Rui Peralta, Luanda
I - Imagens de
milhares de manifestantes nas ruas das principais cidades venezuelanas, o aparelho
policial e militar a actuar e acções armadas efectuadas por grupos de civis,
são divulgadas internacionalmente, nas últimas semanas, pelos órgãos de
comunicação social, acompanhadas por ecos de golpe de estado e pelas acusações
da oposição de direita que considera estar a Venezuela perante uma ditadura.
Para os que pretendem aperceber-se da situação actual do país as dificuldades iniciam-se
de imediato, através das próprias notícias que chegam, dos comentários e das
imagens televisivas, do texto jornalístico ou apenas pela palavra, mistos
descritivos e narrativos, cruzados com propaganda (a das facções em conflito e
a propaganda da facção representada pelo órgão comunicante). A analise critica,
ferramenta indispensável para a construção de um julgamento critico (e de um
olhar critico), torna-se inexistente e o cidadão global é bombardeado com
construções de cenários, geralmente construídos com restos fragmentados de
situações descontextualizadas e com o discurso martelado do pró e do contra.
Em Dezembro de 2013
o governo bolivariano venceu as eleições, alcançando 49% dos votos e
conquistando 72% das administrações locais. A oposição de direita, reunida na
Mesa de Unidade Democrática (MUD), não aceitou os resultados. Por sua vez os
sectores dissidentes á esquerda do governo alcançaram os 5% das intenções de
voto e as facções oposicionista dissidentes da MUD ficaram-se pelos 2%. O discurso
eleitoral das forças políticas governamentais (centradas no Partido Socialista
Unificado da Venezuela, PSUV) foi baseado na memória do líder falecido, Hugo Chávez
e no combate á especulação iniciada pelas grandes cadeias comerciais e que teve
particular incidência nos preços dos electrodomésticos. O MUD, por sua vez,
apostou numa campanha intencionalmente plesbicitaria, escamoteando e
subvertendo a função real do acto eleitoral, apresentando as eleições como um
mero “SIM/NÃO” sobre o processo bolivariano. Esta estratégia fracassou e
assistiu-se á vitória das forças bolivarianas, num cenário de crise económica,
politica e social.
O ano de 2013
terminou mergulhado na inflação. A política governamental do “preço justo” foi
um fracasso, responsável em grande medida pelos aumentos da inflação nos meses
de Novembro e Dezembro em cerca de 7%. Por sua vez, ao aumentar a massa
monetária em cerca de 70%, o Banco Central da Venezuela (BCV) tem uma fatia
considerável na responsabilidade pelo elevado índice de inflação registado em
2013 (cerca de 56%). Enquanto isso, entre 2012 e 2013 a sobrefacturação de
importações ultrapassou os 20 milhões de USD e Maduro admitiu publicamente que
o governo não realizou devidamente o controlo das divisas e das empresas
importadoras. Para concluir o panorama as reservas em divisas internacionais
caíram um pouco mais de 8 milhões de USD, durante o ano de 2013, abrindo o ano
de 2014 em cerca de 22 milhões de USD.
Perante esta
situação o governo empregou o capital político da sua vitória eleitoral em
negociações com a MUD, tentando obter apoio para as medidas que pretendia
implementar. Duas semanas depois da “vitória sobre o fascismo” Maduro e o PSUV
reúnem-se cordialmente com a MUD, acordando a implementação do aumento do preço
dos combustíveis. Num comunicado posterior a MUD anuncia que: “pone a
disposición del Ejecutivo sus recursos técnicos y políticos para alcanzar el mayor
consenso en una materia de tanta significación para la vida de los venezolanos”.
Em posteriores reuniões, o governo e a oposição acordam sobre os planos de
segurança (rapidamente implantados a nível regional pelos alcaides e
governadores da MUD).
Apesar dos acordos
sobre o aumento dos preços dos combustíveis, efectuados com as confederações
patronais e com a MUD, o governo está preocupado com a reacção popular. O
carisma e o prestígio pessoal da liderança de Chávez permitiu, em períodos
anteriores, a implementação de medidas antipopulares sem que existisse qualquer
perda da sua base de apoio, mas Maduro padece de alguns problemas no que toca a
liderança e as negociações com a MUD foram vivamente criticadas pelas bases do
PSUV e por alguns baronatos do partido que aguardam a sua hora para ascenderem
á liderança. Nas “cotoveladas” entre as diversas facções burocráticas do PSUV
ouvem-se, publicamente e amiúde, acusações de “desgoverno” que misturam-se com
posições críticas assumidas pelas bases que acusam Maduro e a actual direcção
do PSUV de “virarem á direita”.
Zangam-se, pois, as
comadres de Bolivar…
II - Enquanto os
rituais bolivarianos sucedem-se (perderam alguma imprevisibilidade – característica
que Chávez sempre emprestou a esses rituais - sendo agora, com Maduro, uma real
chatice, feita de frases estudadas e de risos e sorrisos elaborados), na MUD factores
como a derrota eleitoral, a recusa em aceitar os resultados e as negociações
entre a facção de Capriles e dos partidos tradicionais com o governo do PSUV,
agudizam as contradições internas. A ala encabeçada por Leopoldo Lopez, líder
da Vontade Popular (VP) e a deputada Maria Corina Machado lançam no início de
Fevereiro uma campanha denominada “la salida está en la calle”, sendo a
primeira demonstração na Plaza Brión, em Caracas. No acto participaram os maoistas
da Bandera Roja, o alcaide António Ledezma e a Federação de Centros
Universitários da Universidade Central da Venezuela, cujo presidente é o
intragável Juan Requesens.
Simultaneamente, na
Ilha Margarita, a direita realiza um protesto de carácter xenófobo e
ultranacionalista contra a selecção cubana de basebol, que participava na Série
do Caribe (curioso como nesta demonstração a direita venezuelana utilizou as
mesmas técnicas e os mesmos slogans da direita ucraniana contra a comunidade
russa). Dois dias depois realizam-se os
primeiros protestos estudantis em San Cristóbal e Mérida. A VP e seus aliados,
sectores mais radicais, tentam apoderar-se da direcção da MUD, capitalizando a
situação económica e social do país.
A campanha deste
sector da oposição caracteriza-se por uma componente provocadora (como por
exemplo a acção contra a residência do governador de Táchira ou acções armadas
na cidade de Mérida), tendo como objectivo o aproveitamento da reacção policial
e do PSUV. Desta forma os sectores mais radicais da direita venezuelana,
reunidos em torno da VP e permanecendo coligadas às restantes forças
direitistas na MUD, geram acções desestabilizadoras, alargando o âmbito da
crise económica e social com o intuito de abrir uma grave crise politica.
O PSUV, sentindo-se
ameaçado, reage e utiliza grupos para-policiais para combater as concentrações
da oposição (sejam de caracter violento ou pacifico) e ataca as zonas
residenciais onde habitam os líderes e os militantes mais activos da oposição
de direita (como, por exemplo ao ataque á residência do Monsenhor Chácon, em
Mérida, cidade onde decorria um “cacerolazo”, no qual houve dois feridos). Esta
reacção provocou uma mudança de conteúdo dos protestos, alargando a sua
amplitude, como foi visível em 12 de Fevereiro, dia em que foram realizadas
marchas em 18 cidades venezuelanas.
Na capital e no
litoral os protestos incidiram sobre a libertação dos estudantes detidos, o fim
das actuações repressivas policiais e o término da violência provocada pelas
forças para-policiais e paramilitares, organizadas por militantes do PSUV. No
interior do país, onde a crise é sentida de forma mais severa do que no litoral
e na capital, o leitmotiv dos protestos foram a crise dos serviços públicos, as
medidas de ajustamento e a inflação, ultrapassando as directivas da MUD (embora
tenha aproveitado a oportunidade) nos protestos realizados nas cidades do
interior. O PSUV realizou, igualmente, algumas concentrações e marchas de
grande magnitude por todo o país, nesse mesmo dia, mas foi em Caracas que se
registaram os acontecimentos que desencadearam um escalada nos protestos, em
virtude da actuação da polícia, da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e do
Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), que em coordenação com
grupos para-policiais, perseguiram os grupos de estudantes que confrontaram-se
com a polícia e provocaram danos em edifícios governamentais.
A Venezuela assiste
á actuação de grupos de pressão em ambos os campos. Aquilo que a MUD pretende
identificar como grupos de activistas e de estudantes, são de facto as suas
milícias desestabilizadoras, em busca de provocar reacções e comportamentos
menos próprios por parte da polícia. Quanto ao PSUV parece andar a utilizar os
fundos públicos para constituir as suas milícias, contradizendo os apelos
constantes á calma, proferidos por Maduro e apostando na sua mobilização no
seio da GNB e da sua influência no SEBIN. Alguns sectores bolivarianos
distanciam-se deste comportamento e desta forma de actuação anticonstitucional
e lesiva dos interesses da democracia bolivariana (neste sector está o diário
Ultimas Noticias, de linha editorial bolivariana, que publicou um interessante
trabalho de investigação sobre as ligações entre o SEBIN, a GNB e as milícias
do PSUV), mas em contrapartida, outros sectores, ligados á imensa e improdutiva
burocracia criada durante o processo transformador em curso, pretendem
agarrar-se com unhas e dentes, não ao processo revolucionário (estas camadas
não acreditam nesse discurso) mas á forma como os seus interesse evoluem no
processo.
Maduro agiu bem ao
destituir o responsável máximo do SEBIN e ao acusar os agentes deste serviço
que participaram nos actos repressivos, de terem agido contra a constituição e
fora das instruções e procedimentos institucionais. Agiu correctamente quando
responsabilizou os manifestantes direitistas das mortes e dos feridos e falou
claro ao denunciar que estava em curso um processo similar ao do golpe de 2002.
Mas as actuações das forças para-policiais e paramilitares do PSUV e da MUD
marcaram, no dia 12 de Fevereiro, um ponto de inflexão nos protestos.
Os dados, viciados,
foram lançados.
III - A maioria da
informação sobre a actual campanha circula nos meios electrónicos, uma vez que
os canais de televisão privados e públicos observam um acordo com o governo,
referente á transmissão de imagens e de informações em directo que a Comissão
Nacional de Telecomunicações considere que incitam á violência. A hipocrisia
deste acordo assume proporções ridículas. É curioso como os “progressistas e
revolucionários bolivarianos” alinham nestas fantochadas, atirando para o cesto
dos papéis a sua fluente lábia sobre os “meios de propaganda do Império”.
Enfim, o peixe morre pela boca, porque não resiste ao anzol…
Os jornais
venezuelanos têm um problema grave: o papel onde são impressos. Pois…as
dificuldades de importar papel, leva a que a maioria dos jornais do país tenha
reduzido de forma substancial o número de páginas e alguns jornais regionais
saíram de circulação. A imprensa escrita privada, para além do problema do
papel onde os seus tabloides são impressos, tem ainda um outro problema: o
papel que desempenha. Uns são abertamente contrários ao governo, outros
alinharam com o governo, não por uma questão de princípio, mas de interesse, o
que leva a estabelecer fluxos de pró e contra absolutamente mirabolantes. A
imprensa privada venezuelana não pode ser resumida na dicotomia pró/contra,
porque existem os prós que já foram contra e os contras que já foram prós e os
prós que estão a tomar o caminho do contra e os contras que estão em vias de
tornarem-se prós.
Vejamos o exemplo
da Cadena Capriles, cujo proprietário é Capriles o líder da MUD e candidato da
direita contra Maduro nas ultimas eleições. Os trabalhadores da Cadena Capriles
realizaram assembleias, á margem da administração e em ambiente de
semiclandestinidade (absolutamente contrário ao que a lei preconiza, sendo um
direito dos trabalhadores estes poderem realizar as suas assembleias de forma
aberta), para oporem-se às linhas editoriais dos proprietários da Cadena Capriles
e á restrição do direito de informação. É estranho? Não. É, apenas, revelador
da actual situação do país. É a grande ressaca bolivariana.
Foram retirados os
serviços de televisão por cabo e via satélite a canais internacionais que informam
sobre a situação venezuelana, não porque seja uma política governamental, nada
disso! É o acordo sobre segurança, assinado pelos “progressistas” bolivarianos
e pelos “fascistas”. Ficam assim garantidos os direitos de propriedade sobre a
informação e saí apenas o que não é considerado violento, atentatório da
harmonia e da concórdia.
Uma das ameaças que
pairam constantemente sob a sociedade venezuelana é (para além da corrupção sem
fim, das condições inumanas das prisões, dos mecanismos jurídicos que nunca, ou
tarde e a más horas, funcionam, da pressão inflacionária, da carestia, do
desemprego, dos bandos de marginais) o golpe de Estado. O golpe de Estado é
usado pelo governo e pela oposição, de forma constante e em grandes dosagens,
sendo os cidadãos sempre convidados a recordar os acontecimentos de 2002. A
ameaça é real e pela "overdose" de golpe, vai acontecer o mesmo que
aconteceu a Pedro, quando foi comido pelo lobo.
Aparentemente não
existem pronunciamentos militares antigovernamentais, nem deserções nas forças armadas,
nem tampouco parece existir uma forte ligação entre os militares (quadros
superiores e médios) e a burguesia venezuelana. Pelo contrário, os militares,
aparentemente, encontram-se coesos em torno do governo e fazem parte da elite
bolivariana, sendo muitos militares de patente superior, alegremente, do sector
dos novos-ricos, conhecidos por “boliburgueses”. Temos portanto já bem
desenvolvido o sentido “patriótico” dos negócios, cabendo aos militares o papel
de “generais de mercado”, um fenómeno típico em diversas sociedades sul e
centro-americanas, africanas e asiáticas.
Mas tudo isto, todo
este envolvimento bolivariano, todo este empenho patriótico das superiores
hierarquias militares é aparente e pode ser quebrado pelas medidas de ajustamento
que governo e oposição acordaram. Não porque estas medidas sejam profundamente
antipopulares, mas sim porque podem afectar a ascensão dos seus negócios. Ora
como o governo agita constantemente o golpe e a oposição não dá um passo sem
referir a possibilidade do golpe, não será de admirar que o povo venezuelano
uma bela manhã acorde com os veículos militares nas ruas, os aviões da Força Aérea
no céu e a Marinha de Guerra no mar. E quando isso acontecer, adeus conquistas
populares obtidas, adeus direitos adquiridos, adeus às campanhas de
alfabetização, adeus á tímida criação de um sistema nacional de saúde, adeus á
educação pública, livre, aberta, universal e gratuita e outros adeus que os
pobres das cidades e dos campos, as comunidades indígenas, os trabalhadores e
os desempregados, terão de fazer.
IV - A maioria da
direcção da MUD não aprova a campanha da VP e assumiu publicamente essa posição
de discórdia. A confederação patronal FEDECÁMARAS discorda das paralisações e
igual posição tem o sector sindical afecto ao MUD. Gustavo Cisneros,
considerado o “maior capitalista” do país, já anunciou o seu apoio ao governo e
a REPSOL assinou um acordo de financiamento (mil e duzentos milhões de USD) á
PDSVA. A hierarquia da Igreja Católica já manifestou o seu apoio aos planos de
“pacificação das almas” do governo e Maduro ensaia uma aproximação aos USA. Por
sua vez o líder da VP, Leopoldo Lopez, entregou-se às autoridades, que o
responsabilizam pelas mortes ocorridas nos confrontos de 12 de Fevereiro.
Perante esta
situação, onde se insere a lógica de um iminente assalto militar ao poder? Que
indícios efectivos existem que esteja em curso um golpe de estado? É certo que
toda a direcção da MUD (de Capriles a Lopez) esteve envolvida no golpe de 2002
e que a burguesia nacional assume o golpe de Estado como conceito predominante
do seu repertório, sempre que vê os seus interesses serem afectados (o discurso
da burguesia nacional venezuelana é baseado na dicotomia golpe de
Estado/concórdia. Quando os seus negócios são afectados pelas medidas populares
enche a boca de golpe de Estado, quando o governo toma medidas contrarias aos
interesses populares, apela á concórdia e á harmonia entre “todos o
venezuelanos”).
O ambiente de
alerta criado pelos discursos “golpistas” do governo e da oposição é uma ameaça
permanente às liberdades democráticas. Os mecanismos de censura criados pelos
acordos entre o governo e a oposição (por via dos proprietários dos órgão de
comunicação social privados) são um ataque camuflado ao direito de informação, ao
direito e á liberdade de informar e de ser informado. O discurso da ameaça
permanente do golpe é uma espada de Démocles que paira sobre a sociedade
venezuelana e constitui um entrave ao processo de transformação em curso. O
SEBIN (descendente bolivariano da DISIP, criada em 1969), em virtude da
doutrina de segurança nacional assumida de mútuo acordo pelo governo e
oposição, é exonerado das suas funções de serviço de inteligência e
transformado numa agência de repressão, coordenadora de esquadrões da morte, á
imagem dos seus antecessores pré-bolivarianos da DISIP.
Como pode a
revolução bolivariana conviver com uma doutrina de segurança nacional que
coloca os interesses do Estado acima dos direitos sociais e dos interesses
gerais da soberania popular? Não será que o discurso do golpe e do contragolpe,
criador das condições necessárias para a aplicação da doutrina de segurança
nacional, o ABC da contrarrevolução encetada pelas elites bolivarianas,
temerosas de perderem o controlo sobre o processo bolivariano de
desenvolvimento e que este seja conduzido pela soberania popular? Não será a
doutrina da segurança nacional a doutrina da contrarrevolução das elites
bolivarianas, que não hesitam em chegar a acordos pontuais com os sectores
oligárquicos da sociedade venezuelana?
A revolução
bolivariana está em risco e isso é um facto. O movimento estudantil foi,
literalmente, atirado para os braços da oposição. As camadas mais pobres da
população, que depositam a sua esperança na política bolivariana de
transformação e de desenvolvimento social observam, preocupadas, as medidas
antipopulares tomadas pelo governo e os trabalhadores torcem o nariz aos
acordos entre o governo e o patronato, enquanto as suas organizações e
associações são ignoradas. A crise económica está a revelar a face real de
alguns sectores bolivarianos. A pretensão de superar os problemas estruturais
da economia venezuelana entregando-a nas mãos da burguesia nacional, o discurso
ambíguo e propagandístico do “golpe” (que é uma ameaça real se as conquistas
populares não avançarem) que entrega a politica de segurança aos militares e
(ponto principal) a condução politica do processo transformador estar entregue
a um partido corporativista, são factores que enunciam a decomposição do processo
e que são o cerne da contrarrevolução interna.
Os programas de
assistência social encontram-se numa dinâmica regressiva desde 2007 e
assiste-se a um emaranhado legislativo que restringe, na práctica, o direito á
greve. Os conflitos sociais e laborais são resolvidos através da utilização do
ineficaz e parasitário aparelho administrativo, ou seja, nunca são resolvidos,
acabando a repressão por ter a ultima palavra. É assim que líderes comunitários
(como o chefe indígena yukpa, Sabino Romero) e sindicalistas (como Ruben
Gonzalez) foram detidos entre 2009 e 2011, o mesmo acontecendo, recentemente, a
dez trabalhadores (entre eles José Bodas, secretário-geral da Federação
unitária dos Trabalhadores do Sector Petrolífero) que participavam numa
assembleia de trabalhadores na Refinaria de Puerto La Cruz.
A crise afecta os
trabalhadores, que arcam com o custo principal, enquanto aos sectores
transnacionais encrustados na indústria petrolífera, á banca privada e ao comércio
importador são atribuídas benesses e “incentivos”. Mais de nove milhões de
cidadãos vivem em condições de pobreza e ¾ dos trabalhadores do sector público
recebem baixos salários, enquanto os militares são os únicos que vêm os seus
salários aumentarem, acima da inflação.
A revolução
bolivariana atingiu uma encruzilhada. Ou aprofunda a democratização económica,
melhora as condições de vida dos trabalhadores, desempregados e camadas
desfavorecidas da população, ou continua na via do “ajustamento estrutural”,
satisfazendo os interesses das camadas burocráticas criadas durante o processo
e chega ao fim do seu caminho. Ou prossegue na via da reforma agrária,
garantindo terras para os camponeses, garantindo as revindicações das
comunidades indígenas e simultaneamente delimita áreas para a agricultura industrial
(podendo aqui canalizar os sectores da burguesia nacional, atribuindo-lhes
alguma utilidade) de forma a criar uma agricultura diversificada, que mantenha,
por um lado, os tradicionais mercados comunitários, que insira o camponês na
rede nacional e que utilize a intensiva agro-indústria para a exportação, ou
continua na senda do “socialismo com capitalistas”, ao qual já nem mesmo o
folclore e os discursos bolivarianos conseguem disfarçar a sua faceta utópica e
reacionária.
Restam dois
caminhos aos bolivarianos: ou caminham pelos trilhos dos pobres, ou guiam as
suas potentes viaturas nas autoestradas dos ricos. É simples.
V - Se ao nível das
dinâmicas internas a complexidade é grande, ao nível da dinâmica externa as
coisas apresentam-se menos complexas. Washington continua a aproveitar a
situação interna para manipular determinados factores e subjugar o processo
bolivariano de desenvolvimento. Os sectores mais radicais da oposição (alguns
são assumidamente fascistas) são uma jogada de pressão por parte dos USA,
depois do discurso moderado para as eleições ter redundado em fracasso. Mas
enquanto no terreno interno a Casa Branca utiliza os seus bonecos e bonecas, também
no plano externo os fantoches grotescos aparecem. O mais grotesco desses
fantoches é o Panamá, com o qual a Venezuela cortou relações diplomáticas e
comerciais, na mesma altura em que Maduro chamou a atenção á Organização dos
Estados Americanos, afirmando que a “Venezuela não solicitou o debate com a OEA
sobre a sua situação interna. Não solicitámos a vossa intervenção na Venezuela.
Teriamos de estar loucos para o fazer”.
Entretanto o
Congresso dos USA aprovou uma resolução que expressa o apoio aos que “lutam
pela democracia na Venezuela”, ou seja, uma moção de apoio aos bonecos “made in
Venezuela” que a CIA maneja á distância (talvez a partir de Miami, onde se “habla”
muito e que é um local preferido pelos reacionários não apenas hispânicos, mas
de todo o mundo, de tal forma que pode ter o lema: “reacionários do mundo
uni-vos…Em Miami!”). A proposta foi da congressista republicana Ileana
Ros-Lehtinen, que no seu discurso de apresentação da moção no Congresso
referiu: “Perante a face autocrática (…) que usa a violência e impõe a sua
vontade aos cidadãos (…) palavras não são o suficiente. Temos de agir e devemos
de agir agora! (…)”
De facto a USAID, o
National Endowment for Democracy (NED) e o International Republican Institute
(IRI) forneceram centenas de milhões de USD á oposição e mesmo a grupos
estudantis como a Juventude de Acção, Venezuela Activa, etc. (talvez por isso
este seja o “movimento de protesto” com mais ténis Nike e outros acessórios que
na Venezuela custam muitos salários mínimos). As palavras da congressista são
graves e cruzam-se com os fantasmas do golpe de estado, esgrimido pelo governo
bolivariano e da oposição.
Talvez que, afinal,
o golpe de Estado exista efectivamente na aparente inexistência de golpe, sendo
assim um golpe virtual (o primeiro na História), um golpe que nunca termina,
que está presente em cada medida antipopular, ou em cada legislação que retira
direitos e liberdades. O golpe deve ser esse. De uns e de outros…É bom que o
governo bolivariano não esqueça que para vencer o golpe de Estado (seja real,
aparente ou virtual) não pode emaranhar-se em golpes mas sim envolver-se na
Revolução.
Fontes
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