quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

UE: SALVEM A UNIÃO BANCÁRIA!

 


Angela Merkel, mais uma vez com medo dos eleitores, renega as suas promessas e elimina as partes mais importantes da união bancária.

Rui Tavares* e Sven Giegold ** - Expresso, opinião

Estarão as eleições alemãs a causar um déjà-vu na crise europeia? Em 2010, a chanceler Merkel bloqueou uma intervenção decisiva contra a crise grega. O mundo assistiu incrédulo. O seu receio do eleitor alemão transformou-se em pânico na Europa. Este ano teremos de novo eleições na Alemanha. Merkel está a bloquear intervenções decisivas contra a crise bancária na Europa do sul. O mundo assiste, incrédulo. Será que o receio do eleitor alemão gerará mais pânico na Europa?
 
No Outono passado duas decisões acalmaram os mercados: o anúncio de Draghi de "fazer o que for preciso" para controlar a crise das dívidas soberanas e a decisão do Conselho relativa a uma união bancária. De facto, os bancos descapitalizados tornaram-se no problema mais urgente da Europa. A falência de um grande banco poderá provocar outro colapso do sector financeiro na Europa. Um resgate bancário em grande escala, porém, poria em causa mesmo os orçamentos públicos mais sólidos e levaria qualquer país a um risco de insolvência.
 
A reação geral tem sido continuar a empurrar com a barriga: os bancos prolongam os prazos dos empréstimos duvidosos em vez de conseguirem eliminá-los e os supervisores bancários nacionais optam pela tolerância regulatória, temendo uma insolvência bancária incontrolável. Esse comportamento vai levar ao ciclo vicioso bem conhecido do Japão. Bancos "zombie", mais mortos do que vivos, não concedem empréstimos a novas ideias ou negócios promissores. Apenas prolongam os empréstimos existentes a empresas "zombie". Mais mortas do que vivas, estas empresas reestruturaram a própria agonia em vez de investirem e criarem novos empregos. Como consequência teremos duas décadas perdidas, tal como no Japão.
 
Uma união bancária quebraria este ciclo vicioso: uma nova agência europeia de supervisão não teria medo de reconhecer as anteriores falhas regulatórias, forçando os bancos a eliminar os maus empréstimos. No caso destes bancos se tornarem insolventes, uma nova agência europeia de resolução bancária seria capaz, graças a uma nova lei europeia de resolução bancária, de apresentar uma solução eficiente para os bancos. No caso de haver setores sistemicamente relevantes de um banco que não devessem ser encerrados, um novo fundo de resolução capitalizaria um "banco bom" e encerraria um "banco mau" dentro da instituição financeira em risco, separando assim o trigo do joio. Não haveria nenhuma corrida aos depósitos nos bancos graças a um novo sistema europeu de seguros de depósitos.
 
Isto foi o que todos pensaram que tinha sido planeado no ano passado. Economistas, políticos europeus e, acima de todos, os mercados, tinham comemorado de forma entusiasta a decisão de avançar para uma união bancária - de que a chanceler Merkel fora então uma das defensoras mais ardentes. Mas qual tem sido o resultado? É por ignorância ou por arrogância que os políticos alemães parecem não entender que uma união bancária também poderia seria benéfica para a Alemanha? Quem é que investiu maciçamente na dívida do "subprime" (créditos de baixa qualidade concedidos para a aquisição de habitação) americana e faliu? Os bancos espanhóis ou "os tolos dos alemães", como os americanos dizem? Mas ninguém leu o relatório Liikanen sobre as reformas estruturais na banca, encomendado pela Comissão Europeia e publicado em outubro de 2012? Quais são os três bancos na Europa com o pior índice de alavancagem? Não são sequer bancos italianos ou espanhóis: todos os três são alemães. O fobia alemã à mutualização da dívida soberana espalhou-se para a dívida bancária. Um esquema europeu de seguros para futuros riscos bancários anda a ser vendido como um esquema permanente de transferência das contas de poupança alemãs para os perdulários do sul.
 
Merkel, mais uma vez com medo dos eleitores, renega as suas promessas e elimina as partes mais importantes da união bancária. O avanço do seguro de depósitos europeu foi totalmente cancelado por ser visto como uma drenagem direta das poupanças alemães. Um mecanismo europeu de resolução é considerado desejável, mas não sem uma mudança dos tratados europeus. Uma vez que mudar os tratados duraria anos, este é uma versão mais bem educada de dizer não. A única coisa que Merkel aceitou é a supervisão europeia dos maiores bancos, incluindo uma dúzia dos mais de 1500 bancos alemães.
 
A posição de Merkel sobre a mudança de tratados é apenas de fachada. Os seus argumentos legais são nulos. Não é à toa que não apresentou qualquer parecer jurídico detalhado sobre o porquê de o mecanismo único de resolução (SRM na sigla inglesa) ser contra os tratados atuais. O argumento de a Comissão Europeia passar a usurpar um poder novo só desvia as atenções do verdadeiro problema: não é a Comissão que está a ganhar poder, são os bancos que estão a perdê-lo. Sem o SRM os bancos ficam em posição de chantagear as nossas sociedades com subsídios ilimitadas de resgate. Não há perigo de o Supremo Tribunal alemão decidir contra o SRM, porque o privilégio orçamental do Parlamento alemão não seria violado. E quando mudarmos os tratados novamente algures no futuro, poderemos revisitar a questão da autoridade de resolução e passá-la da Comissão para uma agência independente.
 
O SRM, claro, não pode lidar com questões de legalidade. É por isso que o BCE irá realizar uma minuciosa revisão da qualidade dos ativos antes de assumir a sua nova responsabilidade como supervisor único . Além disso, os países poderão decidir supervisionar os bancos pequenos a nível nacional, porque esses bancos não podem chantagear as nossas sociedades. O BCE, no entanto, será o supervisor de último recurso, estando em posição de intervir contra a tolerância regulatória nacional.
 
A chanceler Merkel está apenas a renegar as suas promessas. Também está a trair as sociedades do sul da Europa. Milhões de pessoas estão a sofrer com o desemprego e a pobreza e salários sempre em queda. Sem um sistema bancário bem capitalizado e um sindicato bancário europeu de pleno direito, a confiança não vai reaparecer. Os bancos não serão capazes de se refinanciarem em condições dignas e não estarão em condições de apoiar novos investimentos. Com este clima de insegurança a recessão vai durar ainda mais tempo.
 
Em tempos normais dir-se-ia que estamos apenas a dez semanas das eleições alemãs. O novo governo será mais sábio e não arriscará causar danos seculares às sociedades do sul da Europa. No entanto, não estamos a falar de apenas dois meses. É preciso tempo para constituir um novo governo alemão, dar arranque a um Conselho Europeu e pôr a máquina de Bruxelas em marcha. Não há nenhuma hipótese de que isto aconteça antes das próximas eleições europeias em maio. Só no próximo Outono haverá uma nova Comissão. A menos que Alemanha encontre o caminho de volta para uma política europeia responsável, só podemos rezar para que não haja uma grande falência bancária durante os próximos dois anos. O Conselho deve adotar sem mais demora a proposta de Michel Barnier. Esta é a única maneira do mecanismo de resolução único e do fundo de resolução, financiado pelo setor bancário, serem decididos antes das eleições europeias. Este é o pré-requisito para o mecanismo de supervisão único europeu funcionar.
 
*Historiador e deputado português ao PE (independente/Verdes europeus)
 
**Deputado ao Parlamento Europeu (Verdes europeus/Alemanha) e porta-voz dos Verdes Europeus para as questões económicas
 

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