quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Portugal: INVENTORES DE ENGANOS



Rafael Barbosa – Jornal de Notícias, opinião

Para nos salvarmos (...) é necessário deixar de lado o Governo, a sua cultura, a sua forma de mentir, as suas fábulas. Basta! Temos de dizer: "Já não acreditamos em vocês"; "não temos nenhuma confiança em vocês, porque sois uns ladrões, sois corruptos, sois inventores de enganos!" - Dario Fo, entrevista ao "El País", 15/9/2014

Aproximar os eleitos dos eleitores e reduzir o número de deputados. Um assunto que surge quase sempre pelo pior motivo: um político quer à força ser popular, mostrando-se disponível para meter os outros políticos na ordem. É um paradoxo e também por isso acaba esquecido na gaveta dos temas populistas. O duvidoso protagonismo nesta matéria cabe, desta vez, a António José Seguro, por estes dias em dupla campanha pelo poder - partidário e governamental - e portanto necessitado de ser duplamente popular. Comecemos pela aproximação dos eleitos aos eleitores. Propõe o líder do PS - como em tempos o líder do PSD - que se introduza o voto preferencial. Qualquer coisa como o eleitor votar não apenas numa lista partidária, mas no deputado preferido dentro dessa lista. Ambos beberam no trabalho do cientista político Manuel Meirinho (entre outros), não acrescentando nada de original.

Acontece que quando um político acrescenta argumentos a uma ideia que, em teoria, é boa, acaba por estragá-la. Pretende Seguro "garantir aos portugueses a escolha do seu deputado". Para além de não se perceber muito bem para que haveria de querer cada português o "seu deputado", sabemos que o deputado nunca seria nosso. Com ou sem voto preferencial, estão amarrados a essa bizarra instituição da disciplina partidária, a que uma parte dos deputados dos partidos do arco da governação acrescentam os fretes e favores que lhes garantem a sobrevivência (emprego) na política.

Se Seguro e outros líderes partidários querem aproximar eleitos de eleitores, então esforcem-se para quebrar o ciclo do caciquismo partidário, batalhem para tornar a liberdade de voto na regra e não na exceção, permitam a candidatura de listas de cidadãos independentes ao Parlamento, imponham limite de mandatos aos primeiros-ministros, ministros e deputados. Ou acabaremos todos, como Dario Fo, a acusá-los de inventores de enganos.

Falemos, por outro lado, da redução do número de deputados. É evidente - dadas as circunstâncias descritas acima, que pressupõem uma atuação parlamentar com espírito de manada - que não são necessários 230 deputados. Metade, até menos, seria suficiente para garantir o funcionamento do Parlamento tal qual ele se coloca agora. Mas convém ter em conta um outro aspeto. O efeito imediato deste tipo de medida é diminuir a proporcionalidade em benefício dos "grandes", ou seja, do PSD e do PS. Ou seja, CDS, PCP e BE ficariam reduzidos a grupos parlamentares inorgânicos, enquanto os novos pretendentes a romper com as bancadas do costume ficariam para sempre do lado de fora. Se o objetivo for o de manter a casta, ainda que reduzida no efetivo, não há melhor fórmula do que reduzir o Parlamento para 181 deputados.

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