O golpe cortou um
breve período democrático, de menos de duas décadas, um tempo traumático para a
direita, derrotada três vezes nas eleições presidenciais.
Emir Sader – Carta Maior,
em Blog do Emir
O golpe cortou um
relativamente breve período democrático, de menos de duas décadas. Tinha sido
um tempo traumático para a direita, derrotada três vezes nas eleições
presidenciais e frustrada quando triunfou pela única vez.
Ela tinha tido que conviver com um clima relativamente aberto de disputas, com
partidos de esquerda, sindicatos, greves, grandes concentrações populares,
começo de sindicalização no campo. Desde a fundação da Escola Superior de
Guerra - por dois dos próceres golpistas de 1964, Golbery e Castelo Branco -,
que os militares, apoiados na Doutrina de Segurança Nacional, se puseram a
tramar golpes, até sua consumação em 1964.
Desde então o país viveu o período ditatorial de 21 anos, uma chamada transição
democrática de 5 anos do governo Sarney, o período neoliberal de Collor, Itamar
e FHC, de 12 anos e os governos do PT, do Lula e da Dilma, cujos 12 anos
completam o cinqüentenário desde o golpe.
A ditadura representou a restauração do férreo domínio do grande capital
nacional de internacional, com um modelo exportador e de consumo de luxo,
amparado num regime de terror. Depois da derrota, pela repressão, da
resistência clandestina, vieram os tempos da recuperação econômica - nos moldes
citados - até a crise da dívida e as greves do ABC, que levaram o regime à sua
fase terminal. Que ele conseguiu condicionar, bloqueando no Congresso as
eleições diretas e impondo a via do Colégio Eleitoral.
Esta via condicionou o caráter da transição, impondo-lhe um teor conservador,
que a limitou à restauração dos marcos gerais do Estado de direito. Não houve
democratização econômica e social, deixando incólumes o poder dos bancos, dos
latifundiários, dos meios de comunicação, das grandes corporações industriais e
comerciais, nacionais e estrangeiras.
Esgotou-se assim o impulso democrático gessado na resistência à ditadura e
expresso na Assembléia Constituinte e se favoreceram as condições para a
abertura do período neoliberal. Collor o introduziu com seus dois motes
demagógicos: os carros fabricados aqui seriam "carroças", apontando
para abertura escancarada do mercado interno; e os funcionários públicos
seriam "marajas", apontando para o Estado mínimo e a centralidade do
mercado. Sua queda deixou truncado esse processo, que foi retomado pelo FHC.
Como Collor não conseguiu fazer todo o trabalho sujo das privatizações e do
desmonte do Estado, para que o FHC aparecesse como a "terceira via",
estilo Tony Blair e Bill Clinton. FHC teve que vestir o tailleur da Margareth
Thatcher e cumprir as tarefas duras do receituário neoliberal. Também porque,
com o fracasso do Collor, tivemos no Brasil um neoliberalismo tardio, já
contemporâneo da crise mexicana, a primeira crise especificamente neoliberal na
América Latina.
Além dessas limitações, FHC teve que se enfrentar com fortes resistências do
movimento popular, em que o PT, a CUT, o MST e outros movimentos sociais
tiveram o maior protagonismo. FHC teve sucesso no controle imediato da
inflação, suficiente para se reeleger. Mas ao preço de jogar a economia do pais
numa estagnação profunda e prolongada, que levaria ao fracasso do seu governo -
incluindo a retomada da inflação e um gigantesco défice publico endividamento
com o FMI - e 'a derrota dos tucanos na eleição presidencial de 2002.
Desde então se começou um período de construção de alternativas de superação do
neoliberalismo, que prossegue no pais. Lula recebeu uma herança maldita, a
partir da qual organizou uma cautelosa transição nos seus primeiros anos de
governo - a era Palocci - até a passagem à era do modelo econômico e social,
que explica o enorme apoio popular do seu governo e do da Dilma.
Sem comentários:
Enviar um comentário