terça-feira, 13 de maio de 2014

UCRÂNIA: UM GESTO DE DISTENSÃO




A reviravolta de Moscou constitui um dos últimos fatores de esperança para evitar uma onda nacional de violência na Ucrânia e de tensão regional.

La Jornada, editorial – Carta Maior, 9 maio 2014

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, apoiou ontem de maneira insuspeita as eleições presidenciais previstas para o próximo dia 25 de maio na Ucrânia – às quais se referiu como “um passo na direção correta” – e pediu aos federalistas e aos separatistas pró-russos das regiões do leste ucraniano, que atualmente mantêm enfrentamentos armados com as tropas de Kiev, que adiem o referendo de autodeterminação prevista para 11 de maio, com a finalidade de se “criar as condições necessárias para o diálogo”.

As declarações comentadas constituem uma reviravolta na política do Kremlin em relação à Ucrânia, que até agora havia se caraterizado pelo apoio pelo menos verbal aos grupos pró-russos radicais e moderados. É significativo que, algumas horas antes do discurso do presidente russo, o ministro das Relações Exteriores de Moscou, Serguei Lavrov, tenha dito que seria “incomum” que as autoridades interinas da Ucrânia seguissem adiante com a realização das releições presidenciais enquanto o Exército realiza uma operação militar contra os grupos armados pró-russos no leste do país.

Goste ou não do atual governo da Ucrânia e de seus aliados em Washington e Bruxelas, e independentemente das reais intenções do presidente e do efeito que suas palavras possam surtir nos grupos sublevados da Ucrânia, as declarações de Putin carregam um irrefutável fator de relaxamento no conflito que cresce a cada hora e se agrava com explosividade e ódio: no interior, a ação das milícias separatistas e a violenta resposta de Kiev colocaram o país europeu à beira de uma guerra civil; no exterior, o conflito verbal e as ações militares tanto da Rússia como do Ocidente na região pintaram um cenário que inevitavelmente remete aos tempos da Guerra Fria.

Contudo, o apoio de Putin às eleições de 25 de maio parece uma aposta muito frágil em relação à situação tensa que se vive na Ucrânia: sejam quais forem os cálculos das atuais autoridades ucranianas, a realização de eleições não garante por si só a estabilização do país, sobretudo porque essas mesmas autoridades parecem mais dispostas ao esmagamento pela via militar de seus detratores do que a busca por uma solução pacífica do conflito.

No entanto, não se pode descartar a possibilidade de que eleições realizadas em circunstâncias confiáveis e transparentes possam contribuir para encaminhar o conflito na Ucrânia a uma via institucional e civilizada: para isso, é necessário colocar em prática algo a mais do que a troca formal de poderes institucionais e discutir uma reorganização política e institucional do país – que é necessária, inclusive, desde antes das revoltas que levaram à queda do ex-presidente Víktor Yanukovich. Deve se recordar, de fato, que a crise ucraniana não começou com a anexação da Crimeia à Rússia nem com as sublevações das províncias orientais e do sul do país, e nem mesmo com o assim chamado Euromaidan.
 
Nas pouco mais de duas décadas transcorridas desde a dissolução da União Soviética, a Ucrânia passou por diversos períodos de instabilidade e ingovernabilidade. Mesmo assim, as tensões entre os ucranianos do leste e do oeste têm sido uma realidade recorrente desde que o país deixou de ser uma república soviética, e se caracterizaram pelas denúncias persistentes de atropelamento da língua e de outros direitos das minorias nacionais por parte do governo de Kiev.

Por ora, a reviravolta de Moscou constitui um dos últimos fatores de esperança para evitar uma onda nacional de violência e de tensão regional com consequências imprevisíveis. Cabe esperar que tal gesto seja correspondido pelo regime de Kiev e por seus defensores, especialmente os Estados Unidos e a União Europeia. 

Tradução: Daniella Cambaúva - Créditos da foto: Arquivo

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