Ana
Sá Lopes – jornal i, opinião – ontem
Cavaco
cidadão tem todo o direito de virar as costas a quem diga mal dele
Há
adjectivos que se vão colando a determinadas pessoas e se propagam sem que de
facto se possa perceber muito bem porquê. A coisa nasceu um dia, alguém a
repetiu e espalhou-se como um vírus. Se o qualificativo for simpático para a
criatura em questão, será ele próprio, os seus amigos, os seus porta-vozes que
se encarregarão de amplificar. Alguns dos qualificativos são de escassa duração
e lidos muitos anos depois tornam-se quase cómicos: no arranque da campanha
interna de Sócrates à liderança do PS, alguns socialistas chamavam a Sócrates
“o Cavaco do PS”. O que era aqui “vendido” era a “determinação”, a “persistência”,
a “capacidade vencedora”, etc. e tal. Hoje é provável que os mesmos que há dez
anos falavam nisto considerem a identificação insultuosa.
Quanto
a Cavaco Silva, o adjectivo que desde muito cedo se lhe colou foi o de
“institucionalista”. A expressão é repetida em vários fóruns com regularidade –
em muitos casos até para justificar as omissões do Presidente (tipo a
Constituição não dá quase poderes nenhuns ao Presidente da República).
Ora
se Cavaco Silva fosse verdadeiramente institucionalista tinha mandado fazer uma
notazinha do Palácio de Belém a dar os parabéns a Carlos do Carmo pelo Grammy.
Não é Cavaco Silva a saudar o homem que o criticou asperamente nos últimos
tempos – é o Estado português, que Aníbal Cavaco Silva chefia, a dar os
parabéns a Carlos do Carmo. Mas Cavaco Silva não distingue as suas funções
entre chefe de um estado e as do simples cidadão que se ofende com as críticas
e deixa de falar a quem o destratou. O Cavaco cidadão tem o direito de virar as
costas a todos os portugueses que dizem mal dele (que, a avaliar pelas
sondagens, já são mais que muitos). O Cavaco Presidente da República tem uma
instituição a servir e o Estado a representar. Ao recusar emitir o tradicional
comunicado oficial (repetido cada vez que qualquer português ganha um prémio de
relevo), Cavaco Silva demonstra que não é um institucionalista, como não foi
institucionalista ao faltar ao funeral de Saramago, como não foi
institucionalista ao fazer uma comunicação ao país em horário nobre sobre as
anedóticas “escutas de Belém”. E não faltam outros exemplos.
Chamem-lhe
todos os nomes que quiserem, institucionalista é que não. Cavaco Silva vende
essa ficção com o mesmo sucesso e glória adjacente com que vendeu dos anos 80
ao tempo presente (30 anos!) a teoria de que não era um “político”.
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