quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A PALAVRA É GENOCÍDIO



José Goulão – Jornal de Angola, opinião

Esqueçam as comparações entre o que se passa hoje em Gaza e as características de outras operações terroristas realizadas nas últimas décadas, até mesmo da autoria dos governos e tropas de Israel. 

Podemos detectar pontos de contacto muito nítidos na invasão do Líbano em 1982, especialmente durante as semanas do sangrento cerco a Beirute Oeste, mas o horror do cenário actual supera isso tudo. Não é apenas o caso da “desproporção” de forças, com que alguns dirigentes ocidentais julgam aliviar consciências (caso ainda as haja) ou, mais provavelmente, tentam sacudir o sangue que lhes espirra para as farpelas devido às óbvias cumplicidades com os criminosos.

(Em alguns casos, abra-se aqui um parêntesis, mais valia que ficassem calados como é o caso de os Estados Unidos terem condenado o bombardeamento de uma escola ao mesmo tempo que aprovavam o fornecimento de mais munições ao exército israelita para que a chacina continue. Depois disso, já mais duas escolas foram arrasadas e, com elas, mais 30 vidas humanas).

O que está a acontecer em Gaza remete-nos directamente para o modo como nasceu o Estado de Israel e as limpezas étnicas onde lançou as suas raízes. Gaza é uma nova fase da implantação de Israel em todo o território da antiga Palestina, é a liquidação da solução de “dois Estados”, que nunca existiu na cabeça dos sectores racistas e siofascistas cada vez mais dominantes no Estado sionista, mas apenas nas palavras de conveniência.

Os dirigentes israelitas insistem na tese de quem ataca – a resistência palestiniana, e quem defende – o exército israelita. O estratagema não passa de um acto de propaganda primária que o governo de Telavive tem a certeza de ser espalhado aos ventos pelos megafones que lhe são atentos, veneradores e obrigados.

Gaza é, há muito, por obra de Israel e, em grande parte, do Egipto, uma prisão a céu aberto onde dói viver. 

Os foguetes do Hamas serão, como escreve o jornalista israelita Gideon Levy, “a única maneira que o território tem tido de se fazer ouvir”. Tragicamente é verdade, porque o bloqueio mata e a recusa em negociar da parte israelita também. Os foguetes do Hamas também, por vezes, mas a opressão – e o bloqueio é uma opressão – sempre gerou resistência, mesmo “desproporcionada”.

A tese israelita de quem defende e quem ataca é uma densa cortina de poeira para esconder a realidade. Israel prepara condições para liquidar a resistência, ocupar e anexar a Faixa de Gaza, se possível com uma colonização israelita e um mínimo de população árabe. Como? 

Basta abrir uma porta de saída a uma população que não tem agora por onde fugir do inferno e estabelecer um prazo durante o qual se mantém tão generoso acto “humanitário”. O deserto do Sinai é amplo (e agora a cumplicidade egípcia tudo indica que também o seja). Nada de original: foi assim em 1948 em centenas de povoações palestinianas, mesmo ali nos arredores. 

Localidades israelitas que se chamam Siderot, Yad Natan, Zohar, Eshkolot, Erez, Helets e que há 50 anos, como nos séculos anteriores, se chamavam Dimra, Beit Daras, al-Betani-al-Gharbi, Yassur, Karativa, Buryair, habitadas por populações que, com respectivos descendentes, são agora os degredados de Gaza.

O que está a acontecer em Gaza não é uma guerra, não se iludam, muito menos uma auto-defesa. É a criação premeditada, perversa, fria e desumana de uma situação de pânico, terror e desespero numa população de milhão e meio de pessoas à mercê dos algozes, enquanto o mundo não mexe uma palha, apenas debita palavres piedosas, para travar este novo Holocausto que tem em Nakba a sua palavra correspondente em árabe. 

O objectivo sionista é o de sempre: substituir uma população por outra.

Uma guerra, que dizem ser “fábrica de heróis”, faz-se entre exércitos. Quando se chacina uma população e devastam lugares onde se acolhem os indefesos da sociedade, sobretudo as crianças, não é correcto falar-se de guerra. A palavra a­justada é genocídio.

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