A reviravolta de
Moscou constitui um dos últimos fatores de esperança para evitar uma onda
nacional de violência na Ucrânia e de tensão regional.
O presidente da
Rússia, Vladimir Putin, apoiou ontem de maneira insuspeita as eleições
presidenciais previstas para o próximo dia 25 de maio na Ucrânia – às quais se
referiu como “um passo na direção correta” – e pediu aos federalistas e aos
separatistas pró-russos das regiões do leste ucraniano, que atualmente mantêm
enfrentamentos armados com as tropas de Kiev, que adiem o referendo de
autodeterminação prevista para 11 de maio, com a finalidade de se “criar as
condições necessárias para o diálogo”.
As declarações comentadas constituem uma reviravolta na política do Kremlin em
relação à Ucrânia, que até agora havia se caraterizado pelo apoio pelo menos
verbal aos grupos pró-russos radicais e moderados. É significativo que, algumas
horas antes do discurso do presidente russo, o ministro das Relações Exteriores
de Moscou, Serguei Lavrov, tenha dito que seria “incomum” que as autoridades
interinas da Ucrânia seguissem adiante com a realização das releições
presidenciais enquanto o Exército realiza uma operação militar contra os grupos
armados pró-russos no leste do país.
Goste ou não do atual governo da Ucrânia e de seus aliados em Washington e
Bruxelas, e independentemente das reais intenções do presidente e do efeito que
suas palavras possam surtir nos grupos sublevados da Ucrânia, as declarações de
Putin carregam um irrefutável fator de relaxamento no conflito que cresce a
cada hora e se agrava com explosividade e ódio: no interior, a ação das
milícias separatistas e a violenta resposta de Kiev colocaram o país europeu à
beira de uma guerra civil; no exterior, o conflito verbal e as ações militares
tanto da Rússia como do Ocidente na região pintaram um cenário que
inevitavelmente remete aos tempos da Guerra Fria.
Contudo, o apoio de Putin às eleições de 25 de maio parece uma aposta muito
frágil em relação à situação tensa que se vive na Ucrânia: sejam quais forem os
cálculos das atuais autoridades ucranianas, a realização de eleições não
garante por si só a estabilização do país, sobretudo porque essas mesmas
autoridades parecem mais dispostas ao esmagamento pela via militar de seus
detratores do que a busca por uma solução pacífica do conflito.
No entanto, não se pode descartar a possibilidade de que eleições realizadas em
circunstâncias confiáveis e transparentes possam contribuir para encaminhar o
conflito na Ucrânia a uma via institucional e civilizada: para isso, é
necessário colocar em prática algo a mais do que a troca formal de poderes
institucionais e discutir uma reorganização política e institucional do país –
que é necessária, inclusive, desde antes das revoltas que levaram à queda do
ex-presidente Víktor Yanukovich. Deve se recordar, de fato, que a crise
ucraniana não começou com a anexação da Crimeia à Rússia nem com as sublevações
das províncias orientais e do sul do país, e nem mesmo com o assim chamado
Euromaidan.
Nas pouco mais de duas décadas transcorridas desde a dissolução da União
Soviética, a Ucrânia passou por diversos períodos de instabilidade e
ingovernabilidade. Mesmo assim, as tensões entre os ucranianos do leste e do
oeste têm sido uma realidade recorrente desde que o país deixou de ser uma
república soviética, e se caracterizaram pelas denúncias persistentes de
atropelamento da língua e de outros direitos das minorias nacionais por parte
do governo de Kiev.
Por ora, a reviravolta de Moscou constitui um dos últimos fatores de esperança
para evitar uma onda nacional de violência e de tensão regional com consequências
imprevisíveis. Cabe esperar que tal gesto seja correspondido pelo regime de
Kiev e por seus defensores, especialmente os Estados Unidos e a União Europeia.
Tradução: Daniella
Cambaúva - Créditos da foto:
Arquivo
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