Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
1 O
BES deixa um mar de destroços, vidas financeiramente destruídas e outras que
demorarão anos a salvar através da venda de bens do caduco Grupo Espírito Santo
(GES). Fá-lo com um resgate, quase cinco mil milhões de euros, que só o tempo
mostrará se serão pagos ou não pelos contribuintes e que talvez pudesse ter
sido evitado nesta dimensão se há duas semanas uma intervenção mais decidida do
Governo e do Banco de Portugal não tivesse deixado o banco cair dos 60 até aos
10 cêntimos.
As
lições a tirar são muitas e, na prática, nenhuma. A mentira e a ganância são
muito velhas. Quando um braço importante do sistema financeiro rebenta, os
estados são chamados de emergência para evitar que toda a economia colapse. É
assim em todo o lado - só António José Seguro, que quer ser estadista, ainda
não percebeu.
Recorde-se
que no dia seguinte ao colapso financeiro de 2008, George W. Bush, um
indefectível do "mercado", teve de ir salvar a segunda maior
seguradora do Mundo, a AIG. Se não o tivesse feito, milhões de
norte-americanos teriam perdido as suas poupanças-reforma. Espanha, por seu
lado, teve de meter 200 mil milhões na Banca (20 vezes mais que Portugal).
2 O
caso BES sucede porque, reconheça--se, todos os dias os ladrões enganam os
polícias. E a tarefa de desmontar o GES, peça por peça era, reconheça-se, quase
inimaginável para as forças e meios de um governador do Banco de Portugal ou da
Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O GES, BES, Ricardo Salgado
e Ricciardi foram sempre os pivôs de todo um sistema financeiro e político
blindado. Talvez só os auditores, neste caso sobretudo a KPMG, pudessem
conhecer com todo o detalhe o que por lá se passava. E é exatamente neste ponto
que, passados seis anos sobre a falência do Lehman Brothers, na prática pouco
mudou. Cada empresa de auditoria lavará as mãos dizendo ter apenas uma visão
parcial de um negócio e estarão sempre nos relatórios as meias palavras, meias
tintas, que permitem todas as leituras. Como o cliente tem sempre razão, é
muito difícil que a auditora contratada humilhe na praça pública o presidente
do banco que a contratou. E o ciclo vicioso mantém-se: o Banco de Portugal
acusa as auditoras e estas escudar-se-ão no que revelaram (sem no entanto terem
verdadeiramente "revelado" em toda a sua força e extensão).
3 Ricardo
Salgado e a família tentaram evitar uma falência que foi nascendo no pós-crise
de 2008 e se tornou galopante a seguir à bancarrota de Portugal. Arriscou cada
vez mais e finalmente o Banco de Portugal conseguiu apanhar o
"ladrão", já ele tinha gerado um efeito devastador - sobretudo nos
depositantes que acreditavam cegamente na marca "BES" ou nos
acionistas que subscreveram o último aumento de capital tendo por base
informação manipulada pelo "papa" da Banca.
4 Neste
trágico episódio da vida portuguesa perdeu-se o maior banco privado, a
liderança da maior empresa de telecomunicações (PT-Oi), uma das maiores
seguradoras nacionais está à venda e o maior grupo internacional português com
ativos por todo o Mundo desaparece. O especialista em grandes trapalhadas
bancárias, João Rendeiro, calcula em mais de 7% as perdas do PIB português com
este episódio. E perderam-se milhões no mercado de capitais -Portugal tornou-se
um sítio ainda mais perigoso para se meter dinheiro.
Mas
esta é apenas mais uma história deste sistema financeiro baseado no lucro
extremo e na remuneração a todo o custo para os acionistas. Há sempre um dia em
que o "monstro" escapa ao controlo de quem beneficia dele. É uma
espécie de equilíbrio "genético" porque, no essencial, o sistema
financeiro não contribui para um mundo com salários dignos e valores sociais
sustentáveis. Há dinheiro bom e mau - não é todo igual. Enquanto este sistema
financeiro existe, sobrevivem os que estão no topo mas vão sendo abatidos, sem
misericórdia, os acionistas que julgam ser possível o capitalismo popular sem
um brutal risco.
Ao
fim de vários erros, muitas dívidas e custos sem fim para os contribuintes, não
precisamos de mais exemplos para assumir que a sociedade precisa de
reformatar-se e dar outra dignidade ao valor do trabalho e à criação de
emprego. A geração de riqueza fácil através da especulação tem de ter um fim.
Caso contrário, a ganância continuará a ser a base do sistema - e ensinada em
todos os manuais das melhores universidades.
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