António
Reis Pereira . jornal i, opinião
As
regiões europeias que aspiram a processos de secessão estão com os olhos postos
na Escócia
O
referendo que se vai desenrolar no próximo dia 18 de Setembro na Escócia,
referendo que definirá (ou não) a Escócia de novo como país independente,
depois da perda de soberania em 1707, é aparentemente um assunto longínquo para
Portugal, algo mais que se passa por esse mundo fora que teoricamente pouca ou
nenhuma importância tem para a nossa vida colectiva, nesta altura bem mais
condicionada por múltiplos factores de natureza económica e financeira.
Mas
será que nada tem a ver connosco, mesmo nada? Ou será que se a Escócia, país
independente durante 864 anos da sua história, conseguir de novo voltar a ser
um país, tal poderá implicar uma série de alterações que depois nos vão
afectar?
Em
primeiro lugar, falar de independências quando estamos num lento mas definitivo
processo inverso, europeu, de integração económica, monetária, bancária e,
também política, é algo à partida um pouco raro. De qualquer forma, a vontade
dos povos deve estar acima de demais considerações, e se um povo, uma nação,
quiser mesmo constituir-se ou reconstituir-se como país, têm de haver
mecanismos legais e democráticos que o permitam, e por isso o governo de
Londres actuou de uma forma sábia ao permitir o referendo, precedido
naturalmente por um amplo e esclarecedor debate.
Assim,
nesta altura, as regiões europeias que aspiram a processos de secessão estão
com os olhos postos na Escócia, pois se esta conseguir restaurar a sua
independência, num quadro legal e pacífico, tal poderá ser o mote para novos
referendos. Aqui contam-se, entre outras, regiões como a Baviera, a Flandres, a
Sereníssima e algumas regiões actualmente espanholas, e é por aqui que pode
haver consequências claras sobre o nosso país.
Imaginemos
então que a Escócia se torna num país independente. Haverá então uma corrida
europeia aos referendos, e Espanha pode confrontar-se com um processo de
tentativa de secessão de País Basco e Catalunha, pelo menos, regiões que em
definitivo vão realizar referendos. Se tais referendos tiverem sucesso, teremos
de conviver então com uma península ibérica constituída por vários países, com
os novos países numa primeira fase a confrontar-se com um certo embargo
económico do resto de Espanha.
Ora
tal embargo terá de ser ultrapassado (business as usual), quanto mais não seja
por pressão de Bruxelas, e os países terão de encontrar uma forma de se
entenderem, entendimento que significará por parte de Madrid um estender de mão
para uma federação ibérica ou algo semelhante, solução para a qual seremos
literalmente empurrados, repetindo algo que experimentámos em 1580 com os catastróficos
resultados que conhecemos.
Ou
seja, a declaração de independência da Escócia pode significar o romper de um
frágil equilíbrio que hoje vivemos e que nos permite continuar a mandar nos
nossos destinos, sociais, económicos e políticos, privilégio que felizmente
detemos, que colectivamente muito nos custou e do qual nunca poderemos abrir
mão.
De
facto, a existência de um país entalado entre o mar e um país médio-grande,
como Espanha, é um milagre que só se deu por um conjunto irrepetível de circunstâncias
geopolíticas, circunstâncias que hoje não existem mais, pelo que aventuras
unionistas com os nossos vizinhos do lado poderão ser irreversíveis.
E
se a Península Ibérica pode ter movimentos independentistas com consequências
para Portugal, o mesmo poderá acontecer noutras latitudes europeias, onde
movimentos independentistas poderão significar o fim do sossego para alguns
países pequenos, com o libertar de demónios semelhantes aos dos Balcãs.
Utilizando
uma imagem conhecida, o bater de asas de uma borboleta algures pode desencadear
um conjunto inusitado de reacções noutros locais de inesperada contundência.
Por
tudo isto, o referendo na Escócia pode ter uma grande importância para a
arquitectura política europeia.
O
dia 18 de Setembro pode ser assim o destapar de uma verdadeira Caixa de
Pandora, situação para a qual não estamos de todo preparados.
Eng.
agrónomo, gestor de empresas
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