sábado, 31 de maio de 2014

A SOBREVIVÊNCIA DA LÍBIA



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

Um numeroso grupo de militares líbios liderados pelo renegado general Khalifa Haftar rebelou-se contra o seu próprio governo e decidiu meter mãos à obra de combater as milícias islâmicas que actuam nas duas principais cidades do país, Trípoli e Benghazi.

Desertor do exército nos tempos do coronel Kadhafi, o general Haftar refugiou-se nos Estados Unidos na última década, apenas regressando a Líbia depois da deposição do antigo regime, alegando ter na altura esperado que o país entrasse numa onda de desenvolvimento participativo onde todas as forças políticas se pautassem por um comportamento democrático.

O general Haftar foi aos poucos perdendo a confiança nos sucessivos governos que se seguiram ao assassinato de Muammar Kadhafi, chegando ao ponto de ter decidido convencer alguns antigos companheiros de armas para criar uma frente militar que pudesse anular a acção das milícias islâmicas e de, ao mesmo tempo, lutar contra aquilo que diz ser a “cumplicidade do governo” em relação a esses grupos.

Para já, ainda é cedo para se saber quais as forças que estarão por detrás da determinação do general Haftar, havendo fortes indícios de que não foi por mero acaso que passou os últimos dez anos nos Estados Unidos e que, por via disso, teria o apoio logístico e material desse país.

A ser verdade, isto representa uma inversão na estratégia dos Estados Unidos em relação à Líbia e que se estava a pautar pelo reforço do apoio ao governo que ajudou a colocar no poder depois de ter participado na coligação internacional que derrubou Muammar Kadhafi.

O actual governo líbio apressou-se já a criticar a actuação do general e a garantir que não existe da sua parte qualquer tipo de conivência com as milícias islâmicas e definindo como prioritário o estabelecimento da ordem em todo o país.

Mas a verdade é que não deixa de ser estranha a impunidade com que essas milícias actuam, sobretudo nas grandes cidades, não havendo notícias de que existam planos governamentais para anular todos esses grupos nem para levar a tribunal elementos, já identificados, que dirigiram ataques contra as instituições oficiais, como o Parlamento.

Neste momento, por força da determinação do general Haftar e do grupo que decidiu acompanhá-lo, o próprio governo começa a ter nessas milícias islâmicas uma fonte de esperança para garantir a sua segurança e sobrevivência politica.

Não deixa de ser sintomático o facto da residência do primeiro-ministro ter sido recentemente alvo de um ataque por elementos não identificados, estando agora a segurança do local entregue a grupos de civis que fontes independentes dizem ser constituídos por milícias islâmicas.

Face a esta situação, temendo represálias por parte desses grupos armados, o governo dos Estados Unidos decidiu encerrar a sua embaixada em Trípoli e aconselhar os seus cidadãos a abandonarem o país, seguindo assim o exemplo do que já foi feito noutras missões diplomáticas, como a de Portugal, Inglaterra e Jordânia, que foram recentemente alvo de tentativas de invasão.

Aliás, o embaixador jordano na Líbia ainda se encontra desaparecido em local incerto havendo suspeitas de que estava feito refém de uma dessas milícias islâmicas, a mesma que levou a cabo o atentado que matou em Benghazi o então embaixador dos Estados Unidos no país.

Fontes diplomáticas em Trípoli garantem que o general Haftar está a trabalhar debaixo de um plano gizado pela CIA que pretende anular a acção das milícias islâmicas, mas também colocar no poder um governo descomprometido com o passado recente do país e que possa ser encarado pela população como a única “tábua de salvação” para impedir o regresso a uma situação de guerra civil, como a que imperava no processo que levou ao derrube de Muammar Kadhafi.

Para já, o prestígio do general Haftar constitui a garantia de que o exercito está empenhado no combate às milícias armadas, mas não impede de se pensar que isso seja um passo determinante para que o país possa ultrapassar todos os seus problemas.

Costuma dizer-se que se sabe como os militares chegam ao poder mas que é sempre uma incógnita determinar os caminhos que os levam a abandoná-lo. O que está a acontecer no Egipto é um bom exemplo daquilo que pode ser o futuro da Líbia, salvo as devidas diferenças.

Para a população líbia, sobretudo a que vive em Tripoli e Benghazi, o momento é de indefinição e de sobressalto, uma vez que os militares que se voltaram contra o governo usam de uma violência extrema para combater as milícias armadas, havendo mesmo já denúncias de mortes em massa de populares no seio dos quais se abrigavam elementos radicais islâmicos.

Neste momento uma das poucas certezas que existe é que a Líbia é um país dominado pela violência e profundamente dividido, onde o governo é a forca que menos poder detém e que corre sérios riscos de depender das milícias islâmicas para poder sobreviver face à revolta da maioria dos seus efectivos militares.

A retirada em massa de cidadãos estrangeiros e o abandono por parte de numerosas organizações não governamentais é um forte sinal de que o pior ainda está para vir, restando pouco tempo para se saber como se saldará mais uma aventura perpetrada por um grupo de países liderados pelas grandes potências ocidentais para se apoderar das potencialidades económicas de um país que chegou a ser apontado como dos mais ricos em África.

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