sábado, 31 de maio de 2014

Portugal: PASSOS, O HUMILDE



Isabel Moreira – Expresso, opinião

Que alívio.

Tanto tempo à espera de uma explicação para o desastre desta governação; tanto tempo à espera de uma explicação para um Passos que se atirou com fome ao poder com promessas que desdisse uma vez no cargo; tanto tempo à espera de uma explicação para a adesão laranja e azul, não ao memorando, mas ao dobro dele; tanto tempo à espera de uma explicação para anos de diabolização e derrube dos funcionários públicos e dos idosos; tanto tempo à espera de uma explicação para a insistência no pensamento desligado do país real de Vítor Gaspar durante e após a sua demissão; tanto tempo à espera de uma explicação para o desemprego mais vertiginoso da nossa democracia; tanto tempo à espera de uma explicação para o regresso ao slogan pré-civilizacional "quanto mais fácil despedir, mais cresce a economia"; tanto tempo à espera de uma explicação para a celebração do desaparecimento da classe média que garante a coesão social; tanto tempo à espera de uma explicação para o deslumbramento com a paisagem de um país terceiro-mundista com mais pobres e mais milionários e multimilionários; tanto tempo à espera de uma explicação para o ataque ao que reverteu a sociedade pobrezinha e forçadamente grata da ditadura, a escola pública, o SNS, a Segurança Social; tanto tempo à espera de uma explicação para exterminar pela escravatura os beneficiários do RSI; tanto tempo à espera de uma explicação para o ódio repentino ao reconhecimento dos direitos de todas as crianças, ao reconhecimento da pluralidade dos modelos familiares; tanto tempo à espera de uma explicação para a revogação da vitória que prestações sociais essenciais tinham tido na retirada da pobreza de milhares de pessoas; tanto tempo à espera de uma explicação para promessas feitas e quebradas quinze dias depois; tanto tempo à espera de uma explicação que nos tire da cabeça que o projeto da direita é empobrecer e assim aumentar as exportações; tanto tempo à espera de uma explicação para a loucura fiscal instalada; tanto tempo à espera de uma explicação para uma política de insulto a quem discorda dela; tanto tempo à espera de uma explicação para a campanha indigna e não democrática, 40 anos depois de Abril, contra a Constituição e contra o garante da mesma, o Tribunal Constitucional; tanto tempo à espera de uma explicação para a convicção de que o projeto governamental deve prevalecer sobre a lei fundamental; tanto tempo à espera de uma explicação que nos retire da cabeça a certeza banal de que a destruição do fator trabalho, do seu valor, é a destruição da sociedade, que nunca sustentará, no estado em que foi deixada, as condições da saída limpinha; tanto tempo à espera.

Saiu a explicação autêntica. Passos falou após o diagnóstico: falta "melhorar a comunicação"; "é preciso estar mais com as pessoas, com os seus dramas"; e, claro, "ser humilde".

Está explicado.

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