Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Reforço
uma ideia que já expressei nesta coluna: a sociedade portuguesa está a viver
tempos de excesso de serenidades e de silêncios. Como diz o poeta,
"silêncio é tudo o que tem quem vive na servidão". A persistência na
ideia de que é indispensável mantermo-nos quietos e submissos, porque se assim
não for os nossos credores e os mercados se irritam e seremos penalizados, é um
convite à destruição do nosso futuro, individual e coletivo, numa perspetiva de
vida democrática e de concretização de anseios de progresso.
Se
o povo português e as suas organizações se mantiverem tolhidos nos seus medos,
nada se resolverá. Como provam os efeitos que se vão observando na situação do
BES, os podres adquiridos ou em gestação podem estilhaçar os avanços que se
conquistaram com a democracia.
A
insistente propaganda do Governo e do presidente da República (PR), de que
valeram a pena os sacrifícios, de que iniciamos um caminho de recuperação que
nos há de permitir "desenvolvimento sustentado", são puras mentiras.
Pensar que nos podemos safar por entre os pingos da chuva é uma perigosa ilusão
que pode sair muito cara.
Há
poucas semanas alguém sonhava que o "The Guardian" viesse a titular -
como fez na quinta-feira, dia em que a CMVM suspendeu as ações do BES -
"Dow Jones cai 1% na abertura da sessão face ao medo provocado pela
situação da banca portuguesa que atingiu Wall Street"? Ou que a capa do
"Financial Times" (10 de Julho, versão eletrónica) tivesse como
conteúdo: "Medo à volta dos bancos portugueses desencadeia uma onda de
vendas na bolsa europeia"?
A
passividade nada resolve. Os problemas que nos conduziram ao empobrecimento e a
um fortíssimo recuo nas condições do nosso desenvolvimento não estão
resolvidos. Os governantes de serviço dizem-nos que o mau tempo já passou,
exatamente quando o temporal está a chegar e não foram nem estão a ser
trabalhadas medidas de precaução. Portugal está de novo no olho do furacão e
essa situação não resulta de qualquer motim ou reivindicação excessiva. A luta
e a resistência não são o perigo. O perigo é a podridão que foi fermentando e
contamina a economia, a situação social e cultural dos portugueses, o sistema
político, a democracia.
O
que tem sido feito ao dinheiro que sacaram ao comum dos portugueses com as
políticas de austeridade? O que se preparam para fazer?
A
corrupção, o compadrio, o encobrimento de negócios duvidosos e de troca de
favores gerou grande parte da "crise": em nome desta os portugueses
foram sacrificados, mas aquelas práticas prosseguiram.
Se
não formos capazes de, coletivamente, assumir em consciência que a dívida não é
sustentável e que a política da dívida seguida é inviável, não encontraremos
saída. Os cidadãos nem sonham com a panóplia de armadilhas escondidas em
elementos e instrumentos do sistema que nos tem dominado, como é o caso do BES.
São
cada vez mais as vozes que se ouvem a recomendar mudança de políticas e as que
pedem a discussão das dívidas. Até o alemão apoiante da Sra. Merkel,
Hans-Werner Sinn vai reclamando uma conferência sobre a dívida. Em Portugal, o
primeiro-ministro e o PR continuam, de forma ardilosa, a tentar convencer o
povo de que os que defendem a reestruturação/renegociação da dívida são
irresponsáveis.
A
reestruturação da dívida, objetivo que impõe um ato trabalhoso e difícil de
renegociação, devia ter sido encetada logo em 2011, continua hoje
imprescindível, e quanto mais se adiar maiores serão as nossas dificuldades.
Portugal
necessita de propostas concretas, com metas, instrumentos e técnicas a aplicar,
que permitam ao país ter posição própria que salvaguarde os seus interesses e
possa ser apresentada de forma autónoma e/ou no contexto de um processo
europeu.
Informe-se
os portugueses com verdade e acabe-se com amedrontamentos enganosos. Sempre que
se fala de passos a dar para que a riqueza, que se movimenta no país ou a
partir dele, seja convocada para ajudar a resolver os problemas é recorrente o
alerta: "cuidado com a fuga de capitais". Mas não se diz ao povo que
os buracos do BES e muitos outros, em 2007/2008 ou em momentos posteriores,
fizeram e farão desaparecer milhares e milhares de milhões euros.
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