Folha
8, 23 agosto 2014
Paulo
Lukamba Gato sabe, sobretudo pela experiência da guerra mas, igualmente, pelos
ensinamentos da paz, que a verdade é algo que muitas vezes dói muito, mas tem
também a certeza de que só ela cura. Por isso não teme dizer que a deserção
de muitos dos militantes do seu partido, a UNITA, se deve à corrupção (uma
epidemia nacional com raízes no colonialismo português) e à falta de diálogo
entre a liderança do partido e as bases.
Embora
de forma mais ou menos silenciosa, a verdade é que as deserções de militantes
da UNITA, ainda o maior partido da oposição, têm gerado preocupação no seio dos
dirigentes do Galo Negro. Embora os ex-militantes estejam a filiar-se noutros
partidos, o principal beneficiário é o MPLA. Esta constatação não é boa para a
UNITA, tal como é muito má para a democracia que todos almejam mas que o MPLA
só aceita porque, segundo o seu líder, José Eduardo dos Santos, “foi imposta”.
O
deputado e antigo secretário-geral da UNITA, o general na reforma Paulo
Lukamba Gato, não tem medo da verdade e entende que o partido não pode pedir
ajuda à onça para combater o gato bravo. Ele sabe, por experiência própria,
que depois de derrotar o gato a onça os vai comer.
O
general Gato, que falava à margem de um seminário na província do Huambo, disse
que uma das principais razões que provoca o abandono de muitos militantes das
fileiras da UNITA tem origem na ‘’falta de diálogo permanente’’ entre a
direcção do seu partido, liderado por Isaías Samukuva, e os militantes da
base.
Por
outras palavras, os dirigentes que trocaram a mandioca pela lagosta estão a
esquecer-se que ainda há, e com o MPLA haverá por muitos longos anos, muitos
angolanos que deram o corpo e a alma pela UNITA e que hoje estão apenas a
sobrevier nas margens da vida e da dignidade.
E
o ex-secretário-geral da UNITA apresenta soluções: “Temos a receita, é o diálogo
permanente, institucional a todos os níveis. Tem de se dialogar, os dirigentes
têm de ter tempo para dialogar, de aprofundar o contacto, estar próximo das
preocupações dos militantes para podermos prevenir esse tipo de casos que são
sempre prejudiciais para a imagem do partido.”
A
corrupção é também para este prestigiado militante da UNITA um outro factor por
detrás deste abandono. Por outras palavras, Lukamba Gato considera que as
condições económicas difíceis em que vivem inclusive dirigentes do maior
partido na oposição, facilitam a actividade do MPLA que, por não ter problemas
financeiros, alicia o pessoal da UNITA com malas de dólares e cargos governativos.
Ou seja, entre a barriga vazia e um saco de arroz a escolha é simples. Aliás,
já ninguém no Galo Negro se lembra que o Presidente Savimbi dizia que preferia
ser livre de barriga vazia do que escravo com ela cheia.
Apesar
deste cenário auspicioso para o MPLA e trágico para a UNITA, Paulo Lukamba
Gato acredita que a Direcção “vai fazer tudo para que o partido possa estancar
este movimento de abandono”, explicando que “este não é um movimento
permanente, mas de vez em quando surge como fruto da situação muitas vezes
difícil, da situação que as pessoas estão a atravessar e, face a certas
promessas, as pessoas cedem frente às dificuldades do dia-a-dia.”
Embora
Lukamba Gato não esteja só nesta análise, o certo é que outras figuras de topo
da UNITA preferem o silêncio e, como no passado recente, preferem ser
assassinados pelos elogios do que salvos pela crítica. Foram disso exemplos
as saídas de militantes como Carlos Morgado, Joaquim Icuma, Abel e Américo
Chivukuvuku.
Actualmente,
na cúpula do maior partido na oposição, uma das figuras contestatárias da
actual liderança é o deputado e ex-secretário-geral, o general Abílio Kamalata
Numa. Para ele a actual liderança não tem sido capaz de fazer uma verdadeira
oposição contra o actual Governo do MPLA, o que de certa forma, origina as
deserções.
“Precisamos
de uma liderança firme na UNITA. A liderança actual do meu presidente Samakuva
é uma liderança que vai fazendo o que pode, mas não pode pressionar o MPLA
para as alterações que Angola precisa. Temos de mudar isso tudo, só nesse
contexto é que todos esses aspectos irão mudar,” diz Abílio Kamalata Numa.
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