quinta-feira, 17 de abril de 2014

OS GENOCÍDIOS



Rui Peralta, Luanda

I - Ex-emigrantes hondurenhos, da cidade de El Progreso, reunidos na Asociación de Migrantes Retornados con Discapacidad (AMIREDIS) - formada em 2006, motivada pelo movimento de mulheres com familiares emigrantes desaparecidos no México - que têm em comum terem sido vítimas de acidentes ocorridos nos comboios mexicanos, regressando amputados ao seu país de origem, reivindicam os seus direitos realizando uma marcha por toda a América Central, com o objectivo de denunciar as condições com que os milhares de emigrantes centro-americanos enfrentam na sua busca por melhores condições de vida. A “maratón”, como é denominado o movimento, leva os emigrantes a confrontarem-se com os lugares e com as recordações do seu encontro com os comboios mexicanos, que eles designam por “La Bestia”. 

O percurso dos emigrantes hondurenhos para os USA passa pela Guatemala e pelo México. É neste último país que começam os problemas. Apesar de ser o país com a maior comunidade de imigrantes nos USA, o México é um autêntico inferno para os emigrantes centro-americanos. Os problemas iniciam-se logo á entrada, onde os emigrantes são despojados do pouco dinheiro que levam. As autoridades de fronteira e a polícia mexicana são os primeiros bandos de delinquentes com que os emigrantes se defrontam. Para fugirem às autoridades da Migração os emigrantes escondem-se nos comboios. Quando as autoridades da Migração efectuam o controlo sobre os passageiros dos comboios, os emigrantes escondem-se debaixo dos comboios, para não serem deportados. Muitos deles com o cansaço caem nas linhas férreas, ficando sem braços ou sem pernas.

Associações hondurenhas como a AMIREDIS, ou estruturas da igreja católica como o Serviço Jesuíta para Migrantes, actuam junto dos emigrantes, muitas vezes na Guatemala, para os aconselhar no seu percurso, que comportamento devem ter perante as autoridades mexicanas, os cuidados redobrados que devem tomar nos comboios mexicanos e fornecendo informações sobre locais seguros e instituições que os possam apoiar no México e nos USA, se lá conseguirem chegar. Segundo estas organizações, o grande número de acidentes ocorridos com emigrantes centro-americanos nos comboios mexicanos deve-se ao facto dos emigrantes que clandestinamente apanham os comboios, passarem três e quatro dias sem comer e devido á exaustão provocada pela entrada no país, muitas vezes efectuada durante a noite, depois de longas horas de caminhada.

É gente de paz e de valor, gente socialmente marginalizada nos seus países de origem, onde efectuam trabalhos precários ou vivem no desemprego e na miséria. É um movimento humano que tenta sair da condição de pobreza, da violência e do apartheid social e que procuram nos USA o emprego que nos seus locais de origem não encontram. São os imigrantes centro-americanos que nos USA constroem as casas, trabalham na manutenção das infraestruturas, trabalham nos campos, trabalham nas fábricas, trabalham como domésticos nas casas das classes médias e altas (alguns chegam mesmo a trabalhar como empregados domésticos na Casa Branca). Continuam sendo miseráveis e marginalizados, mas já ganham para matar a fome e para pagar a educação aos filhos. Muita da actual riqueza dos USA é formada pelo trabalho dos imigrantes clandestinos, em situação idêntica á que no seculo passado viveram as comunidades italianas, irlandesas e outras provenientes da Europa, ou no seculo XIX, viveram as comunidades provenientes do Extremo Oriente, quando da construção do caminho-de-ferro nos USA. 

Os centro-americanos que residem nos USA enviaram, durante o ano de 2013, para os seus países de origem, segundo os respectivos Bancos Centrais, cerca de 5 mil milhões de USD para a Guatemala, 4 mil milhões para El Salvador, 3 mil milhões para as Honduras e cerca de mil milhões de USD para a Nicarágua. Este é o ponto em que os emigrantes adquirem, como massa anónima e simultaneamente singular uma existência por parte do Estado e do mercado. Para trás ficam esquecidos factos, como a questão da pátria do emigrante, pátria que não se baseia nas fronteiras nacionais dos Estados, uma vez que os emigrantes “ilegais” empreenderam as suas viagens sem visas, sem documentos e com pouco dinheiro.

O seu mundo não é o da circulação mercantil, até ao momento em que, passados os tormentos, enviam as suas poupanças para o mercado, as remessas e passam a ter um estatuto de “gente honrada”, deixando para a memória dos espoliados as perseguições, os serviços de migração e fronteiras, as policias, os governos, as violações, as extorsões, os cartéis. Ao enviarem as suas poupanças para os países de origem os emigrantes tornam-se “cidadãos” e o Estado deixa-os de considerar “resistentes”, sem nome e sem bilhete de ida e volta (até ao momento em que passam a ser agentes da circulação mercantil, os emigrantes apenas têm nome e adquirem bilhete de passagem quando são capturados pelas autoridades fronteiriças).

É o “sucesso” obtido á custa da fome, da miséria e – em muitos casos – de partes do corpo (e sempre de grande parte da alma).
        
II - Os quase dois milhões de imigrantes expulsos dos USA, durante a administração Obama      - o maior número de deportados na História dos USA – representam, melhor do que quaisquer discursos, ou actos de boas intenções, a forma displicente, chauvinista e xenófoba com que a elite norte-americana trata os “sub-humanos”. A consequência destas medidas, autênticos dramas tragicamente reflectidos na vida dos imigrantes, provocou uma mobilização dos imigrantes indocumentados. Greves de fome, acções diversas de desobediência civil e marchas, realizam-se por todo os USA, em protesto contra as deportações e contra a política para a imigração de Obama). O “deportador”, nome pelo qual é conhecido Obama no seio das comunidades imigrantes, efectua prisões em massa de indocumentados.

“2 Milhões são demasiados” é a consigna da Campanha Not1More, que em mais de 80 cidades dos USA, exige o fim das deportações e o término do programa Comunidades Seguras (programa governamental de características fascizantes, que obriga os funcionários públicos a fazerem denuncias de casos de imigrantes indocumentados e ilegais e que coloca as policias locais a actuarem como agentes de imigração), para além de revindicarem os direitos civis dos cerca de 11 milhões de indocumentados. Frente á Casa Branca centenas de famílias de indocumentados, que pretendem falar com o presidente norte-americano sobre as consequências humanas da política de imigração dos USA, acamparam durante vários dias. Obama lá vai proclamando, aqui e ali, que “comparte a dor dos indocumentados”, mas muito pouco ou quase nada faz para alterar a situação enquanto em São Francisco foram detidos dezenas de manifestantes por actos de desobediência civil.

Estas campanhas, geralmente lideradas por jovens imigrantes, enquanto aguardam pela reforma prometida por Obama e pelos Democratas nas últimas eleições (reforma que encontra-se retida no Congresso), encetam acções diversas, com o objectivo de alterar a aplicação das leis migratórias, algo que apenas pode ser resolvido pelo Poder Legislativo. Também a Igreja Católica segue este assunto com redobrada atenção. Bispos católicos costumam frequentemente realizar missas nas quais oferecem comunhão aos imigrantes nos USA e referem a necessidade de alterar as leis migratórias. Recentemente o director da Migração da Conferencia dos Bispos Católicos dos USA, Kevin Aplleby indicou, numa teleconferência, que o custo social da inação é incalculável enquanto o executivo norte-americano continua a deportar os pais de milhões de cidadãos norte-americanos.   

Diversos agrupamentos, como o Movimento de Direitos Humanos e a Coligação Lei Dream, integrados na campanha Not1More denunciam a existência de diversas greves de fome em centros de detenção em Washington, Texas e Arizona       , exigindo melhores condições e final das deportações. A União Americana de Liberdades de Civis, no Estado de Washington declarou que o direito de livre expressão foi violado e apresentou diversas queixas de imigrantes detidos nos centros de detenção, enquanto a Aliança Mexicana, em Houston, acusa as autoridades texanas de abuso e de ameaças sobre grupos de jovens imigrantes. No Alabama, Tucson, Chicago, San Francisco e Geórgia os autocarros com imigrantes que receberam ordem de deportação foram impedidos de sair dos respectivos centros de detenção.

Nas cidades fronteiriças com o México foram efectuadas diversas acções de protesto contra a militarização da fronteira e contra as deportações e detenções, que contaram com a presença do Consejo Nacional de la Raza, a maior organização das comunidades latinas nos USA, que em comunicado refere que “não deixa de ser anedótico que toda esta pressão é exercida por um executivo que chegou ao poder porque prometeu profundas transformações na política migratória”. Obama captou os votos das comunidades latino-americanas com promessas eleitorais que não só não cumpriu, como permitiu que os seus adversários estabelecessem políticas de repressão intensiva, completamente alheia aos direitos humanos e às directivas das diferentes instituições internacionais sobre os direitos e garantias das comunidades imigrantes e sobre a protecção aos emigrantes.

Do projecto de Obama restam mantas de retalhos (não foi apenas com a politica de migração, foi com tudo: saúde, justiça, educação, desmilitarização, democratização económica e social, etc.), aldrabice, vigarice e muita incompetência, tudo misturado naquela que representará para a História uma das presidências mais hipócritas da habitual hipocrisia congénita que caracteriza o sistema politico norte-americano.

III - Enquanto os emigrantes centro-americanos procuram a saída para as suas vidas no gigante a Norte, em África, no passado dia 6 de Abril o Ruanda relembrou o genocídio ocorrido em 1994 (20 anos se passaram), em que foram assassinadas mais de 800 mil pessoas. A 6 de abril de 1994, o governo ruandês, dominado por uma facção extremista de etnia Hútu, iniciou uma campanha de extermínio sobre a minoria Tutsi. Homens e mulheres de todas as idades foram massacrados na presença da força de paz da ONU, durante 100 dias. O secretário-geral da ONU e diversos chefes de Estado africanos estiveram presentes nas cerimónias, excepto a França, que não se fez representar em virtude das acusações de participação nos massacres, proferidas pelo presidente ruandês numa entrevista á Jeune Afrique.
      
Tudo começa quando o presidente da época Habyarimana regressa ao país vindo de uma conferência de chefes de estado africanos em Dar-es-Salem e o seu avião é abatido. Esse foi o pretexto para o desencadear do genocídio ruandês, tranquilamente observado pelas forças de paz da ONU no terreno. A passividade das forças de paz da ONU foi justificada pelo General Romeo Dallaire, que liderava a força de paz enviada para o Ruanda em 1993, a um canal televisivo canadiano. Segundo ele os USA, devido á catastrófica intervenção realizada na Somália, tinham avisado no Conselho de Segurança que não interviriam em nenhum estado africano e que não forneceriam qualquer tipo de suporte logístico para intervenções da ONU em África, posição que tornou irrealizável, devido á falta de meios aéreos, um reforço em homens e equipamento, da força de paz no terreno.

De facto Clinton, presidente dos USA na época, afirmara, seis meses depois do fiasco norte-americano na Somália: "We will not intervene anymore unless it’s in our self-interest" E assim o Ruanda foi abandonado á sua sorte, quando a ONU, devido á posição dos USA, limitou-se a observar os acontecimentos, mesmo depois de 18 dos seus militares terem perdido a vida. A ONU, criada para, teoricamente, evitar Holocaustos como o que aconteceu na II Guerra Mundial, fechou os olhos ao genocídio no Ruanda. Estranha imagem a dos ruandeses que foram chacinados, ao verem no último momento de aflição, os soldados da ONU, a sua ultima esperança, a observarem a chacina…

A administração Clinton recusou-se a classificar os acontecimentos de 1994 no Ruanda como genocídio. Num curto memorando de uma página e três parágrafos o Departamento de Defesa dos USA indica que qualquer tipo de intervenção directa ou de ajuda a forças da ONU no Ruanda é “demasiado dispendioso (too expensive)” e que seria “muito mais barato (cheaper)” para os USA que o envolvimento fosse “posterior aos acontecimentos (follow up after the violence had ended)”. E enquanto este “memo” era enviado para o National Secutity Council (NSC) a rádio oficial ruandesa incitava os Hútus a eliminarem as “baratas” Tutsis.
   
A administração norte-americana nunca usou o termo genocídio para classificar, na época, os acontecimentos no Ruanda. Isto está patente nas declarações de algumas personagens quando saiam de uma reunião (“briefing”) do Departamento de Estado. Assim quando confrontada com a pergunta efectuada por um repórter sobre o genocídio em curso, a porta-voz do Departamento de Estado, Christine Shelly respondeu: “Well, as I think you know, the use of the term "genocide" has a very precise legal meaning, although it’s not strictly a legal determination. There are—there are other factors in there, as well. When—in looking at a situation to make a determination about that, before we begin to use that term, we have to know as much as possible about the facts of the situation.” Perante a mesma questão Madeleine Albright referiu: “Well, I think, as you know, this becomes a legal definitional thing, unfortunately, in terms of, as horrendous as all these things are, there becomes a definitional question.” E o então Presidente Bill Clinton responde desta maneira: “The end of the superpower standoff lifted the lid from a cauldron of long-simmering hatreds. Now the entire global terrain is bloody with such conflicts, from Rwanda to Georgia. Whether we get involved in any of the world’s ethnic conflicts, in the end, must depend on the cumulative weight of the American interests at stake.”

A esta posição irresponsável e reveladora dos interesses que reinavam e reinam na geopolítica e na geoeconomia global, juntaram-se os burocratas da ONU, a “majestade insofismável” da Inglaterra e o olhar para o lado da Bélgica. Quanto á França…é uma história controversa (ao modo gaulês) antes, durante e depois do genocídio. A França era o principal aliado do bando fascistoide que governava o Ruanda e existem duas questões que o governo francês e os serviços secretos terão de responder: O que sabiam? Desde quando sabiam?

IV - As milícias paramilitares fascistas ruandesas, as Interahamwe, formadas por extremistas hútu espalharam o terror sobre tutsis, mas também sobre os hútu que (maioritariamente) não concordavam com os fascistas e sobre a minoria twa. Ou seja, as Interahamwe espalharam o terror sobre o povo ruandês. Não se pense no entanto que a Frente Patriótica do Ruanda (FPR), que tomou o poder em 1994 e é agora a força política dominante, é um grupo de rapazes simpáticos, patriotas e antifascistas. De facto a FPR era apoiada pelo Uganda (e fortemente apoiado pelos USA, UK e Israel), penetrava no Norte do país através do Uganda (onde se encontravam as suas bases), desde 1990 e que cometia atrocidades, ao ponto de a população do Norte do Ruanda abandonar o território, para fugir (em direcção ao centro e ao Sul do país) aos massacres perpetrados pelos “patrióticos combatentes”.

A comunidade internacional impôs um embargo e exigiu ao governo ruandês (apoiado pela França) que cumprisse os acordos de Arusha, que o obrigavam a partilhar o poder com a FPR, de forma a terminar com os quatro de guerra. Os militares da FPR eram tutsis e o governo ruandês era, principalmente, integrado por hútus. Foram os acordos de Arusha que levaram o presidente ruandês a uma conferência de chefes de estado na Tanzânia e foi no regresso ao país que o avião presidencial foi abatido. As facções acusaram-se mutuamente. A FPR acusava os extremistas hútu de serem os responsáveis pelo atentado e estes acusavam a FPR.

Esta questão foi objecto de um relatório entregue em Agosto de 1997 ao Conselho de Segurança da ONU, o relatório Hourigan, que após apuradas investigações atribuía a responsabilidade do atentado á FPR. O autor deste relatório, Michael Hourigan foi encarregado pelo Tribunal Penal Internacional (sob a presidência de Louise Arbour) de investigar o atentado ao avião presidencial e apresentou provas que comprometiam a FPR e o actual presidente ruandês, Paul Kagame (líder da FPR). A conclusão idêntica chegou a investigação conduzida pelo juiz francês Jean Louis Bruguiere, em 1998.

Paul Kagame tinha bons aliados e a sua influência chegava á máquina burocrática da ONU. Por exemplo, Kofi Annan, em 1994 responsável pelo dossier Ruanda, era um dos grandes amigos de Kagame e não deu a conhecer ao secretário-geral Butros Ghali, o fax enviado pelo General Dalliare a pedir reforços e a avisar da tragédia iminente. Aliás é anedótica, no mínimo, a acusação do actual presidente ruandês, de que a ONU não fez nada, quando ele enviou dois emissários (Claude Dusaidi e Charles Muligande), em pleno genocídio, a New York e a Washington, pedindo á ONU que adiasse o envio de reforços e que deixasse a FPR resolver o assunto. Paul Kagame e a FPR devem ter sido das primeiras unidades militares AFRICOM e foram um importante balão de ensaio para a política norte-americana no continente africano.

Após a tomada do poder a FPR organiza esquadrões da morte que atacam os campos de refugiados ruandeses no Congo, com a desculpa que eram campos de genocidas. Falso! Os campos de refugiados ruandeses no Congo eram muito anteriores á fuga dos fascistas hútus. Foram criados em 1990, na altura em que a FPR conduzia acções de extermínio no norte do Ruanda. As mãos de Paul Kagame estão tão manchadas de sangue como as dos bandos fascistas que governavam o país em 1994. Em algumas ocasiões os patrões de Kagame (USA e UK) parece que tiveram ensejos de o despedir, mas Paul Kagame é daqueles agentes que sabem demais e são excelentes operacionais, o que o tem ajudado a manter a posição e a continuar a receber a bênção do seu patronato.

O lugar de Paul Kagame seria em Haia, a ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional (uma espécie de tribunal de trabalho, onde os patronatos ocidentais julgam os seus funcionários mais atrevidos) ao lado dos fascistas que o antecederam na governação do país. Mas neste sentido não foge muito á maioria dos seus parceiros africanos, que deveriam de facto ser julgados pelos seus povos (se isso acontecesse as acusações seriam muitas e vastas: desde a pedofilia ao homicídio, passando pelo peculato, roubo, vigarice, pederastia, delapidação e apropriação indevida do erário publico, etc., etc., etc.).

A importância de Kagame e da FPR no actual panorama neocolonial em que mergulhou o continente africano está patente na RDC, em que o Ruanda patrocina e dirige o M23, operacionalmente comandado pelo ministro da Defesa ruandês, James Kabarebe. O actual regime ruandês é demasiado importante para o cartel ocidental neocolonial, mesmo que as relações entre a FPR e a França (o numero dois do cartel) ainda não estejam clarificadas e Kagame guarde rancor em relação aos franceses, que sempre preferiram os seus adversários fascistoides, muito mais submissos á vontade imperial francesa.    

V - O Ruanda é, assim, uma peça importante e fundamental na actual guerra de agressão aos povos africanos, movida pelas elites imperialistas e pelos seus parceiros das elites africanas. Desde o genocídio ocorrido no Ruanda, em 1994, as armas não mais se calaram nos Grandes Lagos. As iniciativas de paz pan-africanas, as quais encontraram em Angola e na África do Sul dois fios condutores, são, na perspectiva neocolonial, uma ousadia que poderá pôr em perigo os interesses ocidentais na região, defendidos pelo Uganda e pelo Ruanda. A perspectiva de paz e de desenvolvimento é uma perspectiva que ensombra os interesses neocolonialistas, que pretendem um novo mapa geopolítico e geoeconómico para o continente, assente nas novas dinâmicas do capitalismo global.

A importância do continente africano é hoje revista, face ao enquadramento do Pacifico. Este novo enquadramento irá trazer novas dinâmicas internas no continente e obriga a uma leitura atenta das dinâmicas externas e das realidades internas de cada país africano. A integração de África na geoeconomia mundial está muito longe (a anos-luz) de acontecer. O continente continua a ser visto como um imenso armazém de recursos naturais, uma vasta e enorme reserva, guardada pelas suas elites, promovidas pelos senhores imperiais a parceiros, face aos novos papéis que desempenham. 

Também aqui, a questão dos movimentos migratórios é de extrema importância (até de muito maior importância - não apenas do ponto de vista do desenvolvimento humanizado, mas do ponto de vista geoestratégico – do que os movimentos migratórios centro-americanos). As políticas de desenvolvimento do continente têm de passar pela definição das políticas migratórias, na vertente da emigração e da imigração. Na vertente emigratória há que acabar de uma vez por todas com o mito (que serve de camuflagem á ausência de politicas) da “diáspora”. Os emigrantes africanos são vítimas das maiores atrocidades e caem (tal como os seus irmãos centro-americanos e asiáticos), na maior parte dos casos, nas mãos dos bandos de traficantes e nas redes ilegais de emigração.

Os seus pontos de destino são, maioritariamente, a Europa e o Médio Oriente e nesses pontos, quando se encontram ilegais, são vítimas das maiores arbitrariedades. Não existe qualquer política de acompanhamento por parte da grande maioria das embaixadas dos Estados africanos nestes países. Os emigrantes africanos são abandonados á sua sorte e as remessas enviadas para os respectivos países são na maior parte dos casos, desconhecidas (excepções como Cabo Verde há muito poucas),o que gera um desperdício nas políticas de poupança.
  
Na vertente imigratória a ausência de políticas gera grandes assimetrias de tratamento e conflitualidades de diversa ordem. Na grande maioria dos Estados africanos não existem portas abertas (só para a livre circulação de capitais e para a exportação ilegal dos mesmos) nem portas fechadas, pela simples razão de que as portas são apenas para enfeitar, sendo colocadas ou tiradas consoante o nível de corrupção das autoridades alfandegárias e de fronteira.

Torna-se pois, perante este panorama de ausência e de inexistência, fáceis as manobras neocoloniais, os atentados á soberania nacional e á integridade territorial dos Estados africanos, ao mesmo tempo que os cidadãos emigrantes e imigrantes africanos são tratados como não-humanos, não-pessoas e não-cidadãos. É por outro lado necessário rever o estatuto dos trabalhadores não-africanos no continente e ser-lhes atribuídos o estatuto de imigrantes, acabando de vez com essa falsa imagem de “expatriado” ou de “cooperante”.

É que os genocídios, meus caros amigos, são de diversa ordem e sempre consequências de ausências de políticas adequadas e de erróneas leituras…e também aqui há uma indisfarçável mão invisível a mexer os cordelinhos que fazem mover os bonecos.

Fontes
Straus, Scott. The Order of Genocide: Race, Power, and War in Rwanda UW-Madison Press
Universidad Rafael Landivar de Guatemala. Programa de Investigación “Praxis mesoamericana contemporánea”

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