Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
A mensagem de Ano
Novo do presidente da República (PR), interpretada por analistas diversos como
uma intervenção com "ausência de novidades", "previsível" e
até catalogada como "discurso humilde", constitui uma das intervenções
mais conservadoras que o PR produziu até hoje e é, sem dúvida, um fortíssimo
empurrão para o conformismo dos portugueses.
As suas aparentes
fragilidades na interpretação da democracia são amputações objetivamente
ideológicas e o "terreno" está propício à penetração deste tipo de
mensagens.
A afirmação de que
"a questão é nacional, não é partidária" podia ter sido feita no
Estado Novo por qualquer dirigente da União Nacional, e continua a servir os
mesmos interesses que nessa altura. Dizer que o 25 de Abril "trouxe aos
portugueses a democracia e a liberdade", mas apenas "uma promessa de
desenvolvimento e justiça social" é ignorar a extraordinária transformação
social, económica, cultural e política que nos propiciou grandes avanços nos
principais indicadores de desenvolvimento humano e nas diversas vertentes da
igualdade, do progresso e da justiça sociais. Mas, a violência das políticas
atuais tolda a muitos portugueses a perceção das mudanças, logo esta mensagem
entra como pão em manteiga derretida, deixando ainda mais frágil a defesa da
democracia e da liberdade.
No seu discurso, o
PR borrifa-se para o Estado de direito democrático. Por isso, nada disse sobre
o Orçamento do Estado, ou sobre a distribuição da riqueza, e fez uma caricatura
dos conceitos de liberdade e de cidadania, insinuando que os portugueses, na
generalidade, só têm tido "redução dos padrões de bem-estar". Toda a
sua reflexão é centrada na garantia de Portugal agradar aos credores e aos
mercados, associando aí o conceito de interesse nacional e, por decorrência,
toda a ação política que ele idealiza para o seu "compromisso de salvação
nacional". Credibilizou as desastrosas políticas que o Governo e a troika
têm imposto, deixando a ilusão de que nos podemos safar por entre os pingos da
chuva, de que há soluções fugindo da vida real e não encarando os problemas.
O homem que
"na altura devida", ou seja, em finais de 2010, início de 2011,
classificou as condições em que o país vivia como "situação
explosiva", afinal age ideologicamente, pois nada faz contra a implosão do
país e não assume que o perigo e a dimensão da explosão possível não são hoje
menores.
Em 2011, o PR devia
ter agido de forma a proteger o país, ter sabido gerir a crise política e
responsabilizado, num quadro sério, todas as forças políticas; não devia ter
ajudado à construção de um cenário que permitiu à direita fazer uma campanha
eleitoral mentirosa; jamais devia ter apoiado a chantagem das agências de
"rating" e outros especuladores, nem as operações de transformação de
roubos privados em dívidas do Estado, nem feito coro com os que apresentaram a
troika como a entidade séria que ia trazer justiça, rigor e salvar Portugal.
Um país que está a
perder uma geração preparada e qualificada com o esforço do Estado social e das
famílias; um país que tem hoje a segunda mais baixa taxa de natalidade do Mundo
e não perspetiva recompor--se pela imigração; um país com perda de direitos
sociais, de retribuição e valor do trabalho, com forte empobrecimento, aumento
brutal do desemprego e das desigualdades e com destruição de estruturas da
economia e do Estado; um país com a sua soberania comprometida não inicia um
processo de recuperação com umas mezinhas de crescimento económico, uns
pozinhos de caridade e um "programa cautelar". Fazer esta leitura é
ato de hipocrisia política.
O PR fez um
discurso marcelista. Da mesma forma que Marcelo não conseguia imaginar um
Portugal próspero sem colónias e sem limitações às liberdades, Cavaco Silva não
é capaz de imaginar futuro para o país que não seja o da obediência aos
"mercados", do seguidismo das políticas desastrosas da União
Europeia, das imposições do capitalismo neoliberal, de jogos de
"oportunidades" e favores que enriquecem uns quantos espertos à custa
da pobreza coletiva.
O PR não vislumbra
um futuro sem a amputação dos direitos sociais e de cidadania. Por um Bom 2014,
não nos conformemos!
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