quinta-feira, 11 de setembro de 2014

PORTUGAL E O REFERENDO NA ESCÓCIA



António Reis Pereira . jornal i, opinião

As regiões europeias que aspiram a processos de secessão estão com os olhos postos na Escócia

O referendo que se vai desenrolar no próximo dia 18 de Setembro na Escócia, referendo que definirá (ou não) a Escócia de novo como país independente, depois da perda de soberania em 1707, é aparentemente um assunto longínquo para Portugal, algo mais que se passa por esse mundo fora que teoricamente pouca ou nenhuma importância tem para a nossa vida colectiva, nesta altura bem mais condicionada por múltiplos factores de natureza económica e financeira.

Mas será que nada tem a ver connosco, mesmo nada? Ou será que se a Escócia, país independente durante 864 anos da sua história, conseguir de novo voltar a ser um país, tal poderá implicar uma série de alterações que depois nos vão afectar?

Em primeiro lugar, falar de independências quando estamos num lento mas definitivo processo inverso, europeu, de integração económica, monetária, bancária e, também política, é algo à partida um pouco raro. De qualquer forma, a vontade dos povos deve estar acima de demais considerações, e se um povo, uma nação, quiser mesmo constituir-se ou reconstituir-se como país, têm de haver mecanismos legais e democráticos que o permitam, e por isso o governo de Londres actuou de uma forma sábia ao permitir o referendo, precedido naturalmente por um amplo e esclarecedor debate.

Assim, nesta altura, as regiões europeias que aspiram a processos de secessão estão com os olhos postos na Escócia, pois se esta conseguir restaurar a sua independência, num quadro legal e pacífico, tal poderá ser o mote para novos referendos. Aqui contam-se, entre outras, regiões como a Baviera, a Flandres, a Sereníssima e algumas regiões actualmente espanholas, e é por aqui que pode haver consequências claras sobre o nosso país.

Imaginemos então que a Escócia se torna num país independente. Haverá então uma corrida europeia aos referendos, e Espanha pode confrontar-se com um processo de tentativa de secessão de País Basco e Catalunha, pelo menos, regiões que em definitivo vão realizar referendos. Se tais referendos tiverem sucesso, teremos de conviver então com uma península ibérica constituída por vários países, com os novos países numa primeira fase a confrontar-se com um certo embargo económico do resto de Espanha.

Ora tal embargo terá de ser ultrapassado (business as usual), quanto mais não seja por pressão de Bruxelas, e os países terão de encontrar uma forma de se entenderem, entendimento que significará por parte de Madrid um estender de mão para uma federação ibérica ou algo semelhante, solução para a qual seremos literalmente empurrados, repetindo algo que experimentámos em 1580 com os catastróficos resultados que conhecemos.

Ou seja, a declaração de independência da Escócia pode significar o romper de um frágil equilíbrio que hoje vivemos e que nos permite continuar a mandar nos nossos destinos, sociais, económicos e políticos, privilégio que felizmente detemos, que colectivamente muito nos custou e do qual nunca poderemos abrir mão.

De facto, a existência de um país entalado entre o mar e um país médio-grande, como Espanha, é um milagre que só se deu por um conjunto irrepetível de circunstâncias geopolíticas, circunstâncias que hoje não existem mais, pelo que aventuras unionistas com os nossos vizinhos do lado poderão ser irreversíveis.

E se a Península Ibérica pode ter movimentos independentistas com consequências para Portugal, o mesmo poderá acontecer noutras latitudes europeias, onde movimentos independentistas poderão significar o fim do sossego para alguns países pequenos, com o libertar de demónios semelhantes aos dos Balcãs.

Utilizando uma imagem conhecida, o bater de asas de uma borboleta algures pode desencadear um conjunto inusitado de reacções noutros locais de inesperada contundência.

Por tudo isto, o referendo na Escócia pode ter uma grande importância para a arquitectura política europeia.

O dia 18 de Setembro pode ser assim o destapar de uma verdadeira Caixa de Pandora, situação para a qual não estamos de todo preparados.

Eng. agrónomo, gestor de empresas

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