Além
de melhorar a economia, a presidente reeleita tem pelo menos mais cinco tarefas
urgentes pela frente: reforma política, educação, saúde, segurança e
infraestrutura.
Os
dois trimestres de queda do Produto Interno Bruto (PIB) e o grande número de
votos da oposição deixaram claro à presidente reeleita Dilma Rousseff que colocar
a economia no eixo do crescimento será o primeiro desafio do novo
mandato.
Entretanto,
para dar uma resposta ampla ao recado vindo das urnas, outras áreas
fundamentais, como saúde, educação e segurança, exigem esforços para a
integração de políticas e eficiência na gestão dos gastos públicos.
"O
primeiro compromisso do meu segundo mandato é a disposição ao diálogo",
afirmou a presidente reeleita neste domingo (27/10). Depois de uma disputa
acirrada pelo comando do país, o papel de Dilma no Planalto é converter as
tarefas urgentes da nova gestão em resultados. Há pelo menos cinco à espera.
Reforma
política
A
reforma política é discutida desde a época do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. Entre os possíveis pontos a serem considerados nessa reforma estão a
fidelidade partidária (que obriga os congressistas e demais legisladores e
serem fiéis ao seu partido, sob pena de perda do mandato), a cláusula de
desempenho (que exige um percentual mínimo de votos para o ingresso de uma
partido no Congresso), o voto facultativo ou obrigatório, o financiamento dos
partidos e o sistema eleitoral (se os eleitores votam num candidato ou numa
lista definida pelos partidos).
Para
Dilma, uma reforma no sistema político brasileiro é "a primeira e mais
importante" medida a ser tomada pelo governo a partir de 2015. Em discurso
a militantes do PT após a divulgação do resultado da eleição presidencial, a
presidente voltou a propor a realização de um plebiscito para que os eleitores
decidam se querem ou não a criação de uma assembleia constituinte para
implementar a reforma política.
A
reforma fora um dos pactos propostos pela presidente em resposta às
manifestações de junho de 2013, mas a medida não avançou no Congresso Nacional.
O
cientista político Claudio Couto, da FGV, disse que o plebiscito não é um
método necessariamente eficaz, pois precisa ser aprovado pelo Congresso.
"Os congressistas resistem a ele. Plebiscitos são formas de vencer a
resistência da classe política profissional, por conta de seus interesses
corporativos. Por isso mesmo, ela resiste a implementá-los", explica.
O
professor de Direito Alexandre Bahia, do Ibmec-MG, vê a realização de um
plebiscito como oportunidade para que as pessoas entendam melhor como promover
mudanças no sistema político. "Todos são críticos da política, mas
pouquíssimos sabem o que ou como mudar o atual estado de coisas. Um plebiscito
e os debates que o acompanham são uma boa oportunidade nesse sentido",
avalia.
No
último debate presidencial, Dilma defendeu também o fim do financiamento
empresarial privado de campanha. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve
finalizar em breve um julgamento, considerando essa prática inconstitucional, e
ordenar que o Congresso elabore uma nova lei sobre o tema.
Educação
Dilma
pretende universalizar a educação para as crianças de 4 e 5 anos até 2016,
ampliando o número de creches. Até o fim do novo mandato, ela também quer
ampliar a educação em tempo integral para 20% da rede pública de ensino.
Os
dados da educação no país, no entanto, não são animadores. A taxa de evasão de
estudantes de até 19 anos do Ensino Médio diminuiu, mas segue alta. Pouco mais
da metade dos alunos concluem o ciclo escolar, segundo a ONG Todos Pela
Educação.
Ao
mesmo tempo, o programa Ciência sem Fronteiras, que financia bolsas de estudo a
estudantes brasileiros no exterior e já está na segunda fase, é criticado por
má gestão e pouco retorno para o desenvolvimento da ciência do país.
"O
programa foi lançado às pressas", diz o sociólogo Simon Schwartzman,
membro da Academia Brasileira de Ciências. "Quando se manda alguém para
fora com financiamento público, se espera que ele vá se integrar num projeto
como pesquisador, por exemplo. Não se sabe o que os alunos da graduação fazem
depois que voltam."
Outro
ponto importante, a taxa de analfabetismo, voltou a cair depois de um ano de
estagnação, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), do IBGE. Em 2013, o índice de brasileiros com 15 anos ou mais que não
sabiam ler e escrever era de 8,3%.
No
Brasil, o investimento público em educação é baixo se comparado a outros
países. Em 2011, o Brasil desembolsou somente 2.985 dólares por estudante. Em
países como Finlândia, Alemanha, Austrália e França, o valor supera 10 mil
dólares. Nos Estados Unidos, passa de 15 mil dólares.
Após
os protestos na metade de 2013, que levaram milhares de brasileiros às ruas, a
presidente sancionou a lei que destina 75% da arrecadação dos contratos de
exploração de petróleo assinados a partir de dezembro de 2012 à educação, e os
outros 25%, à saúde.
Entretanto,
a melhora efetiva do ensino básico está muito distante, considerando o mau
desempenho dos brasileiros em testes internacionais. No Programa Internacional
de Avaliação de Alunos (Pisa), as escolas federais (528 pontos) e privadas (502
pontos) vão bem, mas as estaduais e municipais tem pontuações preocupantes (387
pontos). "Também há disparidades regionais", aponta o cientista
político Adriano Gianturco, do Ibmec-MG.
Saúde
A
partir de 2002, a
verba do orçamento federal para a saúde sofreu um aumento de mais de 95% e
passou para 91 bilhões reais em 2014. O aumento orçamentário foi possível
graças a uma emenda à Constituição, aprovada em 2000, que prevê que os recursos
destinados à saúde sejam corrigidos anualmente conforme a variação do Produto
Interno Bruto (PIB).
Apesar
da elevação dos recursos, o sistema de saúde continua subfinanciado.
"Considera-se o SUS como um sistema de saúde para os pobres, e não para
todos os cidadãos brasileiros", critica o professor de economia da saúde
Áquilas Mendes, da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Para
Mendes, a carência de recursos financeiros no SUS representa um "descaso
com essa política de direito social". Enquanto no Brasil o gasto público
em saúde gira em torno de 4% do PIB desde 2009, França, Alemanha e Reino Unido
têm taxas que variam entre 8% e 9%.
O
Programa Mais Médicos, lançado em 2013, já levou ao Brasil mais de 14 mil
profissionais de Cuba, Espanha, Portugal e Argentina, entre outros, para
atender pacientes no interior do país e na periferia das capitais. Ao mesmo
tempo em que a atenção básica foi priorizada, ainda faltam recursos para a
atenção especializada, como exames complexos e cirurgias.
Segurança
Dilma
pretende ampliar os centros de comando e controle montados nas doze
cidades-sede da Copa do Mundo. Ela quer fazer alterações na Constituição para
levar as unidades em todos os estados. Os centros atuariam em operações
articuladas com as polícias e as Forças Armadas.
Para
o professor de Direito Theo Dias, da Fundação Getúlio Vargas, a proposta é
genérica. "A estrutura foi montada para um evento específico e não deve
responder às demandas cotidianas da segurança pública", afirma Dias, que
também é conselheiro do Instituto Sou da Paz. "O governo federal precisa
entender melhor qual é o seu papel na política de segurança pública, que tem
sido muito residual no controle da criminalidade."
A
competência pela gestão da segurança pública é dos estados, com exceção da
Polícia Federal. Para o especialista, o governo deve facilitar a integração
entre as polícias estaduais e investir num sistema nacional de informações
criminais, com um banco de dados referente a mandados de prisão e pessoas
procuradas. "Hoje, isso é totalmente descentralizado", observa.
Dias
argumenta que a Polícia Federal deve ser valorizada, ter um efetivo maior e
melhor treinamento para fazer o controle de crimes de competência da Justiça
Federal, como lavagem de dinheiro e corrupção, e o monitoramento das fronteiras
externas.
Para
o advogado, o governo tem condições de estimular investimentos no sistema
prisional e pode fomentar, por exemplo, a discussão de penas alternativas.
"O governo não pode aprovar as reformas, porque depende do legislativo,
mas pode ter papel central no Congresso para mudanças no campo penal."
Infraestrutura
Na
área de infraestrutura, atrair o capital privado é o principal desafio de
Dilma. A projeção de investimentos para o setor neste ano é de 2,54% do PIB
(dados da consultoria internacional Inter.B), quatro pontos percentuais abaixo
do nível recomendado pela ONU aos países da América Latina e do Caribe.
"É
preciso estabelecer um ambiente de confiança para o investimento do capital
privado, porque o governo tem recursos limitados. O custo do capital depende do
nível de risco do negócio, e no Brasil esse índice é alto", avalia a
economista Joísa Dutra, coordenadora do Centro de Estudos em Regulação e
Infraestrutura da FGV.
O
BNDES aumentou o volume de crédito, mas isso não tem resultado em investimentos. Um
dos motivos é o sentimento de insegurança entre os investidores, que temem
perder os recursos investidos devido, por exemplo, a questões burocráticas ou
de logística.
"O
setor privado não consegue realizar obras sozinho, porque a carga tributária é
pesada e a legislação é vaga e interpretável de várias formas", diz o
professor de ciência política Adriano Gianturco, do Ibmec-BH. "O governo,
então, lançou algumas políticas, mas muitas vezes não teve nenhuma empresa
concorrendo aos leilões, vista a insegurança jurídica, e visto que, nas PPPs, o
governo quis fixar o lucro das empresas."
A
concessão de obras e reformas inseridas no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP) enfrenta uma
série de obstáculos. Os leilões de ferrovias, por exemplo, ainda não saíram do
papel.
Dilma
deu início aos pacotes de concessões que previam a reforma e construção de
rodovias federais e ferrovias, além da concessão de aeroportos, como os de
Viracopos e Guarulhos (SP), Brasília (DF), Confins (MG) e Galeão (RJ). Para
garantir o sucesso do programa de rodovias, o governo elevou a taxa de retorno
de investimento de 5,5% para 7,2% e aumentou os prazos de concessão e
financiamento.
O
setor elétrico, por exemplo, acumula um passivo de 61 bilhões de reais e não
consegue funcionar apenas com os recursos arrecadados junto aos consumidores.
Dutra analisa que é preciso pensar em como incrementar essa arrecadação.
Para
a área de saneamento, equacionar o problema de governança é o desafio, já que
os municípios não têm condições de fazer os investimentos necessários, apesar
da disponibilidade de recursos do PAC. "Os investimentos não se
materializam. Não basta olhar volume de execução, mas sim o resultado. Quantos
usuários foram de fato conectados à rede de saneamento?", argumenta a
economista.
Fernando
Caulyt / Karina Gomes – Deutsche Welle
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