gruas e guindastes representam mais a China de hoje do que a foice e o martelo. São esses os grandes símbolos nacionais na atualidade.

Porém, os constrangimentos à manutenção do atual modelo são visíveis aos olhos do mais distraído observador que caminhe pelas imensas ruas e avenidas da nova China. A saturação das grandes cidades chinesas e o crescimento sustentado por uma matriz energética altamente dependente de carvão e petróleo fez com que alguns dos grandes conglomerados urbanos se transformassem num perturbador pesadelo ambiental.

A sensação que temos ao caminhar pelas ruas de cidades como Beijing, Wuhan ou Xangai nos remete a cenários de filmes de ficção científica da década de oitenta. Quase não se enxerga o céu e o sol nos dias de maior intensidade da poluição atmosférica, e isso pode durar semanas ou até meses. Obviamente, no entanto, que a situação encontra correspondência em diversas outras cidades do mundo, como a Cidade do México, São Paulo, dentre tantas outras. Não se trata de nenhuma exclusividade dos chineses.

De fato, a qualidade de vida nestes centros urbanos tem se deteriorado, ampliando a incidência de doenças respiratórias e outras patologias. O estresse e os transtornos de um trânsito dominado pelo automóvel individual são visíveis a qualquer hora do dia e a qualquer dia da semana, inclusive aos domingos.

Além dos problemas ambientais e urbanos, a nova China também expõe, de forma dramática, as profundas contradições originárias de seus novos padrões de acumulação. A desigualdade social e a concentração de renda são reforçadas - e amplificadas - por uma nova elite exibicionista e hedonista, que começa a constranger o próprio regime com suas extravagâncias.

E, apesar de toda a expansão econômica dos últimos anos, o regime chinês não tem sido capaz de impedir nem mesmo que a miséria chegue às portas da grande praça Tiannamen, no coração de Beinjing. Moradores de rua abrigam-se, durante a noite, nos mesmos corredores que nos levam aos portões da Cidade Proibida, onde o imponente retrato de Mao Zedong parece ser a única herança de um passado marcado pelo culto à personalidade do grande arquiteto da Revolução Chinesa. Há de se reconhecer, porém, que a miséria em Beijing é bem menor do que em outras grandes cidades do mundo ocidental.

Os desafios da China parecem tão grandiosos quanto sua história, sua cultura e seu povo. Ao contrário do que se poderia supor em uma avaliação mais superficial, a elite política do regime parece bem consciente da complexidade de seus problemas e da necessidade de agir de forma contundente. É neste ponto que reside uma das maiores fragilidades de boa parte das análises ocidentais sobre a China que, além de transportarem mecanicamente conceitos completamente estranhos a uma civilização milenar, costumam ser carregadas de pré-conceitos e conclusões precipitadas sobre a elite política que governa o país.

Dessa forma, cumpre ocuparmos algumas linhas para assinalar nossa impressão de que a China possui um regime autoritário e não uma ditadura e que, além disso, os dirigentes do Partido Comunista têm demonstrado uma enorme capacidade em absorver as aspirações de sua complexa sociedade, o que, em grande medida, explica a permanência do regime. Os quadros políticos do PC Chinês debatem e falam abertamente sobre os problemas do país. Isso não ocorre numa ditadura, o que a China, de fato, não é. Esse é um dos elementos a explicar a manutenção do regime de partido único comunista da China.

O regime de Beijing certamente não é uma democracia de tipo ocidental, mas também não estamos tratando de uma ditadura hermética, baseada exclusivamente na força e na coerção de sua população. Esse é um elemento fundamental à compreensão da China contemporânea. Afinal, mesmo um regime autoritário está sujeito a pressões que emergem da sociedade e se vê obrigado a formar alguns consensos em torno dos quais pode organizar sua dominação.

O Partido Comunista Chinês tem demonstrado uma enorme capacidade em se adaptar a mudanças, em absorver demandas que emergem de fora do establishment, em incorporar a seu discurso novos elementos e até mesmo novas visões de mundo. Essa característica - que é uma das grandes virtudes do regime - é sistematicamente desconsiderada por parte expressiva das análises ocidentais, que buscam apenas enquadrar a China em seus esquemas de interpretação da realidade.

Os comunistas chineses, portanto, estão debatendo e agindo sobre os mesmos temas que os ocidentais veem como ameaças potenciais ao predomínio do PCCh.

Impressiona, por exemplo, a atenção que o regime dispensa atualmente à juventude. Percebe-se não apenas novos quadros ocupando posições-chave na economia e na estrutura política do país, como também uma preocupação explícita em manter os jovens, de todos os segmentos sociais, ocupados em diversas funções. Sem muito esforço o estrangeiro poderá perceber uma grande quantidade de jovens empregados em atividades aparentemente desnecessárias em hotéis, empresas e outras atividades. Trata-se de uma estratégia política deliberada e com forte impacto social.

A imagem da burocracia estatal chinesa em nada se parece com a daquelas gerontocracias características de regimes como o da Coréia do Norte. Jovens estão presentes em posições chave na economia e na administração pública, tornando explícita a enorme capacidade do sistema político chinês em renovar-se e formar novas elites.

Outro desafio que os comunistas chineses buscam enfrentar é o de seu imenso passivo ambiental. A China já é o país que mais investe em energias renováveis no mundo e há esforços, visíveis por toda parte, que buscam mitigar os danos ambientais de indústrias e veículos automotores. O combate à corrupção se tornou um tema debatido abertamente pela sociedade chinesa. Xi Jinping tem sido, ele próprio, o líder de uma cruzada do Partido Comunista contra a corrupção de seus dirigentes, em especial, nas províncias mais afastadas.

Por fim, o regime age explicitamente para manter a coesão do país com base num processo de inclusão social que pode, perfeitamente, ser considerado o maior da história da humanidade. Estima-se que 500 milhões de chineses adentraram a sociedade de consumo nas últimas décadas e o regime pretende incluir, ainda, algo em torno de duzentos milhões de chineses. A preocupação em manter níveis de crescimento que assegurem a sequência desse processo é o grande desafio do PC Chinês nas próximas décadas.

Portanto, crescimento, orgulho nacional e prosperidade compõem o tripé da nova ideologia chinesa, através do qual o Partido Comunista busca assegurar sua legitimidade. Talvez a grande aposta dos comunistas seja a manutenção de um sistema "eficiente" do ponto de vista da satisfação das necessidades de seu povo, como forma de assegurar sua legitimidade e hegemonia.

Para promover sua grande reforma, Deng Xiaoping precisou declarar que "socialismo não é miséria" e que enriquecer era glorioso. O pragmatismo de Deng não apenas salvou a China, como também a alçou à condição de potência economia mundial. Os atuais dirigentes chineses foram formados na mesma escola pragmática. E os resultados obtidos trinta anos após a ascensão de Deng nos levam imaginar o lugar que o Império do Meio ocupará nos próximos trinta. A única certeza é a de que nem o mundo, nem a China serão mais os mesmos.

(*) Secretário-Geral do governo do Rio Grande do Sul, coordenador do Gabinete Digital.

Créditos da foto: Arquivo
 

Vítimas do franquismo pedem reunião com Rajoy para criação de Comissão da Verdade

 


Órgão ligado à ONU recomenda instalação de investigação sobre crimes da guerra civil espanhola e da ditadura de Franco
 
Rafael Duque, Madri – Opera Mundi
 
A Plataforma pela Comissão da Verdade, entidade que reúne mais de cem associações de familiares e vítimas do franquismo, anunciou nesta terça-feira (17/12) que enviou uma carta ao presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, solicitando uma reunião para discutir as resoluções da ONU sobre o tema.

Opera Mundi começa a publicar na próxima quinta-feira (19/12) uma série de reportagens especiais sobre o franquismo. Serão quatro dias de publicações, com vídeos, galeria de fotos e infográficos. Acompanhe!
 
No dia 15 de novembro deste ano, o Comitê contra os Desaparecimentos Forçados (CED, na sigla em inglês), ligado às Nações Unidas, publicou um relatório no qual recomenda, entre outras coisas, a criação de uma Comissão da Verdade sobre os crimes cometidos no país durante o período que abrange a guerra civil espanhola (1936-1939) e a ditadura de Francisco Franco (1939-1975).
 
Na carta enviada a Rajoy, a entidade afirma que “essas recomendações, respaldadas pela autoridade política e moral que representa as Nações Unidas, são um bom ponto de partida para estabelecer um acordo político e social, um verdadeiro pacto de Estado que aborde uma solução definitiva para as vítimas e os crimes do franquismo que a democracia não soube resolver até agora”.
 
A Espanha é o segundo país com mais desaparecidos no mundo, atrás do Camboja. Entretanto, os crimes cometidos durante a guerra civil e a ditadura de Franco nunca foram julgados. O Tribunal Supremo espanhol considerou que a Lei de Anistia de 1977 impede que as pessoas que cometeram crimes neste período sejam acusadas. Por isso, algumas vítimas decidiram abrir uma causa na Argentina.
 
Em setembro deste ano, a juíza argentina María Servini de Cubría pediu a extradição de quatro ex-policiais acusados de torturar opositores ao regime de Franco. Segundo o Estado espanhol, apenas dois dos denunciados seguem vivos: Antonio González Pacheco e Jesús Muñecas Aguilar. O juiz Pablo Ruz ouviu o depoimento de ambos no começo de dezembro e ainda não definiu se acolherá o pedido de extradição.
 
Fontes jurídicas consultadas por Opera Mundi afirmaram que o acordo de extradição entre Espanha e Argentina permite o traslado dos dois ex-policiais ao país sul-americano. Entretanto, eles veem esta hipótese como pouco provável.
 

A FRANÇA VOLTA A SONHAR COM A ÁFRICA

 


Depois do Mali, Paris intervém na República Centro-Africana, convida parceiros europeus à aventura e finge esquecer resultados trágicos da Conferência de Berlim, em 1885
 
Vinícius Gomes – Outras Palavras, em Blog da Redação
 
Se havia dúvidas de que o governo “socialista” francês sente-se nostálgico das velhas relações entre Europa e África, elas terminaram nesta terça-feira (17/12). Ao falar ao Parlamento de seu país, o ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, anunciou que “diversos países europeus” seguirão a iniciativa francesa e enviarão soldados à República Centro-Africana (RCA), a pretexto de “restarurar a paz”. A iniciativa põe em evidência, mais uma vez, os impasses da África, dividida entre países que vivem surtos (às vezes desordanados) de desenvolvimento e outros, em que o Estado nacional desmorona. Porém, a novidade principal é o regresso de um sentimento europeu atávico: a crença de que o Velho Continente tem a “missão” de civilizar o mundo.
 
A situação da República Centro-Africana é, de fato, dramática. Em março, um golpe de Estado derrubou o presidente François Bozizé – que assumira o poder dez anos antes, também por força das armas. Os últimos meses foram de caos crescente. Os golpistas, que se articulam no movimento Séléka, praticaram saques, estupros e execuções. Contra eles, formaram-se milícias igualmente violentas. Choques entre ambas as partes provocaram centenas de mortes e desabrigaram 400 mil pessoas – um em cada dez habitantes –, nas últimas semanas. A religião é a linha divisória entre os dois grupos, o que torna mais difícil uma solução. O Séléka é majoritariamente muçulmano; as milícias, cristãs.
 
A França, que já havia intervido na Líbia, tentara instigar uma agressão ocidental à Síria e ocupara o Mali, no início do ano, resolveu por as mãos também na República Centro-Africana. Cerca de 1,6 mil soldados franceses, com armamento muito superior ao dos grupos africanos, estão no país desde o final de novembro. Duas mortes, entre os invasores, fizeram despencar o apoio à intervenção na França. Por isso, o ministro Fabius está ansioso por envolver outras nações europeias.
 
Mas por trás das disputas na RCA está também… a Europa. O país é apenas mais, entre os que tiveram suas fronteiras forjadas pela “imaginação” europeia, no século 19. O episório marcante desta intervanção foi a Conferência de Berlim, em 1885. Nela, governantes do Ocidente partilharam entre si o continente africano. Oito potências – Grã Bretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungia e Império Otomano – dedicaram-se a este exercício macabro, em consórcio com suas grandes empresas.
 
Desrespeitaram história, relações étnicas e culturais dos povos nativos. Traçaram as fronteiras do continente com a força de seus exércitos e a bússula de seus próprios interesses. As consequencias podem ser sentidas mais de cem anos depois. Expressam-se nos genocidios de Ruanda e Darfur, na necessidade de criar o Sudão do Sul e em violentos conflitos entre muçulmanos e cristãos na Nigéria e agora, na RCA.
 
Mas por que a França tem desempanhado papel central? Num texto recente, o sociólogo Immanuel Wallerstein sugere: que “o que permite essa agressividade francesa é o declínio do poder efetivo dos EUA no cenário mundial”. E o palco da ação de Paris é a África, continente que a França sempre viu como seu “quintal” e onde ainda mantém três grandes bases militares.
 
O próprio Wallerstein lembra, contudo, que tudo tem um preço: “Assim como os EUA descobriram no Oriente Médio, pode ser bem difícil retirar suas tropas uma vez que elas entram [no país]“, e geralmente, a opinião pública doméstica não apoia mais a intervenção. No caso da RCA, não chegou nem a dez dias.
 

EUA - McDONALD’S: AGORA, SEM SABOR DE PASSIVIDADE

 


Alastra-se, nos EUA, luta dos trabalhadores de fast-food por salários e direitos. Detalhe: eles ganham quatro vezes mais que no Brasil
 
Gabriela Leite – Outras Palavras
 
Os quase invisíveis funcionários de fast foods norte-americanos estão organizando-se para chamar a atenção para que seus direitos sejam reconhecidos. Em 5 de dezembro, atendentes de redes como McDonald’s, Burger King, KFC e Wendy’s de mais de 100 cidades dos Estados Unidos não apareceram nas lanchonetes. Organizaram-se, à sua maneira, em cada parte do país, exigindo melhores salários e o direito de poderem se sindicalizar. De flash mobs a cartazes luminosos e fantasias irônicas de Ronald McDonald e Tio Sam, levantaram uma mesma bandeira: o aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora — mais que o dobro dos U$7,25 atuais, piso salarial norte-americano, equivalentes a R$ 16,80.
 
O movimento começou com uma pequena marcha em Nova York, em novembro de 2012, com trabalhadores das redes KFC, McDonald’s e Burger King. Já protestavam pelo aumento do salário para 15 dólares por hora, e chamavam a atenção para como é impossível viver em condições materiais dignas com um destes empregos. Em agosto deste ano, os protestos aumentaram: aconteceram em mais de 60 cidades norte-americanas.
 
Você pode não reparar, mas os sanduíches de aparência plastificada são montados e servidos por mãos humanas. E, apesar de haver um mito de que este é um emprego para jovens e profissionais iniciantes, os números mostram exatamente o contrário: a maior parte dos funcionários têm mais de 25 anos e em torno de 68% deles são os principais responsáveis pela renda de sua família. Muitos têm filhos e cumprem jornada dupla para poder manter suas casas.
 
Paul Krugman, Nobel de Economia, lembra que, assim como a maioria dos trabalhadores pobres, os funcionários do varejo têm sofrido perdas graves, nos Estados Unidos — uma nação cada vez mais desigual. Apesar da crise, a economia é, hoje, muito maior do que há quarenta anos. Porém, os salários nas empresas varejistas (algumas delas, gigantes globais como McDonald’s e WalMart) representam, hoje, 30% menos do que em 1973 — quando já não eram grande coisa. O salário mínimo nacional nos EUA é de U$7,25 por hora (em alguns estados é um pouco maior), e os atendentes de fast food recebem, se tanto, apenas alguns centavos a mais. O Instituto de Políticas Econômicas dos EUA concluiu que, se o mínimo aumentasse para U$10,10, beneficiaria diretamente 30 milhões de trabalhadores.
 
Apesar da crença de que salários mais altos resultariam num aumento do preço dos produtos ou na inviabilidade financeira das cadeias de restaurantes, Krugman mostra, por meio de pesquisas, que isso não é verdade. Para ele, é necessário que, além da elevação do mínimo, existam e sejam ampliados programas de assistência médica e alimentar (nos EUA, existem os food stamps, que são algo com um vale refeição oferecido pelo governo aos mais pobres).
 
Mas afirmar a inviabilidade do aumento do salário dos funcionários, sob o pretexto de que os alimentos ficariam mais caros é, no mínimo, muito mesquinho. Isso fica explícito quando se compara o que ganham o caixa de um McDonald’s e o presidente da empresa. Um atendente tem de trabalhar quase quatro meses para alcançar o que James Skinner, o útimo CEO da rede cujos dados estão disponíveis, ganhava em uma hora. Segundo a Fast Food Forward, movimento de trabalhadores de fast food novaiorquinos, a média de salário de um presidente destes restaurantes é de U$25 mil por dia. E toda esta indústria recebe, aproximadamente, 200 bilhões de dólares a cada ano.
 
É por causa desta desigualdade que, normalmente, um funcionário não poderia parar para fazer greve por um dia — isso significaria 50 dólares a menos em sua renda. Por isso, grupos ativistas como a Fast Food Forward e Fight For 15, auxiliados por sindicatos, fundações e organizações de base, financiaram a paralisação.
 
O McDonald’s, que costuma reprimir e penalizar trabalhadores que se organizam, acredita cinicamente que eles têm melhores maneiras de aproveitar os poucos dólares que ganham. Em um site de recursos humanos dirigido aos funcionários, sugeriu-se que cortassem sua comida em pedaços, para que rendesse mais. E se estivessem com problemas financeiros, a dica era vender alguns de seus bens em sites especializados. Além disso, alertava-se: reclamar demais pode ser perigoso por causar grande aumento do hormônio do stress — a recomendação era que cantassem, para esquecer dos problemas.
 
Seria interessante se o movimento reivindicatório dos EUA chegasse ao Brasil. Em São Paulo, em maio do ano passado, o McDonald’s assinou um acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Bares, Lanchonetes e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp), regularizando as jornadas de trabalho e salários fixos de seus funcionários. Antes disso, os funcionários tinham horários de trabalho irregulares e eram obrigados a ficar à disposição da empresa. Nesta época, o piso de um trabalhador de 44 horas semanais era quatro vezes menor que o de seu colega nos EUA: R$ 769,26 — cerca de 4 reais por hora (ou U$1,72, considerando o dólar a R$2,34). A exploração, como se vê, também é devidamente exportada.
 

UE: SALVEM A UNIÃO BANCÁRIA!

 


Angela Merkel, mais uma vez com medo dos eleitores, renega as suas promessas e elimina as partes mais importantes da união bancária.

Rui Tavares* e Sven Giegold ** - Expresso, opinião

Estarão as eleições alemãs a causar um déjà-vu na crise europeia? Em 2010, a chanceler Merkel bloqueou uma intervenção decisiva contra a crise grega. O mundo assistiu incrédulo. O seu receio do eleitor alemão transformou-se em pânico na Europa. Este ano teremos de novo eleições na Alemanha. Merkel está a bloquear intervenções decisivas contra a crise bancária na Europa do sul. O mundo assiste, incrédulo. Será que o receio do eleitor alemão gerará mais pânico na Europa?
 
No Outono passado duas decisões acalmaram os mercados: o anúncio de Draghi de "fazer o que for preciso" para controlar a crise das dívidas soberanas e a decisão do Conselho relativa a uma união bancária. De facto, os bancos descapitalizados tornaram-se no problema mais urgente da Europa. A falência de um grande banco poderá provocar outro colapso do sector financeiro na Europa. Um resgate bancário em grande escala, porém, poria em causa mesmo os orçamentos públicos mais sólidos e levaria qualquer país a um risco de insolvência.
 
A reação geral tem sido continuar a empurrar com a barriga: os bancos prolongam os prazos dos empréstimos duvidosos em vez de conseguirem eliminá-los e os supervisores bancários nacionais optam pela tolerância regulatória, temendo uma insolvência bancária incontrolável. Esse comportamento vai levar ao ciclo vicioso bem conhecido do Japão. Bancos "zombie", mais mortos do que vivos, não concedem empréstimos a novas ideias ou negócios promissores. Apenas prolongam os empréstimos existentes a empresas "zombie". Mais mortas do que vivas, estas empresas reestruturaram a própria agonia em vez de investirem e criarem novos empregos. Como consequência teremos duas décadas perdidas, tal como no Japão.
 
Uma união bancária quebraria este ciclo vicioso: uma nova agência europeia de supervisão não teria medo de reconhecer as anteriores falhas regulatórias, forçando os bancos a eliminar os maus empréstimos. No caso destes bancos se tornarem insolventes, uma nova agência europeia de resolução bancária seria capaz, graças a uma nova lei europeia de resolução bancária, de apresentar uma solução eficiente para os bancos. No caso de haver setores sistemicamente relevantes de um banco que não devessem ser encerrados, um novo fundo de resolução capitalizaria um "banco bom" e encerraria um "banco mau" dentro da instituição financeira em risco, separando assim o trigo do joio. Não haveria nenhuma corrida aos depósitos nos bancos graças a um novo sistema europeu de seguros de depósitos.
 
Isto foi o que todos pensaram que tinha sido planeado no ano passado. Economistas, políticos europeus e, acima de todos, os mercados, tinham comemorado de forma entusiasta a decisão de avançar para uma união bancária - de que a chanceler Merkel fora então uma das defensoras mais ardentes. Mas qual tem sido o resultado? É por ignorância ou por arrogância que os políticos alemães parecem não entender que uma união bancária também poderia seria benéfica para a Alemanha? Quem é que investiu maciçamente na dívida do "subprime" (créditos de baixa qualidade concedidos para a aquisição de habitação) americana e faliu? Os bancos espanhóis ou "os tolos dos alemães", como os americanos dizem? Mas ninguém leu o relatório Liikanen sobre as reformas estruturais na banca, encomendado pela Comissão Europeia e publicado em outubro de 2012? Quais são os três bancos na Europa com o pior índice de alavancagem? Não são sequer bancos italianos ou espanhóis: todos os três são alemães. O fobia alemã à mutualização da dívida soberana espalhou-se para a dívida bancária. Um esquema europeu de seguros para futuros riscos bancários anda a ser vendido como um esquema permanente de transferência das contas de poupança alemãs para os perdulários do sul.
 
Merkel, mais uma vez com medo dos eleitores, renega as suas promessas e elimina as partes mais importantes da união bancária. O avanço do seguro de depósitos europeu foi totalmente cancelado por ser visto como uma drenagem direta das poupanças alemães. Um mecanismo europeu de resolução é considerado desejável, mas não sem uma mudança dos tratados europeus. Uma vez que mudar os tratados duraria anos, este é uma versão mais bem educada de dizer não. A única coisa que Merkel aceitou é a supervisão europeia dos maiores bancos, incluindo uma dúzia dos mais de 1500 bancos alemães.
 
A posição de Merkel sobre a mudança de tratados é apenas de fachada. Os seus argumentos legais são nulos. Não é à toa que não apresentou qualquer parecer jurídico detalhado sobre o porquê de o mecanismo único de resolução (SRM na sigla inglesa) ser contra os tratados atuais. O argumento de a Comissão Europeia passar a usurpar um poder novo só desvia as atenções do verdadeiro problema: não é a Comissão que está a ganhar poder, são os bancos que estão a perdê-lo. Sem o SRM os bancos ficam em posição de chantagear as nossas sociedades com subsídios ilimitadas de resgate. Não há perigo de o Supremo Tribunal alemão decidir contra o SRM, porque o privilégio orçamental do Parlamento alemão não seria violado. E quando mudarmos os tratados novamente algures no futuro, poderemos revisitar a questão da autoridade de resolução e passá-la da Comissão para uma agência independente.
 
O SRM, claro, não pode lidar com questões de legalidade. É por isso que o BCE irá realizar uma minuciosa revisão da qualidade dos ativos antes de assumir a sua nova responsabilidade como supervisor único . Além disso, os países poderão decidir supervisionar os bancos pequenos a nível nacional, porque esses bancos não podem chantagear as nossas sociedades. O BCE, no entanto, será o supervisor de último recurso, estando em posição de intervir contra a tolerância regulatória nacional.
 
A chanceler Merkel está apenas a renegar as suas promessas. Também está a trair as sociedades do sul da Europa. Milhões de pessoas estão a sofrer com o desemprego e a pobreza e salários sempre em queda. Sem um sistema bancário bem capitalizado e um sindicato bancário europeu de pleno direito, a confiança não vai reaparecer. Os bancos não serão capazes de se refinanciarem em condições dignas e não estarão em condições de apoiar novos investimentos. Com este clima de insegurança a recessão vai durar ainda mais tempo.
 
Em tempos normais dir-se-ia que estamos apenas a dez semanas das eleições alemãs. O novo governo será mais sábio e não arriscará causar danos seculares às sociedades do sul da Europa. No entanto, não estamos a falar de apenas dois meses. É preciso tempo para constituir um novo governo alemão, dar arranque a um Conselho Europeu e pôr a máquina de Bruxelas em marcha. Não há nenhuma hipótese de que isto aconteça antes das próximas eleições europeias em maio. Só no próximo Outono haverá uma nova Comissão. A menos que Alemanha encontre o caminho de volta para uma política europeia responsável, só podemos rezar para que não haja uma grande falência bancária durante os próximos dois anos. O Conselho deve adotar sem mais demora a proposta de Michel Barnier. Esta é a única maneira do mecanismo de resolução único e do fundo de resolução, financiado pelo setor bancário, serem decididos antes das eleições europeias. Este é o pré-requisito para o mecanismo de supervisão único europeu funcionar.
 
*Historiador e deputado português ao PE (independente/Verdes europeus)
 
**Deputado ao Parlamento Europeu (Verdes europeus/Alemanha) e porta-voz dos Verdes Europeus para as questões económicas
 

NA ALEMANHA A LUTA CONTINUA, O EMPRESARIADO ESTÁ NA RUA

 


As novidades na composição do governo alemão (coalizão com os social-democratas) podem abrir caminho para mudanças políticas significativas.
 
Flávio Aguiar – Carta Maior
 
Berlim - Hoje, terça-feira, 17 de dezembro, o novo governo alemão será oficialmente nomeado pela votação do Bundestag. Angela Merkel continua à sua testa, e Wolfgang Schäuble no Ministério das Finanças. Mas há algumas mudanças na sua composição que podem abrir caminho para mudanças políticas significativas.

O governo anterior erea composto pela CDU/CSU e o FDP, partido sempre descrito na mídia como “business friendly”, o que pode pode ser traduzido livremente por “amigo dos mercados”. Agora a composição foi feita com o SPD.

As diferenças começam aí: o SPD, agora sob a liderança de Sigmar Gabriel, que se tornou o vice-chanceler e o ministro de Energia e Economia, adernou um pouco para a esquerda. Com isto ele recupera a imagem de ser um partido social-democrata, ao invés de uma cópia descorada do conservadorismo imperial do estilo herdeiro de Margaret Tatcher.

Esta inflexão foi suficiente para colocar o governo inteiro mais um pouco à esquerda, fazendo diminuir a presença e influência tanto do lado mais conservador da CDU quanto da CSU bávara, decidamente o braço e o pulso direitos da coalizão.

Estes tênues movimentos foram suficientes para levantar o sobrolho – senão a ira – dos sacerdotes do catecismo econômico ortodoxo, alertando que a Alemanha está se pondo à beira do abismo (v., por exemplo, o comentário de Olaf Storbeck em site da Reuters). A latitude e os números mudam, mas a estrutura da ladainha e os adjetivos têm a mesma estrutura e o mesmo cheiro. Traduzindo literal ou livremente os termos, encontramos “descalabro”, “irresponsabilidade”, “desastre”, “desestímulo ao investimento privado”, etc.

Motivos para tal alarme, que mobiliza banqueiros, comentaristas, uma tal de Associação dos Engenheiros, o Conselho dos Assessores Econômicos (espécie de Clube dos Reis Magos), que deve zelar pela ortodoxia dos governos?

Ora, o salário mínimo em dose dupla: em primeiro lugar, sua simples adoção em nível nacional; em segundo lugar a quantia de 8,50 euros a hora. Isto “elevará os custos” no Oeste alemão, mais próspero, e “provocará o desemprego” no Leste, mais pobre. Mais: a redução da idade de aposentadoria de 65 para 63 anos, para quem trabalhou já 45 anos, beneficiando milhões de trabalhadores das camadas mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo. Para os trabalhadores que estão entrando hoje no mercado de trabalho a idade é de 67 anos. Também conta-se na lista destas benesses “insuportáveis” o favorecimento dos que ganham menos, a proteção de mães trabalhadoras e outras medidas que só poderiam partir de uma súbita admiração por Hugo Chavez, Maduro, Lula, Dilma, Correa, Morales, Mujica, Bachelet, Kirchner e quejandos e quejandas todos e todas juntos e juntas.

Todas estas medidas farão as novas gerações pagarem o pato sob a forma de novos impostos, aumento dos antigos, etc. – embora adotadas com extrema cautela e ajustado comedimento. O mínimo, por exemplo, só entrará em vigor a partir de 2015 e só será universalmente adotado a partir do final de 2017.

Mas o mau exemplo está dado: estes passos do Sacro Império Germânico, onde antes só se adorava o Moloch Mercado, certamente farão retardar, senão regredir as necessárias machadadas em direitos da cidadania nos perdulários países da Europa-Sul, embora Schäuble nas Finanças seja uma garantia de que a política alemã para o continente não mudará muito.

Em outras frentes o novo desenho do governo alemão também provoca preocupações empresariais. Von der Leyen no Ministério da Defesa não é juma boa notícia para a indústria armamentista alemã, que tenciona ampliar seus mercados junto às monarquias e emirados árabes. Dentro do espectro da CDU, ela pertenca mais ao lado esquerdo, do que ao direito, tendo se destacado no Ministério do Trabalho, onde atuou no governo passado de Merkel no sentido de preservar direitos e ampliá-los no caso das mulheres. Tampouco a disposição anunciada pelo último Congresso do SPD, abrindo a possibilidade de uma coalizão nacional com a Linke traz tranquilidade para os súditos do catecismo ortodoxo.

Além disto neste novo governo será rfeforçada a posição alemã a favor de soluções negociadas no caso do Irã – com ressonâncias no caso sírio. E certamente se consolidará o apoio à luta do Brasil por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, dentro de um quadro de reforma da instituição. Talvez seja até apressada a saída das tropas alemães no Afeganistão, embora o SPD seja um partidário conspícuo da permanência do país dentro de uma linha definida pela OTAN. Haverá, com Franz-Walter Steinmeier no Ministério de Relações Exteriores, uma linha de maior cobrança no caso da espionagem norte-americana, pelo menos no continente europeu.

Não demorará muito e haverá quem queira, nas margens do Reno, do Elba e do Oder, repetir a lição da Tailândia, onde uma elite irritada está nas ruas para derrubar o governo da primeira-ministra Yingluck Shinawatra e suas iniciativas “populistas”.

Da fronteira com a Dinamarca ao norte, à com a Áustria ao sul, ainda ressoará o brado de ira: Basta, camarada Merkel!
 
Créditos da foto: Arquivo
 

ALEMANHA: A EUROPA À ESPERA DE MERKEL

 

La Vanguardia, Barcelona - Presseurop
 
Reeleita à vontade para um terceiro mandato, a chanceler terá de contar com uma União bem diferente da que existia quando chegou ao poder. Fraturada, dividida e em crise de identidade, espera que Berlim retome a iniciativa.
 
 
Com a falta de pompa e circunstância que é uma das qualidades da política local, os ministros da GroKo alemã – o acrónimo de “Große Koalition”, a Grande Coligação que acaba de ser declarada palavra do ano – prestaram juramento, um após outro, perante o presidente do Bundestag. Antes disso, Merkel obtivera a bênção formal do Presidente federal, Joachim Gauck, numa audiência breve e sem substância.
 
Muito pouca publicidade, no início do terceiro mandato de Angela Merkel. A dois mandatos de distância dos chanceleres Konrad Adenauer e Helmut Kohl, com um de vantagem em relação a Gerhardt Schröder e prestes a empatar com Helmut Schmidt.
 
Será que esta mulher do Leste vai entrar na lista dos grandes chanceleres? Muito dependerá do que acontecer na Europa, nessa União Europeia que usurpa o título continental. Merkel recebeu­a em 2005, ainda sob a propaganda narcisista que associava o seu nome à prosperidade e à paz. A paz europeia ignorou as múltiplas guerras que os membros da nova Europa, nações coloniais, travaram contra o exterior desde o próprio momento da sua integração e que continuam a travar ainda hoje, bem como uma ou outra que, nos Balcãs, ocorreu no seu próprio seio. Quanto à prosperidade, simplesmente desapareceu.
 
Vários grupos
 
Portanto, da Europa que Merkel recebeu foram apagados os dois grandes mitos de base. No lugar deles, existe uma fratura. Sempre existiu, mas agora é notória: a Europa de grupos distintos. Um é o dos beneficiários líquidos do euro, que defende a austeridade e a cobrança da totalidade das dívidas dos seus bancos, e tem no centro a Alemanha. Outro, vacilante e fragmentado, é representado pela França. Outro, em diferentes estádios de crise e debilidade, vai de Portugal a Itália, passando por Espanha, e da Eslovénia a Chipre, passando pela Irlanda. E o último, marginalizado como mera periferia e mergulhado na degradação, vai da Grécia à Bulgária, passando pela Roménia e pela Albânia.
 
Será esta Europa fragmentada que irá atribuir a nota ao terceiro mandato de Merkel. Este inicia-se com um governo de coligação do qual é soberana inquestionável, com um apoio parlamentar esmagador, uma oposição muito reduzida e uma situação socioeconómica global interna ambígua, mas estável, sobretudo se comparada com a da maior parte da Europa.
 
Reagir ao imprevisto
 
Dizer que não são de esperar surpresas, neste contexto tão instável, seria um disparate. É verdade que é isso que indica o acordo de coligação de 185 páginas assinado com os social democratas, cujos dirigentes foram estrondosamente derrotados nas eleições de setembro, mas estão muito satisfeitos por ocuparem os seus novos cargos ministeriais: contudo, a realidade não é ditada por documentos..
 
Em especial em tempos de crise, governar é reagir ao imprevisto. Angela Merkel quer navegar numa direção, mas uma mudança dos ventos pode levá­la para qualquer lado. E a Europa não está só em crise na sua vertente ocidental. A Leste, está em incubação uma coisa semelhante a uma Guerra­ Fria com a Rússia. A UE, com a Alemanha à frente, parece considerar a Ucrânia o seu pátio das traseiras, complica a vida à exportação energética russa e, a partir da NATO, acicata o urso moscovita com todo o tipo de provocações militares: um escudo antimíssil contra o Irão, que não vai ser cancelado, apesar de haver desanuviamento com Teerão.
 
A Rússia já instalou mísseis no Báltico e o documento da coligação alemã não inclui a tradicional intenção de retirar as bombas norte­americanas, existentes em território alemão.
 
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Traduzido por Fernanda Barão
 
Angela Merkel e a Europa
 
Reformas, integração europeia e união bancária
 
Um dia após a sua tomada de posse como chanceler, Angela Merkel dedicou a primeira declaração oficial do seu terceiro mandato à Europa. No seu discurso, nota o Süddeutsche Zeitung, Merkel pediu mais esforço aos Estados-membros da UE para a concretização das promessas feitas sobre reformas. [...] Na véspera da cimeira da UE em Bruxelas, Angela Merkel frisou igualmente o facto de o futuro da unificação europeia não poder ser assegurado sem a alteração dos tratados europeus. “Há erros de construção que têm de ser corrigidos”, disse a chanceler relativamente à mais recente regulamentação sobre a supervisão dos bancos. A Alemanha deseja continuar a desempenhar o seu papel, isto é, a assumir as suas responsabilidades e a encorajar a integração europeia. [Em contrapartida], a Chanceler alertou a Comissão Europeia relativamente a uma intervenção demasiado dura contra os subsídios destinados às empresas alemãs para o financiamento de energia renovável.
 

O TRATADO DE COMÉRCIO LIVRE EUA-UE: A GRANDE GOLPADA

 

Daniel Vaz de Carvalho [*]
 
O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência. F. Engels [1]

Chama-se liberdade de imprensa o direito exclusivo de certos potentados ou certos malfeitores, graças à sua fortuna ou às suas chantagens, de influir na opinião do país.

 
Chama-se liberdade económica à liberdade que têm alguns indivíduos de se oporem em nome dos interesses criados à liberdade de todos os outros.

Chamo-lhe os sofismas liberais aos quais acrescentava a chamada liberdade de ensino.

Cada dia se imporá com mais clareza que o liberalismo económico é uma das formas mais revoltantes do privilégio e do despotismo. Raul Proença. [2]

1 – O QUE SE PREPARA

No segredo dos cidadãos, em junho deste ano, a CE recebeu mandato dos ministros do Comércio Externo da UE para negociar com os EUA um tratado de comércio livre, também designado por «Transatlantic Trade and Investment Partnership» (TTIP) para entrar em vigor em 2015. Desde julho que as negociações decorrem.

Este secretismo mostra bem o nível a que os políticos ao serviço das oligarquias desceram. Trechos do tratado vieram a público no sítio da internet do L'Humanité. O ministro francês do Comércio Externo indignou-se com "as fugas".
[3]

Aqueles que imaginam a UE como um espaço de progresso e democracia, "abandonem toda a esperança", como, na Divina Comédia, Dante viu escrito "em letreiro escuro" à entrada do Inferno e, já agora, tapem o nariz: para publicar o documento foi necessário decifra-lo, pois estava encriptado!
[3] Eis por onde anda a "glasnot" na UE…

"As negociações são secretas para impedir os povos de descobrirem o que verdadeiramente está em jogo. Por outro lado, 600 "conselheiros" oficiais das grandes empresas dispõem de um acesso privilegiado a estas negociações para forjar o seu ponto de vista"
[4]

O acordo visa não apenas o livre comércio de bens e serviços mas também a "proteção", leia-se: a desregulamentação, dos investimentos. O objetivo é "ir além dos compromissos atuais da OMC". Pretende assim, conforme expresso, "ligar ao mais alto nível de liberalização os acordos de comércio livre existentes." "A eliminação de todos os obstáculos inúteis ao comércio (…) e à abertura dos mercados e uma melhoria das regras".
[5]

É fácil entender o que esta gente entende por "obstáculos inúteis "e "melhoria das regras": trata-se de eliminar ou tornar insignificantes salário mínimo, indemnizações por despedimento, subsídios de desemprego, enfim direitos sociais e laborais, que no fanatismo neoliberal são obstáculos "à criação de riqueza". Para quem? É a questão.

Diz-se que os "serviços fornecidos no exercício da atividade governamental devem estar excluídos das negociações". Porém esclarece-se que por "serviço no exercício do poder governamental entende-se todo o serviço que não é fornecido nem sob uma base comercial nem em concorrência com um ou vários fornecedores de serviços".
[5] Note-se a subtileza do "um fornecedor". No reino do neoliberalismo, vivam pois os monopólios!

Saúde pública, escola pública, segurança social pública tudo isto ou acaba ou fica residual, decadente, apenas em termos de assistencialismo. É voltar aquilo a que em linguagem anglo-saxónica se designa pelas "dark ages" – os anos negros.

O resto é sujeito à gula das multinacionais. Quem quiser educação paga-a, quem quiser saúde paga-a, quem quiser pensão de reforma privatiza-a, ou seja, pague os lucros e sujeite-se à economia de casino. Toda a orientação política do atual governo e da UE é já neste sentido.

Normas, regulamentos sanitários, sociais e laborais serão "uniformizados, aplanados, harmonizados". Isto significa que as restrições a aditivos, pesticidas, carne com hormonas, sementes transgénicas (OGM) serão cada vez mais ténues ou mesmo inexistentes, para o que contribuirá a propaganda ao serviço destes interesses e os especialistas subvencionados, sem o que nem as universidades nem eles próprios subsistem. Assim está desenhado este "admirável mundo novo", construído no mito da eficiência privada.

Em função da concorrência "as normas mundiais procuradas serão as mais baixas e as menos protetoras, exceto para os investidores e acionistas."
[6] Se assim não fosse as grandes marcas multinacionais de confeções não procuravam trabalho semi-escravo em países como o Bangladesh.

As informações das embalagens tornar-se-ão mais opacas ou enganadoras, sob pena também de caso contrário prejudicarem o comércio. A saúde pública fica à conta do "mercado".

Claro que haverá alimentos baratos mas de baixa qualidade nutricional para os pobres e saudáveis mas caros para quem puder pagar. Eis o que os sicofantas do neoliberalismo vão propagandear como liberdade de escolha.

2 – TODO O PODER ÀS MULTINACIONAIS

O tratado representa o culminar do processo neoliberal imposto aos povos, ficando a sua soberania à mercê dos interesses grande capital. Este, se achar que um Estado limita por regulamentações, taxas, leis, as suas vendas ou investimentos pode processar esse Estado que será obrigado a pagar uma indemnização e sujeitar-se.

É fácil imaginar o que isto representa para países endividados, a braços com elevado desemprego, deficitários devido à fuga de capitais e sem crescimento económico. São de facto Estados párias, no que esta expressão significa de sem direitos e exclusão.

Um Estado pode ser acusado e processado por pôr entraves ao "livre comércio" ou a investimentos, designadamente por normas de controlo sanitário, de qualidade, de biodiversidade, ecológicas. A resolução de qualquer litígio não é entregue a Tribunais soberanos nacionais, mas fica a cargo de um organismo dito regulador ou regulamentar.

"O mais escandaloso é que um tribunal dominado por uma pequena clique de advogados de negócios poderá lançar o anátema sobre Estados ou instâncias que infrinjam as disposições do acordo. O grande capital passa a dispor de uma "supremacia do tipo imperial que lhe permite fazer passar os seus direitos antes de todos os outros"
[4]

Há aliás casos de processos em curso com pedidos de indemnizações de milhares de milhões de dólares, reclamados por megaempresas a Estados, ou seja, ao povo. Por exemplo, Philip Morris (tabaco) contra o Uruguai e Austrália; Vattenfall (nuclear) contra a Alemanha; Lone Pine (extração de gás de xisto) contra o Canadá por recusas ambientais do Quebec.
[6]

Refira-se que "a jurisprudência do tribunal de justiça da UE já dá prioridade ao direito de concorrência sobre as legislações sociais dos Estados membros" (decisão Viking, decisão Ruffert, decisão da Comissão contra o Luxemburgo)
[5]

O fabricante de um aditivo cancerígeno contido na gasolina exigiu do Canadá 250 milhões de dólares por "perda de vendas e entraves ao comércio. O Canadá temendo perder o processo autorizou o aditivo e pagou uma indemnização de 10 milhões de dólares ao fabricante"
[4]

A cláusula de lucros cessantes que qualquer contrato de boa-fé rejeita por leonina, pode ser agora aplicada sob a forma de lucros potenciais cessantes.

O tratado é aliás bastante claro no seu objetivo de impor um totalitarismo supranacional, ao prescrever que todas as restrições que não estejam justificadas por exceções no tratado serão suprimidas. Neste contexto, os Estados ficam ameaçados de ser penalizados com sanções, multas ou aumento das taxas de juro.

Se um país recusar produtos alimentares dos EUA com aditivos, hormonas, originários de OGM poderá ser penalizado: estará a pôr entraves ao "comércio livre". Democracia, critérios de saúde e regulamentação alimentar que cada Estado deveria poder definir segundo critérios próprios conforme a decisão dos seus cidadãos – assim se construiu e constrói o progresso – serão não apenas considerados nulos, mas poderão obrigar a pagar indemnizações como lucros que determinadas empresas alegarão ter deixado de receber.

Trata-se como afirma Susanne Suchuster de "um ataque frontal contra a nossa democracia ou, pelo menos, do que ainda resta".
[4]

3 – "AS BOAS INTENÇÕES"

Os argumentos vão ser os mesmos com que se propagandearam os tratados da UE e do euro, a diretiva do mercado comum dos contratos públicos, etc. Tudo isto iria trazer mais emprego, mais crescimento, mais economias para o Estado. Chegaram mesmo a quantificar os aumentos. Que se verificou? Mais desemprego, mais pobreza, mais endividamento, numa UE que recua perante a economia mundial, até mesmo perante os EUA.

O ponto 8 do tratado afirma: "O acordo deveria reconhecer que as partes não encorajarão o comércio ou o investimento direto estrangeiro pelo abaixamento da legislação e das normas em matéria de ambiente, trabalho ou saúde e segurança no trabalho, ou pela flexibilização das normas fundamentais do trabalho ou das políticas e legislações visando proteger e promover e a diversidade cultural"
[5]

Trata-se enfim da "poeira para os olhos" necessária à propaganda e alibis para as cedências da social-democracia e seus sindicatos (como a UGT em Portugal). A flexibilização e o abaixamento de legislação e normas não precisam ser "encorajadas" elas são já a base das políticas da concorrência "livre e não falseada" da UE, que se agravarão com os desequilíbrios que o tratado irá provocar em países já de si afetados por intermináveis crises.

Tudo isto não passa de letra morta, fraseologia ridícula e hipócrita face às imposições de "captar investimento" e de "cumprir os compromissos com os nossos credores". O problema reside em que textos declarativos não têm precedência sobre o que é normativo e estas "boas intenções" quanto a direitos humanos e saúde pública contradizem tudo o que tem sido promovido pela OMC, FMI e CE.

Como acreditar que "serão mantidos os serviços de interesse geral" se para o neoliberalismo o "interesse geral" é garantido de forma mais "eficiente" pelos privados como é constantemente propagandeado, como justificação para desmantelar serviços públicos. O problema é em que condições, por quem e como.

Com todo o cinismo afirma-se: "A regulamentação nacional pode continuar a aplicar-se desde que não comprometa as vantagens decorrentes do acordo."
[5]

Esta frase assemelha-se a uma graçola de mau gosto, uma verdadeira boçalidade, mais valia acrescentar: poderão aplicar-se mas com todas as consequências decorrentes do tratado.

O significado de direitos sociais e laborais para os neoliberais foi evidenciado pelo ministro Aguiar Branco ao dizer que o Estado Social existente se assemelha a um totalitarismo.

Claro que é este "totalitarismo" que impede os procedimentos de controlo, opressão e perseguição das multinacionais sobre os trabalhadores, que os proprietários da Wall-Mart, a família mais rica do planeta, praticam. Procedimentos que incluem sistemas de vigilância, espionagem e repressão sobre atividades políticas ou sindicais, contratando para o efeito gente especializada nessas funções.

A quem interessa afinal este tratado? Em primeiro lugar, à grande indústria alemã e às megaempresas do agroalimentar dos EUA. O tratado vai ao encontro dos desejos e necessidade de expansão do grande capital obtido a custo real zero na especulação e nos bancos centrais ao seu serviço. As oligarquias anseiam por algo como este tratado, que as ponha ao abrigo das incertezas e constrangimentos que a democracia lhes pode trazer. Não se consideram cidadãos como os outros. São o equivalente à nobreza do feudalismo.

Mas então com a teoria da "vantagem comparativa" não ganham todos? Talvez, mas nunca quando são as multinacionais a definirem o que se entende por "vantagem".

Há muito que a vida demonstrou que em termos de comércio livre "a vantagem comparativa entre um país rico e bem equipado e um país pobre e sem equipamento moderno conduz a uma especialização desastrosa, pois o segundo perde toda a possibilidade de se desenvolver ou mesmo manter a sua indústria" . (História do Pensamento Económico, Henri Denis, Livros Horizonte, p. 583)

Mesmo o agro-alimentar francês fica em risco; indústrias como a francesa ou italiana ficarão severamente constrangidas ao desaparecimento ou a tornarem-se subsidiárias de megaempresas dos EUA.

O que acontecerá aos países mais vulneráveis da UE pode ser avaliado pelo ocorrido na Colômbia e no México, respetivamente com os tratados ALENA e NAFTA. Na Colômbia "Houve um aumento desenfreado de importações e uma redução dos investimentos e das produções nacionais. Levando à ruína de camponeses, mineiros, camionistas e pequenos empresários". Vastas extensões de terras foram entregues às grandes empresas norte-americanas da agro-indústria sendo os camponeses expulsos. A revolta, que a comunicação social controlada ignorou, estendeu-se a 25 departamentos do país a incluindo a capital.
[7]

Os EUA praticam o dumping através das subvenções à sua produção (o que é proibido direta ou indiretamente aos outros países), conduzindo a enormes aumentos das exportações do Norte em detrimento da produção nacional.
[7]

No México existem hoje estufas ultramodernas de tomateiros, uma grande exportação para os EUA. Este "êxito" da "eficiência" neoliberal traduziu-se em 2,3 milhões de camponeses sem trabalho, obrigados a emigrar – 500 a 600 mil por ano até 2008, ano em que foram levantadas barreiras a esta situação. De qualquer forma, em 2011 existiam 11 milhões de emigrantes não legalizados nos EUA
[7] em condições de trabalho de semi-escravatura. Acrescente-se que o homem mais rico do mundo é um mexicano…

4 – O GOLPE DE ESTADO NEOLIBERAL

Os agentes do neoliberalismo preparam o seu do golpe de Estado neofascista. O que os prossecutores desta verdadeira golpada pretendem é deitar abaixo o que resta de democracia real, direitos dos trabalhadores, funções sociais do Estado, tudo em nome, obviamente, da "eficiência" das "vantagens comparativas". Se assim não fosse nada estaria a ser feito longe e em segredo para os cidadãos.

O grande mercado transatlântico é "uma NATO económica", dizia a sra. Clinton, e como tal será colocado sob tutela dos EUA.
[5]

Pelo tratado, no futuro acabarão por poder ser cultivadas apenas "sementes certificadas", isto é, das multinacionais dos OGM como a Monsanto ou a Sygenta. Todo o agricultor que guarde uma parte da sua colheita para semear nos seus campos poderá então vir a ser multado e em caso de reincidência objeto de processo judicial. A CE antecipa esta situação com a proposta da "Lei das Sementes", que obriga à certificação e registo das sementes, forma expedita de liquidar pequenos agricultores. Uma proposta de rejeição já foi apresentada pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu.

Os vândalos estão, pois de volta! Se os povos abrandarem a sua resistência, um diretório de Estados dominantes irá gerir os demais como protetorados, no interesse das suas multinacionais e oligarquias. Como não poderá haver um tratamento mais favorável para as empresas nacionais, um país não mais poderá desenvolver a sua própria política económica, ficando sujeito às pretensões das mais poderosas multinacionais.

Segundo o tratado, as obrigações comprometem todos os níveis de governo, incluindo autarquias e regiões. Nada escapa! É o totalitarismo neoliberal. A realidade será afinal o pacto da troika a tempo inteiro sobre a UE. A representação democrática totalmente subvertida.

Milhões de trabalhadores já empobrecidos por uma crise económica crónica. Vão ser colocados em concorrência atroz. "Trabalhadores expostos ao dumping social, às deslocalizações, à precariedade, à chantagem ou ao desemprego sem que nenhum destes cidadãos possa usar o seu poder eleitoral para influenciar as escolhas politicas, económicas, sociais."
[6]

Face aos desastres económicos, sociais e ambientais os mesmos que vão fazer a sua defesa e propaganda hão de mais tarde fazer-se de vitimas e, como no caso do pacto da troika, dizer que foi "mal desenhado", que "o problema é a Constituição", etc.

Os critérios de repressão sobre os trabalhadores aplicados pela Wall Mart podem ser o ideal para os srs. Soares dos Santos e outros oligarcas que fogem com a riqueza criada em Portugal para paraísos fiscais. Porém, não podem mudar a realidade, as suas contradições, a sua dialética.

Não contam com isso. Não entendem que o fascismo, qualquer que seja a máscara, os alibis, os colaboracionistas que encontre, será derrotado, porque não pode, como se provou através da História desde os tempos mais antigos, escapar à luta de classes e travar o progresso.

O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência, escreveu Engels. Por isso da direita à social-democracia se vê uma tão grande obstinação na competição económica (em lugar de cooperação) à custa da exploração da força de trabalho. Bem dizia Raul Proença que "o liberalismo económico é uma das formas mais revoltantes do privilégio e do despotismo". Mas o que esperar de uma ideologia que faz de ganância a sua força motriz?

Notas
1- Obras Escojidas de C. Marx e F. Engels, Ed. Progresso, Moscovo, p. 85.
2- Para uma ação idealista no mundo real, em Seara Nova, dezembro de 1971.
3- Le pacte transatlantique, le coup d'État néolibéral, Marc Delepouve, sindicalista e universitário,
www.humanite.fr/tribunes/le-coup-d-etat-neoliberal-546985 ; também em www.legrandsoir.info/le-pacte-transatlantique-le-coup-d-etat-neoliberal.html
4- TTIP-TAFTA – der Ausverkauf unserer Demokratie, Susanne Suchuster, tradutora, pensadora ativista, também em
www.legrandsoir.info/...
5- Le mandat UE de négociation du grand marché transatlantique UE-USA, Raoul Marc Jennar
www.legrandsoir.info/... oir.info/le-mandat-ue-de-negociation-du-grand-marche-transatlantique-ue-usa.html
6- Peut-on "inverser la courbe du chômage" en vendant la France à l'OMC?, Samuel Moleaud,
www.legrandsoir.info/...
7- Colombie: Coup de gueule, Marie Monique Robin,
www.legrandsoir.info/colombie-coup-de-gueule.html


NOTA - Para além das referências que indicamos, não queremos deixar de mencionar o texto "Tratado Transatlântico: Um tufão que ameaça os europeus", inserido no Le Monde Diplomatique, ed. portuguesa, novembro/2013, de Lori Wallach, diretora da Public Citizen's Global Trade Watch

[*] Engenheiro.

Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .
 

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